terça-feira, 28 de dezembro de 2010

ESTRANGEIRADOS EM LONDRES


Minha crónica na última "Gazeta de Física" deste ano (na figura Isaac Newton):

A Royal Society de Londres, ligada ao nome de Isaac Newton e de tantos outros cientistas ilustres, está a celebrar os seus 350 anos, orgulhando-se de ser a academia científica mais antiga do mundo em funcionamento ininterrupto (outras mais antigas, como a Accademia dei Lincei, ligada a Galileu, esteve parada muito anos, ou cessaram mesmo actividade). A sua divisa é, desde o início, Nullius in verba, em tradução livre Não acredites na palavra das autoridades. De facto, o pequeno grupo de sábios que se reuniu na capital da Grã-Bretanha em 1660 estava imbuído do espírito da Revolução Científica: o conhecimento sólido devia ser comprovado pela experiência.

Há uma “portuguese connection” na origem da Royal Society pois essa sociedade só é real porque recebeu carta de privilégio do rei Carlos II, que era casado com a nossa Catarina de Bragança. Nos seus três séculos e meio de vida, a Royal Society admitiu apenas 25 sócios portugueses, o primeiro dos quais logo em 1668. A maior parte das entradas dos membros portugueses ocorreu, porém, no século XVIII, o tempo do Iluminismo tão bem simbolizado pela Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, onde uma exposição evoca esses homens de ciência e cultura. Entre os nomes de maior destaque tem de se colocar João Jacinto Magalhães, o monge do Mosteiro de Santa Cruz que emigrou para Inglaterra porque não queria viver num país onde faltava a liberdade. Ele foi, no século das luzes, um dos sábios que mais contribuiu para a expansão das ideias, ao relacionar-se com Watt, Priestley, Lavoisier, Volta, Franklin, etc. Para Portugal enviou alguns instrumentos científicos de sua concepção que hoje pertencem às colecções do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra e estão patentes nessa exposição. Mas foi para Filadélfia, confiando no seu amigo Franklin, que enviou os guinéus para instituir o Prémio Magellan, um dos prémios científico-tecnológicos mais antigos do mundo e que, entre outros, distinguiu pioneiros do GPS.

Magalhães (descendente do famoso navegador) não foi o único “estrangeirado” que se distinguiu no século XVIII em terras britânicas. O Padre Teodoro de Almeida, que pode ser considerado o primeiro físico experimental assim como o primeiro divulgador científico em Portugal, também se exilou, precavendo-se do despótico regime pombalino. E o mesmo aconteceu com outro padre oratoriano, João Chevalier, astrónomo que chegou a presidir à Real Academia de Bruxelas. Almeida voltou para Portugal, ajudando a fundar a Academia de Ciências de Lisboa, mas o mesmo não aconteceu com Chevalier que ficou “estrangeirado” toda a vida.

Outro “estrangeirado” ficou conhecido como o “Newton português”: Bento de Moura Portugal, nascido em Moimenta da Serra, calcorreou durante anos a Europa, onde aprendeu a criar engenhos e obras hidráulicas. Tendo-se atrevido a regressar não escapou a um fim trágico: morreu nas prisões da Junqueira, em Lisboa, onde estava encarcerado às ordens do Marquês. É uma ironia da história que o Marquês de Pombal, diplomata em Londres antes de ser primeiro-ministro, tenha sido admitido na Royal Society escassos meses antes de Moura Portugal. Na exposição da Biblioteca Joanina, a ordem inverteu-se pois o visitante encontra primeiro Moura Portugal no piso intermédio, junto ao desenho da sua “máquina de fogo” publicada nas Philosophical Transactions, e só depois o Marquês, junto com os seus famosos Estatutos da Universidade, no piso inferior, no espaço que foi outrora Prisão Académica...

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