sexta-feira, 8 de maio de 2009

Uma Questão de Princípios

Há quasi um ano e a propósito de um editorial da Nature elogioso do recém-falecido John Templeton, Matthew Cobb e Jerry Coyne publicaram uma carta na revista, que pode ser lida na íntegra no Pharyngula para quem não tenha acesso à Nature. A carta, que ajuda a explicar como o mundo social, em especial a religião, influencia para tantos a forma como veêm o mundo natural, foca-se num dos temas que mais inflama o nosso espaço de debate e vale a pena ser lida por ajudar a esclarecer algumas questões recorrentes nesse espaço e que podem ser apreciadas neste excerto:

«Ficámos perplexos com seu Editorial sobre o trabalho da Fundação Templeton ('Templeton's legacy' Nature 454, 253–254; 2008). Com certeza ciência é sobre encontrar explicações materiais para o mundo - explicações que podem inspirar aqueles sentimentos de assombro, maravilhamento e reverência no hiper-evoluído cérebro humano. A religião, por outro lado, é sobre humanos pensando que assombro, maravilhamento e reverência são a pista para entender um Universo construído por Deus. (O mesmo é verdade para a prima pobre da religião, a 'espiritualidade', que introduziu no seu Editorial da forma como um criacionista usa o 'design inteligente'.) Há um conflito fundamental aqui, um que nunca pode ser reconciliado até que todas as religiões parem de fazer alegações sobre a natureza da realidade.» (...)
O seu editorial sugere que a ciência pode trazer "avanços no pensamento teológico". Na realidade, a única contribuição que a ciência pode fazer para as ideias religiosas é o ateísmo».

Lembrei-me desta carta quando li no blog de Coyne que o cientista recusou um convite para participar no Festival Mundial de Ciência por este ser financiado pela Fundação Templeton, fundada pelo senhor cuja elegia na Nature tanto desagradou a Coyne e Cobb (e a muitos outros cientistas, certamente).

Vale a pena voltar a referir o curioso Prémio Templeton, que até 2001 era o prémio Templeton para o Progresso da Religião e que premeia com a módica quantia de 1,4 milhões de dólares as individualidades que supostamente consigam a improvável façanha de aproximar a ciência da religião.

A propósito do prémio de 2008, a New Scientist publicou um artigo muito interessante denominado «A ética de misturar ciência e religião», que vale a pena ler por reproduzir o que muitos cientistas pensam desta fundação, cujo «principal objectivo é usar a ciência para promover uma agenda religiosa». Richard Dawkins, vai mais longe e descreve o prémio Templeton como «uma soma de dinheiro muito grande que se concede normalmente a um cientista disposto a dizer coisas boas da religião».

Coyne pensa exactamente o mesmo que muitos colegas e não se deixou seduzir pelo cachet fabuloso que a Templeton estava disposta a pagar-lhe para integrar um painel que discutiria a relação entre fé e ciência. Vale a pena ler na íntegra a carta de recusa de Jerry Coyne de que reproduzo um pequeno excerto:

Like many of my colleagues, I regard Templeton as an organization whose purpose is to fuse science with religion: to show how science illuminates “the big questions” and how religion can contribute to science. I regard this as not only fatuous, but dangerous. Templeton likes nothing better than to corral real working scientists into its conciliatory pen. I don’t want to be one of these. That’s just a matter of principle. But the “no strings” argument doesn’t wash for me, for precisely the same reason that congressmen are not supposed to take gifts from people whose legislation they could influence. It is the appearance of conflict that is at issue.

To avoid this appearance in the future, I would strongly suggest that the Festival discontinue taking money from Templeton. That foundation is widely regarded in the scientific community as one whose mission, deliberate or not, is to corrupt science. It doesn’t belong as a sponsor of your festival.

15 comentários:

Daniela Passos disse...

Acompanho este blog há pouco, e ainda não tinha tido vontade de me manifestar, mas esse assunto de ciência e religião realmente me fascina.
O mundo não é só matéria, isto a ciência comprova, apesar dos amigos cientistas acima afirmarem que "Com certeza ciência é sobre encontrar explicações materiais para o mundo". Acho reducionista.
Como boa filósofa de alcova, além de atriz e estudiosa da Grécia Antiga, berço do teatro ocidental, penso justamente o oposto de outra aifrmção deles, quando dizem que a prima pobre da religião, é a 'espiritualidade'. Ao mer ver as religões e seus dogmas é que empobreceram a espiritualidade, se assim o quiser chamar, ou a capacidade do homem de estar em unidade com o universo. Pois, como explicar a sabedoria antiga, tardiamente justificada pela ciência? E todos os outros mistérios que a ciência não explica. Ainda? Pode ser que um dia a ciência venha a explicar tudo, de qualquer maneira, também penso que dos sentimentos humanos, um dos mais belos é a humildade de reconhecer que há coisas maiores que nós.

Anónimo disse...

"Na realidade, a única contribuição que a ciência pode fazer para as ideias religiosas é o ateísmo"

Onde posso encontrar uma prova sobre isto?

