
A seguinte frase chamou-me a atenção: "Over the course of several months they did seven tenfold dilutions; in the sixth one they saw a gradual turbidity increase suggesting that bacteria were growing at a rate of about 0.1 per day. I think this means that the bacteria were doubling about every 10 days (no, every 7 days - corrected by an anonymous commenter)."
Apesar de ser difícil de acreditar, o raciocínio inicial parece ter sido: se há um aumento de 10% ao dia, ao fim de 10 dias há um aumento de 100%, ou seja, a população duplica ao fim desse período. Intrigado, fiz o cálculo correctamente: a população de bactérias duplica ao fim de 7.27 dias, aproximadamente os tais 7 dias que aparecem entre parênteses.
Fiquei esclarecido ao ler, na caixa de comentários, o recado deixado por Rosie Redfield ao bom anónimo: "Hi @Anonymous, I wrote "I think" because I can never remember how to do the exponential calculation and didn't want to take the time to look it up. I've made the correction and credited you."
É difícil de compreender como se pode apresentar este nível de iliteracia matemática (qualquer aluno do 12º ano deveria saber fazer o cálculo) sem sequer se dar conta da gravidade da ignorância, sobretudo vindo de uma microbióloga responsável por todo um laboratório de investigação e que tenta desmontar um artigo desta importância. Há de facto ainda um longo caminho a percorrer...
15 comentários:
Com uma taxa específica de crescimento de 0.1 dia^{-1}, o tempo de duplicação é de 6.93 dias.
Não, não é.
Se tivermos 1 unidade no instante 0, temos 1,1 unidades ao fim de um dia, (1,1)^2 unidades ao fim do segundo dia,...(1,1)^7=1,94 unidades ao fim de 7 dias, pelo que 7 dias não chegam. O resultado deve ser um pouco mais de 7 dias.
João Basto
A concentração de biomassa para o instante t é dada por X=X0*exp(ut)
Onde X0 é a biomassa no instante 0, u a taxa específica de crescimento e t o tempo.
O tempo de duplicação é o tempo para o qual X/X0=2.
Ln(2)/u = tempo de duplicação.
Ln(2)/0.1=6.93
Caros João e anónimo,
penso que estão na clássica discussão da diferença entre taxa específica de crescimento e taxa de crescimento percentual discreta.
Se usarmos a primeira, temos X'=uX, pelo que a fórmula do anónimo estaria de facto correcta.
Eu, tal como o João, interpretei que havia um aumento de 0,1=10% por dia, porque é o que se consegue medir de um ponto de vista experimental mais facilmente e porque o erro da investigadora foi o de ter feito 10*10%=100%.
Notem que os dois conceitos são diferentes, o anónimo, se usar a sua fórmula, encontra que ao fim do dia o número de bactérias é de X0e^(0,1)=X0.1,105, o que é um aumento ligeiramente acima de 10% e o que explica a ligeira discrepância dos valores obtidos para o tempo de duplicação.
Cumprimentos,
Filipe Oliveira
Caro Professor,
muito obrigado pela explicação. Existe alguma relação matemática entre estas duas leis exponenciais?
Obrigado,
João Basto
Claro que sim, a fórmula do anónimo é o limite contínuo da sua. A sua é: U(t)=U0(1+u)^t.
Imagine agora que a taxa u é ditribuída n vezes ao longo do dia de forma regular. Obter-se-ia
U(t)=U0(1+u/n)^(nt).
Se fizermos n tender para +infinito, o que equivale a dizer que a população cresce a uma taxa de u de forma contínua - é o que o anónimo chama "taxa específica" - obtemos
U(t)=lim U0(1+u/n)^(nt).
É um limite dito notável(!) :
sabemos que lim(1+u/n)^n=e^u,
pelo que se obtém
U(t)= U0e^(ut),
que é a fórmula do anónimo.
Como vê, não é por acaso que 6.93 é um número próximo de 7.27.
Mas note que o foco do post não é sobre este assunto: é sobre a confusão entre crescimento linear e exponencial...
