segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Entrevista a Alexandre Trindade sobre Cancro (2)


Segunda parte de uma entrevista (ver primeira parte aqui), sobre cancro, com o Doutor Alexandre Trindade, Investigador do grupo de "Desenvolvimento Vascular" da Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa, e do Instituto Gulbenkian de Ciência. Publicada no “Diário de Coimbra”.

António Piedade - O que é que se sabe sobre o potencial neoplásico de células estaminais somáticas? Há alguma semelhança entre as primeiras células de um tumor e as células estaminais somáticas?

Alexandre Trindade - A ideia vigente é que, retirando da equação factores ambientais, todas as células têm o mesmo potencial de mutação. Assim, o factor mais importante para que um conjunto de células de um tecido tenha um potencial oncogénico mais elevado é a existência de mutações herdadas. A ideia de que existem células com carácter estaminal num tumor é relativamente recente e alvo de um grande esforço na investigação. Descobriu-se que essas células são muitas vezes responsáveis pelos relapsos tumorais que acontecem a seguir a tratamentos de quimioterapia, pois estas células não são sensíveis a estes tratamentos. Pensa-se também que estas células tumorais estaminais podem ser também responsáveis pelo processo de metastização. Portanto, estas células, que compõem apenas uma percentagem mínima da população de células tumorais, têm uma importância elevadíssima no desenvolvimento tumoral e uma relevância muito alta também para a eficácia dos tratamentos.

É muito complicado confirmar se as primeiras células de um tumor são estas células tumorais estaminais ou se estas se desdiferenciam em algum momento após o aparecimento do tumor. Pensa-se que na realidade ambas as situações possam acontecer. Haverão tumores que se formam a partir de células estaminais somáticas que ganham características cancerígenas e tumores que se formam a partir de células diferenciadas e que ao longo do seu desenvolvimento ganham um conjunto de células que, através de desdiferenciação, ganham características de células estaminais.

AP - Apesar da gravidade para um organismo quando nele se desenvolve um cancro, é conhecido no processo tumoral algum papel na evolução das espécies?

AT - Que eu tenha conhecimento não. A única ligação que se pode fazer está no facto de ambos os processos se basearem na acumulação de mutações genéticas. O crescimento de um cancro procede de forma análoga à evolução de uma espécie, em que mutações vão sendo acumuladas e seleccionadas. A maioria não tem grande consequência directa, sendo consideradas silenciosas, mas algumas têm impacto na função de um ou vários genes. Nesse momento ocorre selecção e a célula pode ser eliminada por apoptose ou como alvo do sistema imunitário. Se por acaso a mutação não induzir a morte celular directa ou indirecta então vai permanecer. No caso de conferir a perda do controlo do ciclo replicativo celular, por exemplo, vai conferir a essa célula uma vantagem replicativa, fazendo com que ela acabe por se multiplicar muito mais depressa que as células vizinhas, não transformadas, dando origem a um tumor. Esse tumor vai continuar a acumular mutações, mais depressa que as células não transformadas devido ao ciclo celular acelerado, aumentando a possibilidade de ganhar características malignas. Por outro lado, a evolução das espécies baseia-se largamente na aquisição de novas características que confiram vantagem reprodutiva ao nível do organismo, o que não é caso do cancro em que o conceito é aplicado ao nível celular.

AP - Regressando ao processo de angiogénese, podemos dizer que ele é crítico para o desenvolvimento de um cancro? Que factores influenciam a arquitectura e a construção de vasos sanguíneos a partir dos já existentes?