Eu diria que pelo menos a ciência pode contribuir com o agnosticismo. Estou enganado?

Anónimo disse...

Creationism Dig Violated Student’s Rights


«When a high school history teacher told his students that creationism was “superstitious nonsense,” he violated a student’s First Amendment rights, a Federal judge ruled this week.

Christian conservatives are celebrating the decision by U.S. District Court Judge James Selna that high school teacher James Corbett violated the establishment clause, which courts have interpreted to mean that the government should neither promote nor disparage any religion.

But it’s not the big win for creationism that it might seem at first glance.

Judge Selna was careful to circumscribe the applicability of his decision.

The student, Chad Farnan, sought no financial reward. Farnan filed the suit in 2007 and the Capistrano School District in Orange County, California, where Corbett teaches, was not held liable.

“The ruling today protects Farnan, but also protects teachers like Corbett in carrying out their teaching duties,” the judge wrote.

The teacher got into hot water because the creationism statement came outside the context of his AP European History class.

In making the statement during a discussion of another teacher’s views on evolution, the court could not find any “legitimate secular purpose in [the] statement.”

However, Judge Selna found a second statement that Corbett made about creationism did not violate the student’s First Amendment rights, although it’s an equally pointed critique.

“Contrast that with creationists,” Corbett told his class. “They never try to disprove creationism. They’re all running around trying to prove it. That’s deduction. It’s not science. Scientifically, it’s nonsense.”


That statement was OK because it came in the context of a discussion of the history of ideas and religion.

Thus, its primary purpose wasn’t just to express “affirmative disapproval” of religion, but rather to make the point that “generally accepted scientific principles do not logically lead to the theory of creationism.”

One might expect that if creationism came up in the context of evolutionary biology, it would be similarly OK to say, “Scientifically, it’s nonsense.”

The nuanced decision prompted the judge to append an afterword.

Selna explains his thinking a basic right is at issue, namely, “to be free of a government that directly expresses approval of religion.” Just as the government shouldn’t promote religion, he writes, the government shouldn’t actively disapprove of religion either.

“The Court’s ruling today reflects the constitutionally-permissible need for expansive discussion even if a given topic may be offensive to a particular religion or if a particular religion takes one side of a historical debate,” Selna writes. “The decision also reflects that there are boundaries. In this case, the Court has found that a single statement transgresses Farnan’s First Amendment rights.”»

joao disse...

Convém lembrar que o Dr Edward Green, "cientista" que veio defender as palavras do papa (contra o preservativo), é director do AIDS Prevention Research Project no Harvard University Center for Population and Development Studies (http://www.harvardaidsprp.org/). Este centro é subsidiado pela Templeton Foundation.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Sinceramente, ainda não percebi até onde a Palmira quer levar este falso-debate: à ciência não leva, porque uma suposta "ciência" que mergulha neste tipo de debate vale tanto quanto o seu adversário. Aliás, é capaz de fortalecer aquilo que pretende combater. A questão é que a ciência é conhecimento conjectural, falível, e é este aspecto que a "religião" (qual?) explora... Presta-se um mau serviço ao conhecimento quando se entra nestes debates e, sobretudo, quando se quer negar por acto livre a dimensão espiritual do homem. Todas estas opiniões em confronto são equivalentes: estão ao serviço do sistema económico.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Só uma ciência da treta pretende negar Deus! O objectivo da ciência é negar Deus? A espiritualidade? Nesse caso, os adversários podem matar os ditos cientistas, porque estes como negadores do espírito são "coisas" sem espírito; podem ser tratados como bestas ou mesmo pedras. Triste ciência esta que em vez de contribuir para o crescimento do conhecimento enreda-se em falsos-debates! Ciência, sim; pseudo-ciência, não! Viva a inteligência atenta e sábia, dotada de espírito!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Enfim, o inimigo da ciência nunca é Deus; os inimigos são determinados grupos religiosos e os seus interesses. Neste campo, a ciência pode desmistificar e lutar contra esses interesses, rejeitando por ex o dinheiro que certas fundações oferecem ou prémios. De resto, Deus não impede nem facilita a tarefa da ciência... Negar ou afirmar Deus não altera a actividade científica...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A ciência sem uma boa filosofia, não a filosofia que discute palavras e insulta, está desprotegida: precisa do concurso filosófico inteligente para defender-se do sistema vigente que domina a ciência através da organização social da investigação científica: pesquisa encomendada é diferente de pesquisa fundamental; a pressa de produzir resultados "encomendados" está a matar o espírito científico; o que temos hoje são cientistas assalariados, funcionários de tecno-estruturas empresariais que trabalham em grupo liderado... Isso sim merece ser pensado! O resto é burrice!

Anónimo disse...

Um padre ateu?!...

Anónimo disse...

A Bíblia não é a palavra de deus !...

