segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A CIÊNCIA EM DIRECTO (2)



Crónica publicada no "Diário de Coimbra", na sequência desta outra.
(Foto: imagem de satélite do Lago Mono, na Califórnia)

No passado dia 3 de Dezembro a revista Science publicou um artigo da responsabilidade de microbiologistas da NASA, no qual estes alegam terem identificado uma estirpe bacteriana da família Halomonadaceae, designada por GFAJ-1, capaz de crescer substituindo os átomos de fósforo das suas biomoléculas por arsénio. Assim sendo, os exploradores em demanda da existência de vida fora do planeta Terra poderiam adicionar este outro elemento à lista daqueles que são utilizados para monitorizar a procura, e que são, por agora, hidrogénio, carbono, nitrogénio, oxigénio, enxofre e fósforo.

Como é habitual, a comunidade científica em geral, e os especialistas em microbiologia em particular, analisaram minunciosamente o artigo e os materiais adicionais fornecidos pelos autores e pela revista Science.

Rapidamente, foram publicados em diversos meios (outras revistas como a Nature, edições electrónicas, blogues, etc.) reacções que, em resumo, indicam o seguinte: através da análise dos dados publicados pelos autores não se pode concluir que a bactéria em causa tenha substituído fósforo por arsénio como solução de adaptação ou de sobrevivência à escassez do primeiro e à abundância do segundo. Por outras palavras, os dados apresentados não sustentam todas as alegações e conclusões dos microbiologistas da NASA!

A comunicação social deu voz a diversos comentadores. Estes tentaram explicar e descodificar o conteúdo e implicações do artigo publicado, principalmente como resposta ao comunicado da NASA e à potencial aplicação da descoberta na procura de vida exoplanetária.

Mas o entusiasmo público esmoreceu à medida que a normal análise e a avaliação pelos pares científicos fez emergir reticências e pontos finais. É que, para outros microbiologistas de laboratórios internacionais, os investigadores da NASA fizeram má ciência, forçando os resultados a suportar o que eles queriam à partida mostrar: que um tipo de bactéria extremófila, que vive em ambientes extremos, como o do lago Mono na Califórnia, era capaz de utilizar arsénio nas suas funções vitais. Aliás, a análise rigorosa dos mesmos resultados que apresentam no artigo não suportam tal conclusão e até já foi sublinhado a ausência de experiências de controlo necessárias para retirar qualquer outra interpretação (ver este bom exemplo)!

Mas, porquê o arsénio? Por se encontrar em abundância no Lago Mono?

Por um lado, estando este elemento químico, e compostos dele derivados, normalmente associado a problemas de toxicidade na sua relação com os seres vivos, a sua incorporação em processos e moléculas vitais amplia, naturalmente, o espanto e a estranheza desta aparente habilidade irónica da vida. E galvaniza a procura de biodiversidade em condições adversas e extremas!

Por outro lado, fósforo e arsénio pertencem ao mesmo grupo (15 - VB) da classificação periódica dos elementos. Partilham propriedades físico-químicas semelhantes, com variações na sua reactividade. Por exemplo, as ligações químicas que o arsénio pode estabelecer com quatro átomos de oxigénio, formando o ácido arsénico (H3AsO4), são menos estáveis do que quando estas são estabelecidas com o fósforo. De facto, o composto que resulta no último caso, o ácido fosfórico (H3PO4) e os seus correspondentes sais fosfatados são ubiquamente utilizados pela vida.

Com a eventual substituição directa de átomos de fósforo (símbolo químico P e número atómico 15) nas biomoléculas referidas, por átomos de arsénio (símbolo químico As e número atómico 33) e sendo este maior, prevêem-se perturbações na estrutura, estabilidade e, consequentemente, na funcionalidade reactiva das biomoléculas, com reflexo na viabilidade das funções vitais.

Tanto quanto se sabe, os processos bioquímicos íntimos à vida dependem de interacções espaciais tridimensionais entre os átomos que formam as moléculas dos processos vitais. Se um desses átomos é substituído por um outro maior, essas interacções são alteradas na sua estabilidade, na sua reactividade, no tempo necessário para que uma determinada reacção possa ocorrer.

Neste ano dedicado à biodiversidade, o aparecimento de um potencial outro elemento químico, entre os essenciais à vida, até parece uma formulação de boas-vindas ao próximo ano que se aproxima. Até porque o de 2011 é dedicado pela UNESCO à Química.

No mínimo, uma passagem de testemunho muito interessante...

António Piedade

2 comentários:

Anónimo disse...

Estas trocas e baldrocas
entre fósforo e arsénio,
vã-se lá saber que génio
na base está dessas trocas!

JCN

José Batista da Ascenção disse...

Eu continuo a esperar...
Para saber.

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