Habitual destaque às sextas para a crónica de J.L.Pio de Abreu no "Destak":
Schadenfreuden é uma palavra alemã que designa o sentimento de prazer com a desgraça alheia. Não é fácil encontrar traduções, pelo que a mesma palavra se usa noutras línguas para nomear tal sentimento. Não a usamos em português, mas temos a querida inveja que é o maior dos nossos sentimentos destrutivos.
Ter inveja não é desejar o que os outros têm, o que se chama cobiça, nem é o malfadado ciúme que consiste em temer que os outros roubem o que pensamos ser nosso. A inveja costuma definir-se pelo facto de nos sentirmos mal com o bem dos outros. Mas se fosse só isso, o invejoso não seria mais do que uma desgraçada vítima.
O problema do invejoso é que, quando vê alguém com mais posses ou competências, não se admite inferior. O que ele faz então é tentar destruir aqueles que são melhores. Fá-lo porém de um modo enviesado e ineficaz, colocando no outro todos os defeitos que possa imaginar. Ao fazê-lo, porém, ele fica cego para a realidade. De facto, a inveja deriva da expressão latina invidia, que quer dizer mau olhar.
Destruído o outro, ainda que em imaginação, o invejoso pode finalmente deleitar-se com o suposto mal do invejado, ou seja, tem direito ao seu schadenfreuden. Mas como não temos palavra para este sentimento sádico, fazêmo-lo inconscientemente. Quer dizer que aquilo que os alemães fazem com consciência e eficácia, fazem os invejosos portugueses inconscientemente e sem resultado. No fundo, somos masoquistas porque ambas as coisas nos destroem.
J. L. Pio de Abreu
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
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6 comentários:
"Atirad piedrasm, mediocres!"
(Rubén Darío)
Nas traseiras da casa, no quintal,
herança inestimável dos seus pais,
um certo velho tinha um roseiral
que rosas produzia... sem rivais.
Mordiam-se de inveja os seus vizinhos
que de igual modo cultivando rosas,
estas pouco mais tinham do que espinhos
contrariamente às suas... preciosas.
Numa manhã, chegando-se à janela,
viu seu jardim, parcela por parcela,
deitado abaixo à força de pedrada.
Não se deu por achado; refazendo
de novo o roseiral, ia dizendo:
"Assim procede quem não vale nada!"
JOÃO DE CASTRO NUNES
A Fúria Mais Fatal e Mais Medonha
Das Fúrias infernais foi sempre a Inveja
No mundo a mais fatal e a mais medonha,
Pois faz dos bens dos outros a peçonha
Com que a si mesma se envenena e peja.
Com ira e com furor, raivosa, arqueja,
Com vinganças, traições, com ódios sonha.
Onde quer que se encoste e os olhos ponha,
Tragar as ditas dos mortais deseja.
Mãe dos males fatais à Sociedade,
Vidas, honras destrói, cismas fomenta,
Nutrindo n'alma as serpes da Maldade.
O próprio coração que come a alenta,
Vive afogada em ondas de ansiedade,
Da frenética raiva se alimenta.
Francisco Joaquim Bingre,
in 'Sonetos'
MARCA DA CASA
A inveja mata, corroendo lenta
mas imparavelmente a alma humana:
é mal que de si próprio se alimenta
e aos poucos vai tornando a mente insana.
Pintaram-na os artistas primitivos
da forma mais horrenda que é possível:
animalescos dentes incisivos,
aspecto facial vesgo e terrível.
É sempre deletéria a sua acção
no meio social, embora às vezes
pareça ter o dom da emulação.
Por mim não me convenço que assim seja
especialmente quanto aos portugueses
que sobre todos primam pela "enveja"!
JOÃO DE CASTRO NUNES
A DESFORRA
Quando o monarca D. João Terceiro
por desacatos que ele provocou
Camões fora da pátria colocou,
mudando-lhe em desterro o cativeiro,
um escarninho riso sorrateiro
no rosto dos rivais se divisou
e toda a corte se regozijou
por ver-se livre desse arruaceiro.
O mal foi quando o Poeta ao regressar
na mão trazia para lhes mostrar
o poema que nas Índias compusera:
"Agora fazei pouco" - lhes reitera -
"medíocres de engenho e de talento,
falai agora, montes de excremento"!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Como estamos na época Natalícia, em que ocorre a sugestão de ofertas e compras, sugeria, a propósito da inveja, a obra de René Girard Shakespeare Les feux de l'envie, Grasset, Paris,1990, ou última edição.
Boas Festas ao blog, aos postadores e comentaristas.
Cordialmente
NEFANDUM
Pior que a inveja propriamente dita
é o regozijo pelo mal alheio:
disso é que eu tenho o máximo receio,
constituindo prática maldita.
Tratando-se de um péssimo conceito
tão vulgar entre nós, os portugueses,
é muito estranho, como penso às vezes,
não termos um vocábulo a preceito.
Talvez resida a sua explicação
no facto de esse torpe sentimento
ser tão mesquinho, sórdido e nojento,
que a língua por Camões utilizada
se havia de sentir envergonhada
de ter adequado... palavrão!
JOÃO DE CASTRO NUNES
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