segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Descentralizar ou DesCentralizar?


Depoimento que prestei ao "Jornal de Leiria" para a secção "Advogado do Diabo":

Está na altura de dar corpo a um projecto que está em curso na sociedade civil da região Centro do país e à qual me associei desde a primeira hora: o aproveitamento civil do aeroporto de Monte Real, que actualmente é apenas militar. Os governos da nação – este e os anteriores – têm feito tudo o que podem e mais alguma coisa para evitar colocar mais valias no Centro do país, pondo-as em Lisboa, ou, quando muito, no Porto. Lisboa e Vale do Tejo é, depois do recuo quanto ao aeroporto da Ota, um íman para novos investimentos (TGV, nova travessia do Tejo, sei lá eu que mais), quando a região já está do ponto de vista económico acima da média europeia. Fala-se em descentralizar, mas o que se tem feito é desCentralizar, isto é, tirar do Centro.

Por toda a Europa há uma rede de aeroportos regionais, alguns muito bem servidos por companhias de voos “low-cost”, que permitem dinamizar a actividade económica e o turismo das regiões. Por toda a Europa, excepto nesta parte da Europa que é Portugal e, em particular, nesta parte de Portugal que é o Centro. E que extraordinária região é o Centro... Já não falo da sua riqueza e potencial económico: é no Centro que se encontram indústrias de ponta como a dos plásticos, a biotecnologia, o software. Mas quero falar do turismo. Não é só Fátima, pólo de turismo religioso. E não é só Tomar, Alcobaça e Batalha, todas elas património mundial. É também o excelente património que poderá ser também mundial, sob o patrocínio da UNESCO, como a Universidade de Coimbra (o leitor já viu os “novos” espaços da Biblioteca Joanina, com a exposição sobre a Sociedade Real de Londres, e o Museu de Ciência da Universidade, com a exposição sobre a República?), a mata do Buçaco (não só a agradável floresta, mas também o sítio da batalha do Buçaco, o hotel e o convento onde Wellington pernoitou, há exactamente dois séculos), o centro histórico de Santarém (chamada “capital do gótico”, mas que poderia bem merecer mais o nome do que merece hoje), ou mesmo as singulares pegadas de dinossauros da Pedreira do Galinha, em Ourém (os roteiros referem “Fátima e grutas”, mas poderia bem ser “Fátima e pegadas”).

Estranhamente, os militares que deviam ser os principais aliados do projecto, por este poder fornecer condições acrescidas ao sítio de Monte Real sem prejuízo da actual funcionalidade (não é novidade nenhuma: ao lado da Portela, ao lado das Lages, há aeroportos militares!), não estão na linha da frente desse combate. Consta que um comandante teria dito, num tom um pouco arredado da seriedade castrense, que “Concordaria, se o terminal de passageiros não me ocupasse o gabinete”. Pois eu, se me é permitido, concordo mesmo que o terminal de passageiros lhe ocupe o gabinete. O serviço público devia vir primeiro que o interesse individual. O aeroporto já está feito. Vamos lá fazer o terminal?

Banho-Maria

Em tempos, participei na elaboração de um projecto de um Centro Ciência Viva em Leiria, com o título de com o sugestivo título de “Experimenta!”. Seria na Escola Domingos Sequeira, perto do espectacular castelo. O plano não passou, porém, disso mesmo, um plano, que esteve em banho-maria e que agora, passado tantos anos, já nem sei em que banho está. A Autarquia de Leiria e a Agência Ciência Viva não quererão ressuscitar o projecto? Leiria merece decerto um Centro desses....

Requentado

A crise. Já chega de ouvir falar de crise, uma expressão muito requentada. Em Portugal, a crise económica internacional tem servido de álibi para a crise do país. E a nossa crise é uma “crise mental”, o obstáculo que impede que as melhores ideias, como a do Aeroporto Civil de Monte Real ou a do Centro Ciência Viva de Leiria, se concretizem. A crise é, em larga medida, só nossa, por não termos sido capazes até agora de dar vida a algumas das nossas melhores ideias.

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