sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sobre as contas do Reino


Um dos nossos habituais leitores fez-nos chegar este extracto do Discurso de Afonso Costa na Câmara dos Deputados em 20 de Novembro de 1906:

"(...) Quando o Sr. Ministro da Fazenda mandou para a mesa o seu projecto de contabilidade pública, e depois o quis fortalecer com a afirmação de que, sem a votação dele, não poderia pôr-se cobro nem aos esbanjamentos, nem aos desperdícios, nem à ruína de que enfermava a administração anterior, o que supus e todos supusemos, antes da leitura da proposta e principalmente do projecto da comissão, foi que se encontrava nele a defesa completa e sistemática contra todo e qualquer pedido que pudesse representar qualquer espécie de tentativa sequer de defraudar o País.

Mas, depois que vi e examinei essa proposta, reconheci com pasmo que ela de nada serviria a bem da Nação, nem contra os tais famosos costumes de administração.


As consequências desses costumes, que o Sr. Ministro não quis denunciar-nos como devia, são no entanto bem frisantes e dolorosas, e definem-se em duas palavras: uma dívida pública de perto de 800.000.000$000 réis; uma dívida flutuante que vai até 72.000.000$000 réis; impostos que têm sempre aumentado, até quase quintuplicarem, de 1852 para cá; e, por outro lado, o País sem instrução, nem exército, nem defesa das costas, e fronteiras, nem marinha, nem, auxílio aos operários, nem nada do que se pede e precisa, porque nem sequer temos estradas, já que as existentes, que nos custaram dezenas de milhares de contos de réis, destruiu-as a triste iniciativa e casmurrice do Sr. João Franco num dos seus Ministérios anteriores, não consentindo nas reparações necessárias, e inutilizando assim um importante capital nacional que, pelo contrário, era mister valorizar e aumentar.


Nós não temos absolutamente nada.

Os costumes de administração foi o que deram: o País à beira da ruína; o desgraçado consumidor a braços com o imposto de consumo, que o leva à tuberculose e à miséria; o contribuinte cada dia mais incapacitado de panar as contribuições sempre crescentes; o proprietário disposto a abandonar as suas terras; o viticultor impossibilitado cie colocar os seis vinhos.


Sr. Presidente: é a situação mais ruinosa e mais miseranda que se pode encontrar percorrendo a história, ainda mesmo dos povos que mais têm descido na sua economia e nas suas finanças.
Pois, a par disto, e que encontramos efectivamente neste projecto não é uma tentativa séria de evitar a repetição desses tremendos abusos, mas sim, somente, uma nova poeirada sobre a ingenuidade do público, ao lado do propósito, explicitamente confessado pelo chefe do Governo, de dar uma espécie - como direi, Sr. Presidente -, uma espécie de refresco ao crédito da monarquia e ao crédito dos seus serviçais, exibido pelo Sr. Ministro da Fazenda em nome da suposta moralidade do Governo.

V. Ex.ª vai ver.


O que o projecto encerra pode dividir-se em duas partes distintas: 1.ª Fogo-de-vistas; 2.ª O fim confessado e declarado de tentar reabilitar a monarquia, continuando aliás com os mesmos processos de administração."

Afonso Costa
in Portal da história,
http://www.arqnet.pt/portal/discursos/novembro04.html

3 comentários:

Anónimo disse...

Em questão de contas públicas, ontem como hoje... para nãao variar! JCN

Xico disse...

E para não variar, veio depois o Afonso Costa e a coisa continuou na mesma senão piorou. A solução foi trágica...

Fernando Martins disse...

10 vezes mais trágica...

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