Comemorou-se no passado dia 15 deste mês
de Novembro “O Dia Mundial da Filosofia". Em registo da efeméride, foi hoje
publicado neste blogue um nota de Sara Raposo, professora de Filosofia do ensino secundário e co-autora do blogue "Dúvida Metódica", “Sobre o lugar da Filosofia no
Ensino Secundário”.
Com a ousadia de me intrometer em disciplina
alheia, mas, por outro lado, amante desta disciplina desde os meus
estudos liceais de natureza científica, cometo o crime de, embora
humildemente, dar o meu modestíssimo contributo, através de um artigo
que publiquei no “Diário de Coimbra” (13/02/2006), intitulado “O Exame Nacional
de Filosofia”, e transcrito, com o mesmo título, neste blogue, em 23 de Julho de 2007.
Reproduzo esse texto:
"O fascínio tecnicista e cientista
é um sinal dos tempos, cujas repercussões se fazem sentir na organização, ou
antes, na desorganização do sistema de ensino, a todos os níveis (Georges Gusdorf).
Abel
Salazar foi professor universitário de Medicina, em inícios e meados do século
passado, com um notável e eclético saber nos diversos domínios científicos e
culturais: médico, escritor, pintor, escultor e filósofo, tendo-se doutorado,
em 1915, com 20 valores com a tese Ensaio de Psicologia Filosófica. Com
conhecimento de causa, sentenciou ele:
“Um
médico que só sabe de medicina nem isso sabe!”
Hoje,
numa época em que os responsáveis pela tutela da Educação – em nome de uma
deplorável facilidade no acesso ao ensino superior, ou (apenas) como tal
plasmado na lei! – em boa hora arrepiaram caminho na decisão em acabar com o
exame nacional de Literatura Portuguesa, mas persistem em manter essa decisão
no que se reporta à Filosofia, uma questão se levanta. Deverá a Filosofia ser
valorizada no âmbito dos cursos de humanidades e subalternizada no domínio das
ciências naturais?
A questão nem sequer é nova! Segundo Georges Gusdorf, “na primavera de 1964, assistiu-se ao facto de “os decanos da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Ciências da Universidade de Paris, proclamarem que a Medicina é doravante uma ciência; ninguém poderá pretender ser iniciado se não for geómetra, se não possuir noções de base como as de função, logaritmo, derivadas. A formação médica pressupõe uma escolaridade secundária que passa pelas classes terminais de ciências e de matemática dos liceus”. (“Da História das Ciências à História do Pensamento”).
A questão nem sequer é nova! Segundo Georges Gusdorf, “na primavera de 1964, assistiu-se ao facto de “os decanos da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Ciências da Universidade de Paris, proclamarem que a Medicina é doravante uma ciência; ninguém poderá pretender ser iniciado se não for geómetra, se não possuir noções de base como as de função, logaritmo, derivadas. A formação médica pressupõe uma escolaridade secundária que passa pelas classes terminais de ciências e de matemática dos liceus”. (“Da História das Ciências à História do Pensamento”).
Ainda segundo este autor, “os distintos decanos
preveniam os interessados e as famílias contra a deplorável perda de tempo e de
inteligência que representaria um estágio na classe de Filosofia. Um jornalista
foi, então, perguntar a estudantes de Medicina, escolhidos ao acaso, o que
pensavam desta declaração. Responderam-lhe que lhes parecia, pelo menos,
impensada. O conhecimento dos logaritmos é talvez útil ao médico, mas o
conhecimento do homem e da condição humana é primordial; é deplorável que não
entre em linha de conta na aprendizagem médica. Os estudantes tinham cem vezes
razão em denunciar esta forma particularmente nociva de obscurantismo
contemporâneo, que existe entre os potentados universitários como no homem da
rua” (id., ibid.).