AT - O processo de angiogénese é um dos marcos da tumorigénese. O desenvolvimento da vasculatura procede de maneira descontínua. É baseado na interacção de factores que promovem a activação das células endoteliais, componentes celulares dos vasos sanguíneos, e factores que inibem a activação dessas mesmas células. Permanentemente há uma luta entre factores que promovem e inibem, promovendo no global um estado de estabilidade à vasculatura e permitindo um crescimento controlado quando há necessidade. Quando um cancro atinge um tamanho crítico ele necessita de recrutar vasos sanguíneos para permitir que continue a crescer. Assim ele começa a secretar factores de crescimento endoteliais que vão activar a vasculatura vizinha. É este estímulo externo que acaba por virar a balança em favor dos factores activadores e assim permitir que a vasculatura seja activada e comece a crescer na direcção do tumor. Como a vasculatura dos tumores é formada neste processo acelerado, em que a balança dos reguladores está fortemente virada para a activação, os vasos que se formam são largamente malformados e pouco funcionais, quando comparados com vasos sanguíneos de qualquer outro orgão normal. Estes vasos não são maduros, tendo uma camada de músculo liso, que normalmente cobre os vasos sanguíneos dando-lhes estrutura, mal organizada e muito permeável. Esta anormalidade é responsável por um aumento de pressão entre as células do tumor, que se reflecte numa maior dificuldade em que drogas quimioterapêuticas entrem no tumor para matar as suas células.

AP - Travar a angiogénese parece ser um bom alvo terapêutico para tratar tumores e cancros sólidos. Quais são as fronteiras do conhecimento nesta área?

AT - Em 1971 Judah Folkman, médico e investigador, lançou a ideia pioneira que os tumores necessitavam de formar novos vasos sanguíneos para crescer e que uma terapia que impedisse esses vasos de crescer poderia impedir o crescimento tumoral. Em 1998 o mesmo investigador disse que se alguém tivesse cancro e fosse um ratinho ele podia tratá-lo. Desde essa altura já saíram para o mercado vários agentes biológicos que actuam sobre a neo-vasculatura tumoral, bloqueando o seu desenvolvimento. No entanto nós ainda aqui estamos a estudar esta área. A razão para isso é que as drogas actuais não revelaram ter nos humanos o mesmo efeito que no modelo ratinho. Não se sabe bem porque é que isto acontece, talvez tenha a ver com a estratégia terapêutica usada mas o mais provável é que no fundo acabe por, mais uma vez, apenas reflectir a heterogeneidade desta classe de doenças que chamamos de cancro. Os trabalhos em modelo ratinho de um tipo de cancro reflectem apenas uma pequena proporção dos pacientes humanos com esse cancro. Daí que administrar uma dada terapia em pacientes humanos acabe por produzir os efeitos observados em ratinho apenas num subgrupo de pacientes. Na minha humilde opinião, a maior fronteira está na detecção de quais pacientes serão responsivos às várias formas de terapia que vão surgindo, no fundo, ao detectar quais dos pacientes têm tumores mais semelhantes àqueles em que as drogas foram estudadas em modelo de ratinho. Para que este modelo possa funcionar serão necessários agentes biológicos que sejam dirigidos a todas as vias de sinalização molecular envolvidas na regulação do crescimento tumoral e da angiogénese para que, no futuro, os médicos possam escolher quais combinações serão mais efectivas para cada paciente.

3 comentários:

Alicoa disse...

Bom-dia,
Artigo muito interessante. Tenho um problema de saúde à casa.
O meu marido sangra quando éjacule. É um cancro da próstata?

Encontrei estes sítios web para notícias
www.sintomas-cancer-prostata.net
www.oncogia.org.br

Alicoa

António Piedade disse...

Alicoa,

Agradecemos o comentário à entrevista. Contudo, não podemos, nem devemos, fazer qualquer diagnóstico ao seu problema. Pode tentar identificar o seu caso com os inúmeros que populam pela internet, mas o melhor mesmo é procurar um médico. Ele saberá responder à sua questão e orientar para a solução possível.
Cumprimentos
António Piedade

Anónimo disse...

SILENCIOSO HEROÍSMO

Ser o melhor na bola, correr mais,
deixando todos para trás nas pistas,
cartografar estrelas nunca vistas,
girando nos espaços siderais;

conduzir automóveis, aviões,
cada vez mais velozes e potentes,
investigar por dentro as nossas mentes
e as válvulas dos nossos corações;

são desde logo acções que nas histórias
da humanidade vão deixar memórias
por sua incontestável importância,

enquanto que, em pesquisa recatada,
pouco se falará na relevância
da luta contra o cancro entabulada!

JOÃO DE CASTRO NUNES

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