As formulas acima são as usadas no cálculo de juros compostos. Posso dizer com certeza que a autora do "duplicar cada 10 dias" não sabe de economia.
Já agora e a título da dívida pública, a uma taxa de 7% ao ano, o valor (da dívida) duplica cada 10 anos...
João Silva
Eu, contrariamente ao primeiro anónimo, não confundo o aumento de 0,1=10% ao fim de um dia com uma taxa específica de 0,1/dia.
Por isso resolvi assim:
X(t)=X0e^(kt).
Ao fim de um dia: X(1)=X0e^k=X0+10%X0=1,1X0,
pelo que a taxa específica é k=ln(1,1).
Calculando agora o tempo de duplicação,
X(T)=X0e^(ln(1,1)T)=2X0,
e obtenho T=ln(2)/ln(1,1)=7,27.
Deve estar bem, porque encontro igual ao Professor, mas não percebo como este método se relaciona com a "capitalizaçao" discreta explicada.
A autora do blog fez-me lembrar uma comentadora aqui neste blog há um ano e meio.
"A verdade é que para trabalhar na minha área, relacionada com o cancro (especificamente aspectos genéticos) a matemática que necessito para fazer o meu trabalho se resume na esmagadora maioria das vezes a simples aritmética e no máximo ANOVA (muito raramente).
O que é ensinado nos cursos universitários de matemática (cálculo infinitesimal por exemplo) é completamente irrelevante.
Quando selecciono alunos para a minha equipa presto atenção e se me dão respostas fundamentadas com demasiada fé em modelos matemáticos (em particular se as técnicas matemáticas forem complexas) pesa logo contra a sua contratação porque são pessoas que não se conseguem integrar com os restantes elementos da equipa e geralmente são improdutivos porque se prendem em detalhes irrelevantes em vez de atingirem o objectivo."
Parece-me possível que isto descreva autora muito bem.
Caro anónimo das 13.51:
Ainda bem que fez essa conta. Já viu o que mostrou?
Obteve X(t)=X0.e^(ln(1,1)t).
Se se lembrar que e^(ln(a)b)=a^b, tem
X(t)=X0(1,1)^t=X0(1+0,1)^t,
Ou seja, acabou de explicar que se se pretender um aumento de 10%=0,1 por dia, pode à escolha utilizar uma "capitalização" discreta diária de 10% ou uma "capitalização" contínua de taxa específica k=ln(1,1), e não k=0,1.
Há por ai muitos estudos na área da biologia feitos por pessoas que apenas usam software estatístico para dar uns p values ou fazer ANOVAs e não percebem nada do que estão a fazer.
Por vezes não perceber nada dá pontos para efeitos curriculares e promoções e isto é o que interessa. Curar cancros interessa menos e é mais difícil.
Acho graça que a Rosie Redfield dê confiança a um malvado anónimo. Ora ouvi dizer que a anónimos nunca, sendo irrelevante a validade dos seus argumentos.
Meus caros comentadores,
vamos reiniciar isto e dar a importância que a Matemática representa no processo de gerar conhecimento científico. Na realidade, o problema é filosófico. Revejam estas afirmações sobre Ciência e Pseudo-Ciência:
http://www.scribd.com/doc/24682212/Ciencia-e-Lixo
Não vou me pronunciar sobre o artigo, porque em si já diz mais do que o suficiente.
Mas depois de ler o comentário da pessoa que só precisa de usar aritmética e eventualmente ANOVA, quero dar a minha opinião:
Pessoalmente, acho que é preferível ter conhecimento e não o utilizar do que não o ter e precisar dele.
Se o ensino quer merecer o título de "superior", não vamos ensinar nas Universidades apenas aritmética e estatística elementar. A Matemática é a linguagem da ciência.
Será que usamos diariamente TODO o português que sabemos?
Eu pelo menos não.
Se calhar um ensino mais rigoroso conseguisse fazer desaparecer situações como a relatada neste post, e opiniões como a de quem só precisa de aritmética e ANOVA.
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