Este
descabido, ridículo e insolente ataque à matriz de todas as ciências é tanto
mais insólito quando nomes grados da Ciência se distinguiram no frutuoso
deambular pelos caminhos de um Conhecimento sem fronteiras. Três exemplos, de
entre muitos: Max Planck, físico e Prémio Nobel da Física (1918), preocupado
com a relação entre a ciência e religião ; Ernest Krestchemer, médico
psiquiatra alemão, doutor “honoris
causa” em Filosofia pelas Universidades de Wurzburgo e Católica do
Chile; e Bertrand Russell, matemático e filósofo britânico, “Prémio Nobel da
Literatura”, em 1950. E isto para não
falar já em Albert Einstein, presença obrigatória em diversos manuais de
Filosofia!
Poder-se-á
objectar que a disciplina de Filosofia continua a fazer parte do currículo do
ensino secundário, mas... o facto de não ser avaliada em exames nacionais
coloca-a numa posição, no mínimo, insólita. E não me venham com a teoria de que
os exames nacionais são uma forma menos válida ou justa de avaliar os alunos. O
mal não está nos exames, mas na forma que preside à respectiva elaboração!
A
facilitação em deixar passar os alunos sem testar os conhecimentos adquiridos
em exames nacionais nos diversos graus de ensino conduziu a população escolar
portuguesa à crítica demolidora de Vasco Pulido Valente: “Um ensino, em particular ensino superior,
ineficiente e caótico e, além disso, irreformável”!
Na
verdade, chegou-se a níveis de ignorância que campeiam entre os próprios
diplomados do ensino superior e que não são escamoteáveis por mais tempo, pese
embora, como escreve Mario Perniola, professor de Estética da Universidade Tor
Vergata de Roma, “haver sempre uma
caterva de ingénuos prontos a escrever a história da última idiotice, a
solenizar as tolices, a encontrar significados recônditos nas nulidades, a
conceder entrada às imbecilidades no ensino de todas as ordens e graus,
pensando que fazem obra democrática e progressista, que vão ao encontro dos
jovens e do povo, que realizam a reunião da escola com a vida”.
Numa
altura em que novas (e, ainda mais, facilitadoras!) formas de acesso a escolas
de ensino superior se divisam no futuro prenunciando técnicos despojados de uma
necessária formação cultural - a que a leitura constante de textos literários e
a reflexão filosófica conduzem - e em que a quantidade de diplomados pelo
ensino superior supera em muito a sua qualidade, os claustros universitários
devem manter-se como guardiães esforçados da Cultura Humanística, do
Conhecimento Científico e da Investigação Pura e Aplicada. Num contexto de
elevada qualidade e numa tradição multissecular na formação de elites!”
2 comentários:
Importante dia o da Filosofia.
Professor Rui Baptista, vosso texto é consistente e esclarecedor. Em vibrante fluência de palavras, vossa capacidade potencializa a discussão direta. Eis, abrangente e determina e de opinião acirrada por esclarecer pensamentos e idéias, quer desbravada em distante realidade. Por assim dizer, vos tem questionado assuntos rigorosos e expressivos e, transmitido (compactuado) aos de vosso ideal. Porém, de todo caso em tractar-se do termo filosofar, por afinarmos linhas de pensamento e variáveis ou, de aproximar multiplas possibilidades e aspectos, sejam características estas, em que, o conhecimento é presença e domínio ao desprendimento por abordar a forma de recuperar o sentido extra-conflito de (porquê, ou por quê), em oscilação temporal. Pois, o pensamento e as idéias têem apêgo dos princípios norteadores de cada tempo, ou seja, da ordem de quando assimilada e comparada, esta mesma linha de pensamento que expressa idéia, fora traçada de ferramenta experiencial e cujo referencial difere em questões de habilidade por credenciar da mesma ou, da ênfase. Ora, propriamente por vezes, percebo uma característica intolerante do intelectual e, que deixa feito avenida, de inserida clareza, do anseio em transitar conceiptos de determinado tempo. E, que outrora desta referida capacidade, nasceram exemplos quais respondem de simetria e, que facilitariam da compreensão. E se ouso, justificar em modesta palavra, é por argumento de vossa inteligência. Eis, norteadora e esclarecedora de tais, motivações.
Prezada Cláudia: Grato pelo seu gentil comentário. Cumprimentos cordiais.
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