sábado, 4 de dezembro de 2010

Entrevista a Alexandre Trindade (1)


Primeira parte de uma entrevista, sobre cancro, que fiz ao Doutor Alexandre Trindade, Investigador do grupo de "Desenvolvimento Vascular" da Faculdade de Medicina Veterinária, UTL e do Instituto Gulbenkian de Ciência.

António Piedade - O que é o cancro?
Alexandre Trindade - Existe um conjunto de doenças caracterizadas por multiplicação acelerada de células de um tecido. Normalmente o resultado mais visível dessas doenças é a formação de uma massa tumoral, embora no caso das leucemias tal possa não acontecer. Inicialmente estas doenças são benignas, o que não quer dizer que não tenham um efeito negativo para a vida dos pacientes. A palavra cancro descreve o estado em que estas doenças adquirem características malignas comuns, multiplicação descontrolada de um conjunto de células de um tecido, invasão e destruição do tecido saudável rodeante e propagação para locais secundários no organismo, formando metástases. Cada cancro em cada paciente é um caso único e em permanente alteração devido à sua instabilidade genética. Esta é a razão pela qual é tão difícil tratar um paciente com cancro.

AP - No geral e no contexto de um mesmo tecido, há células mais propensas do que outras a serem nucleares no desenvolvimento tumoral?
AT - O processo de tumorigénese é totalmente dependente da acumulação de mutações génicas, ou seja, de alterações no código genético, em genes promotores ou supressores de tumores. Como o processo de mutação é aleatório, um indivíduo que nasça sem mutações nesses genes terá basicamente a mesma probabilidade de desenvolver um tumor a partir de qualquer célula de qualquer tecido. No entanto, como é o caso em formas de cancro hereditárias, se um indivíduo nascer com uma mutação específica num determinado gene promotor ou supressor de tumores irá ter maior probabilidade de desenvolver cancro num determinado tecido. Como exemplo, uma pessoa que nasça com uma mutação em BRCA1, um supressor tumoral, terá maior probabilidade de desenvolver cancro da mama, e um pessoa que nasça com uma mutação em APC, outro supressor tumoral, terá maior probabilidade de desenvolver cancro colorectal.
Dentro de um mesmo tecido, o processo de acumulação de mutações acontece de forma independente em cada célula. Assim, num processo estocástico acaba por ser seleccionada uma célula, que mais depressa acumulou um conjunto de mutações suficientes para que deixe de ter a sua replicação, o processo pelo qual se divide, regulada. Esta célula dará então início à formação de uma massa celular, um tumor, que poderá continuar a acumular mutações e a desenvolver-se até constituir um cancro.
No contexto do organismo, retirando a questão de mutações pré-existentes, o factor mais importante para o desenvolvimento tumoral é o ambiental. Por exemplo, o fumo do tabaco ou contaminantes químicos na comida vão produzir uma pressão carcinogénica sobre os pulmões ou o tracto digestivo, respectivamente, acelerando o processo cancerígeno nesses respectivos orgãos.




AP - Como é que as células tumorais, em acelerada divisão, "comunicam" as suas necessidades em nutrientes e oxigénio aos tecidos sãos circundantes?
AT - As células tumorais fazem uso de todas as ferramentas celulares que lhe estão disponíveis. No fundo acabam por actuar de forma viral, subvertendo não só a maquinaria celular como também alterando o microambiente que as rodeiam de forma a torná-lo mais favorável a suportar o seu crescimento.
Nesse sentido, as células tumorais secretam factores de crescimento que promovem a formação de novos vasos sanguíneos. A irrigação sanguínea do tumor permite que lhe cheguem mais nutrientes e oxigénio, de modo a suprir as suas necessidades e permitir a continuação do seu crescimento.

AP - O que é que provoca a construção de novos vasos sanguíneos até elas?
AT - Todos os tumores conseguem crescer até ter cerca de 2mm de diâmetro sem necessitarem de formar novos vasos sanguíneos. A partir desse volume um tumor só consegue crescer se activar o "interruptor angiogénico", ou seja, se activar a expressão de factores angiogénicos que estimulam o crescimento de novos vasos sanguíneos. Esses vasos crescem a partir da vasculatura rodeante e invadem o tumor, aumentando a sua irrigação sanguínea. O estímulo que desencadeia este interruptor é precisamente a falta de oxigénio, mais conhecida por hipóxia, no centro do tumor em crescimento.

(continua)

2 comentários:

Jaime disse...

O funcionamento da natureza é algo espantoso, mesmo quando se trata de algo tão nocivo como o cancro. E não é preciso ter nenhum pressuposto sobrentural ou religioso para reconhecer isso.

Anónimo disse...

Que vem aqui fazer a referência ao "sobrenatural ou religioso"? JCN

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