Depois separámo-nos, ele nunca mais me viu, nem com ele contactei, mas continuei a vê-lo muitos anos depois, nas televisões, em noticiários, programas de fim de semana, em reportagens e sobretudo no Acontece, que foi, pela simplicidade, a economia de tempo e meios, a originalidade, um acontecimento cultural, durante anos; um momento diário, vivo e rico, numa televisão pesada, balofa e com alguma fobia cultural.
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Era um tipo vivo, inteligente, simpático, fraternal, amigo dos seus amigos, e que sabia ser, ao mesmo tempo, frontal e diplomático. Mas, tanto quanto me pude aperceber, um bom vivant, de que, pelos vistos, não se corrigiu, e ainda bem. Conhecia, já nessa altura, imensa gente, contava histórias do meio jornalístico, estava ainda muito marcado pela sua infância e juventude moçambicanas, e acabava por ser, por estes trunfos, uma mais-valia, do nosso curso, face aos comandos da Escola Prática.
Guardo dele uma pequenina memória pessoal, de que nunca me esqueci e que me foi, durante anos, grato recordar. Eu tinha acabado o meu curso e conseguira, nas vésperas da incorporação, terminar a tese de licenciatura. Este trabalho era, então, obrigatório para se ficar de facto licenciado, mas poucos faziam a tese; uns, porque começavam a trabalhar e deixavam de ter tempo, outros, porque casavam, outros, porque iam para a tropa e perdiam o jeito e o feitio, etc. A expansão do sistema educativo e a grande procura de professores, nessa altura, acabava por, na prática, dispensar esse complemento de formação, a que a Revolução veio dar fim pelo modelo habitual da extinção.
Mas eu, que tivera a felicidade de ter, anos antes, nos começos do curso, uma ideia entusiasmante para a minha tese, trabalhei afincadamente nela e consegui terminá-la justamente antes desse incorporação. Mas como ainda não a tinha defendido em acto, andava, nas minhas horas livres, pela parada da EPAM e pela sala dos cadetes, com o calhamaço debaixo do braço, lendo passagens, fazendo anotações nas margens, enfim, preparando a minha defesa.
Até que o Carlos Pinto Coelho deu por isso e me pediu para ver. Era um tema abstruso e inesperado (Da infinidade – ensaio sobre a essência da natureza infinita ou análise dos limites possíveis à consciência). Afastou-se, foi para outra mesa, e sozinho, durante um bom pedaço de tempo folheou da frente para trás e detrás para a frente as mais de seiscentas páginas, viu o índice, leu algumas partes, e depois, teve uma atitude inteligente e disse-me isto mais ou menos: o tema é-me algo estranho, como deves calcular, mas tenho feito muita recensão crítica a livros que enviam para o jornal, e por aquilo que vi e li, embora pouco, parece-me sólida e bem estruturada a tua tese, gosto da linguagem, palpita-me que tens aí algo de interessante e original; portanto, força! Nunca me esqueci desta sua atitude cuidadosa e estimulante, mostrando consideração por um trabalho que, ao tempo, era tudo para mim.
Esta memória e esta evocação é, pois, uma pequena homenagem a um Amigo que cheguei a ter há muitos anos.
João Boavida
1 comentário:
Caro,
Obrigado por um bom texto. Agora, por favor, corrija-me lá a "resenção" do último parágrafo para "recensão". Você e o CPC não merecem gralhas.
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