Li com alguma atenção o artigo mencionado pelo Carlos Fiolhais no post "Polémica à volta das bactérias com arsénio". Nesse texto, Rosie Redfield, que dirige um laboratório de microbiologia da Universidade de British Columbia, faz uma leitura muito crítica do mediático artigo "A Bacterium That Can Grow by Using Arsenic Instead of Phosphorus", publicado na Science por uma equipa de cientistas da NASA.
A seguinte frase chamou-me a atenção: "Over the course of several months they did seven tenfold dilutions; in the sixth one they saw a gradual turbidity increase suggesting that bacteria were growing at a rate of about 0.1 per day. I think this means that the bacteria were doubling about every 10 days (no, every 7 days - corrected by an anonymous commenter)."
Apesar de ser difícil de acreditar, o raciocínio inicial parece ter sido: se há um aumento de 10% ao dia, ao fim de 10 dias há um aumento de 100%, ou seja, a população duplica ao fim desse período. Intrigado, fiz o cálculo correctamente: a população de bactérias duplica ao fim de 7.27 dias, aproximadamente os tais 7 dias que aparecem entre parênteses.
Fiquei esclarecido ao ler, na caixa de comentários, o recado deixado por Rosie Redfield ao bom anónimo: "Hi @Anonymous, I wrote "I think" because I can never remember how to do the exponential calculation and didn't want to take the time to look it up. I've made the correction and credited you."
É difícil de compreender como se pode apresentar este nível de iliteracia matemática (qualquer aluno do 12º ano deveria saber fazer o cálculo) sem sequer se dar conta da gravidade da ignorância, sobretudo vindo de uma microbióloga responsável por todo um laboratório de investigação e que tenta desmontar um artigo desta importância. Há de facto ainda um longo caminho a percorrer...
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15 comentários:
Com uma taxa específica de crescimento de 0.1 dia^{-1}, o tempo de duplicação é de 6.93 dias.
Não, não é.
Se tivermos 1 unidade no instante 0, temos 1,1 unidades ao fim de um dia, (1,1)^2 unidades ao fim do segundo dia,...(1,1)^7=1,94 unidades ao fim de 7 dias, pelo que 7 dias não chegam. O resultado deve ser um pouco mais de 7 dias.
João Basto
A concentração de biomassa para o instante t é dada por X=X0*exp(ut)
Onde X0 é a biomassa no instante 0, u a taxa específica de crescimento e t o tempo.
O tempo de duplicação é o tempo para o qual X/X0=2.
Ln(2)/u = tempo de duplicação.
Ln(2)/0.1=6.93
Caros João e anónimo,
penso que estão na clássica discussão da diferença entre taxa específica de crescimento e taxa de crescimento percentual discreta.
Se usarmos a primeira, temos X'=uX, pelo que a fórmula do anónimo estaria de facto correcta.
Eu, tal como o João, interpretei que havia um aumento de 0,1=10% por dia, porque é o que se consegue medir de um ponto de vista experimental mais facilmente e porque o erro da investigadora foi o de ter feito 10*10%=100%.
Notem que os dois conceitos são diferentes, o anónimo, se usar a sua fórmula, encontra que ao fim do dia o número de bactérias é de X0e^(0,1)=X0.1,105, o que é um aumento ligeiramente acima de 10% e o que explica a ligeira discrepância dos valores obtidos para o tempo de duplicação.
Cumprimentos,
Filipe Oliveira
Caro Professor,
muito obrigado pela explicação. Existe alguma relação matemática entre estas duas leis exponenciais?
Obrigado,
João Basto
Claro que sim, a fórmula do anónimo é o limite contínuo da sua. A sua é: U(t)=U0(1+u)^t.
Imagine agora que a taxa u é ditribuída n vezes ao longo do dia de forma regular. Obter-se-ia
U(t)=U0(1+u/n)^(nt).
Se fizermos n tender para +infinito, o que equivale a dizer que a população cresce a uma taxa de u de forma contínua - é o que o anónimo chama "taxa específica" - obtemos
U(t)=lim U0(1+u/n)^(nt).
É um limite dito notável(!) :
sabemos que lim(1+u/n)^n=e^u,
pelo que se obtém
U(t)= U0e^(ut),
que é a fórmula do anónimo.