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

A minha perspectiva é outra: as religiões institucionalizadas na Europa, as nossas, estão verdadeiramente desacreditadas, não pela ciência ou pela filosofia, mas pelo próprio estilo de vida e pela economia. A nossa função deve ser zelar pelo bem-estar da sociedade secular, abrindo-lhe novas perspectivas de sentido e de realização: um futuro novo. A ciência e a filosofia estão em perigo: o sistema integra-nos completamente e neutraliza-nos. A cultura mingua e murcha cada vez mais: a vida está fácil e convida ao não-pensamento. As pessoas preferem comer, comer e comer: não cuidam da mente, da alma! Neste cenário, não vale a pena entrar em confronto com a religião e, muito menos, tentar desmenti-la com afirmações gratuitas que vulgarizam ainda mais a ciência. Onde há muita argumentação, há muita treta, falta de conhecimento, insegurança total: a conversa de comadres não produz conhecimento; pelo contrário, bloqueia o conhecimento. A verdade nunca saiu de mesas-redondas ou de conversas de café: esta filosofia da treta que grassa pela blogosfera é lixo. É o inimigo a abater!

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Aliás, não sei se foi neste blog ou noutro (não me lembro), li um post que denunciava a falta de qualidade dos doutoramentos. É verdade e, como documentos públicos, podem ser avaliados. Muita mediocridade, falta total de competências cognitivas e produzidos à pressão: uma vergonha! A universidade tb está em perigo: o ensino está muito, muito fraco. Os candidatos a cientistas procuram somente bolsas para sustentar o seu estilo de vida irresponsável e consumista: um substituto de emprego, sem trabalho ou esforço. Os diplomas não valem nada: isto é evidente, salta à vista, detecta-se no rosto desses "palermas diplomados". Contra esta situação vale a pena lutar; caso contrário, as forças obscuras já venceram! :(

Rui leprechaun disse...

Bem, a carta é fraquinha e a afirmação de que ciência é sobre encontrar explicações materiais para o mundo parece indicar pouco interesse em explicar a tal natureza da realidade, acerca da qual a religião ou outras formas de pensamento - a tal prima pobre - devem parar de fazer alegações... why?!

Creio que a mediocridade e mesmo natureza profundamente anti-científica - porque contrária à busca do conhecimento... scientia - destes argumentos (?) é patente, no que concordam igualmente todos os comentadores até agora.

Da Fundação Templeton nada mais sei a não ser da sua existência, logo não vou emitir juízos de valor acerca do seu propósito e respectivos meios. Gostaria unicamente de saber que explicação material pode ser dada para o aparecimento da própria substância do Universo, caso o modelo do Big Bang a partir de uma hipotética "flutuação quântica" seja a causa real de tudo o que existe, como parece ser admitido pela ciência actual, ainda que com reservas e longe da unanimidade, já que há outros modelos alternativos que pretendem superar dificuldades até agora insanáveis com a criação "ex-nihilo".

As questões primeiras NUNCA são puramente científicas, na actual acepção deste termo, mas antes filosóficas ou metafísicas. Ora uma physis desligada da sua raiz não é de facto NADA!

Em suma, as explicações não têm necessariamente de ser materiais ou sequer ter formulação matemática precisa. O campo 1º é sempre intuitivo e indutivo e só depois vem o lógico, racional e dedutivo. Ou ainda, se a matéria surgiu da não matéria ou o ser do não ser, é este nada ou vazio pleno primordial que é necessário compreender. Seja através da ciência, filosofia, religião ou outra coisa qualquer, todas juntas ou separadas... whatever!

Por isso, também me parece grande tacanhez de espírito essa recusa da unidade do conhecimento que, no fundo, corresponde ao assoberbamento actual de uma certa ciência que pode ver muito bem a sua parte mas permanece cega para o todo.

Lá há-de abrir os olhos, ainda é criança imberbe e aturdida, se comparada com a velha religião bem mais sabida! :)

Anónimo disse...

Resposta ao ateu, sobre a intervenção do Padre Carreira da Neves no programa As Tardes da Júlia (2008, 24 de Abril) .

Ver :

- Do Lado de Lá

- Um padre que não acredita na Bíblia?

Sérgio O. Marques disse...

O J Francisco Saraiva de Sousa focou aqui os pontos essenciais relacionados com este debate. Provavelmente será um debate em serviço dum sistema económico. Neste contexto, ficamos com uma sociedade orientada para o culto do consumo em "Centros comerciais" e uma ciência que visa a produção desses bens de consumo.
Isso acontece também com a educação: de acordo com os princípios de crescimento económico, um curso que versa uma matéria sem aplicação economicamente viável, terá de ser extinto por não trazer dividendos.
O culto religioso é uma alternativa mais antiga ao culto do consumo podendo perigar o sistema económico. Agora, usar a ciência para denegrir o conhecimento religioso ou usar a religião para contrariar o conhecimento científico não traz qualquer vantagem a cada um dos tipos de conhecimento senão mesmo a um sistema de capital que chama de "crises" às suas falhas de concepção.
Os cientistas, acima de cientistas, são humanos.

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