Como vê, não é por acaso que 6.93 é um número próximo de 7.27.
Mas note que o foco do post não é sobre este assunto: é sobre a confusão entre crescimento linear e exponencial...
As formulas acima são as usadas no cálculo de juros compostos. Posso dizer com certeza que a autora do "duplicar cada 10 dias" não sabe de economia.
Já agora e a título da dívida pública, a uma taxa de 7% ao ano, o valor (da dívida) duplica cada 10 anos...
João Silva
Eu, contrariamente ao primeiro anónimo, não confundo o aumento de 0,1=10% ao fim de um dia com uma taxa específica de 0,1/dia.
Por isso resolvi assim:
X(t)=X0e^(kt).
Ao fim de um dia: X(1)=X0e^k=X0+10%X0=1,1X0,
pelo que a taxa específica é k=ln(1,1).
Calculando agora o tempo de duplicação,
X(T)=X0e^(ln(1,1)T)=2X0,
e obtenho T=ln(2)/ln(1,1)=7,27.
Deve estar bem, porque encontro igual ao Professor, mas não percebo como este método se relaciona com a "capitalizaçao" discreta explicada.
A autora do blog fez-me lembrar uma comentadora aqui neste blog há um ano e meio.
"A verdade é que para trabalhar na minha área, relacionada com o cancro (especificamente aspectos genéticos) a matemática que necessito para fazer o meu trabalho se resume na esmagadora maioria das vezes a simples aritmética e no máximo ANOVA (muito raramente).
O que é ensinado nos cursos universitários de matemática (cálculo infinitesimal por exemplo) é completamente irrelevante.
Quando selecciono alunos para a minha equipa presto atenção e se me dão respostas fundamentadas com demasiada fé em modelos matemáticos (em particular se as técnicas matemáticas forem complexas) pesa logo contra a sua contratação porque são pessoas que não se conseguem integrar com os restantes elementos da equipa e geralmente são improdutivos porque se prendem em detalhes irrelevantes em vez de atingirem o objectivo."
Parece-me possível que isto descreva autora muito bem.
Caro anónimo das 13.51:
Ainda bem que fez essa conta. Já viu o que mostrou?
Obteve X(t)=X0.e^(ln(1,1)t).
Se se lembrar que e^(ln(a)b)=a^b, tem
X(t)=X0(1,1)^t=X0(1+0,1)^t,
Ou seja, acabou de explicar que se se pretender um aumento de 10%=0,1 por dia, pode à escolha utilizar uma "capitalização" discreta diária de 10% ou uma "capitalização" contínua de taxa específica k=ln(1,1), e não k=0,1.
Há por ai muitos estudos na área da biologia feitos por pessoas que apenas usam software estatístico para dar uns p values ou fazer ANOVAs e não percebem nada do que estão a fazer.
Por vezes não perceber nada dá pontos para efeitos curriculares e promoções e isto é o que interessa. Curar cancros interessa menos e é mais difícil.
Acho graça que a Rosie Redfield dê confiança a um malvado anónimo. Ora ouvi dizer que a anónimos nunca, sendo irrelevante a validade dos seus argumentos.
Meus caros comentadores,
vamos reiniciar isto e dar a importância que a Matemática representa no processo de gerar conhecimento científico. Na realidade, o problema é filosófico. Revejam estas afirmações sobre Ciência e Pseudo-Ciência:
http://www.scribd.com/doc/24682212/Ciencia-e-Lixo
Não vou me pronunciar sobre o artigo, porque em si já diz mais do que o suficiente.
Mas depois de ler o comentário da pessoa que só precisa de usar aritmética e eventualmente ANOVA, quero dar a minha opinião:
Pessoalmente, acho que é preferível ter conhecimento e não o utilizar do que não o ter e precisar dele.
Se o ensino quer merecer o título de "superior", não vamos ensinar nas Universidades apenas aritmética e estatística elementar. A Matemática é a linguagem da ciência.
Será que usamos diariamente TODO o português que sabemos?
Eu pelo menos não.
Se calhar um ensino mais rigoroso conseguisse fazer desaparecer situações como a relatada neste post, e opiniões como a de quem só precisa de aritmética e ANOVA.
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