Este ano passam os 300 anos da primeira experiência de ascensão aeronáutica efectuada por Bartolomeu de Gusmão. É um dos eventos que colocaram Portugal e o Brasil nos livros de história da ciência e da técnica e valerá a pena divulgar a esse propósito outras histórias relacionadas com a aeronáutica e passadas nesses países. Começo por transcrever um ensaio de balonismo, algo semelhante ao de Gusmão, embora bastante mais tardio, que teve lugar em Coimbra sob a direcção do professor Domingos Vandelli e que foi realizado por um grupo de estudantes seus, sendo um deles, Vicente Seabra, de origem brasileira. A experiência teve lugar em 1784, em frente ao Laboratório Chimico (sede do actual Museu da Ciência, que aliás evoca a experiência com uma réplica no interior), cerca de um ano depois dos primeiros ensaios dos irmãos Montgolfier em França.
Escreveu a Gazeta de Lisboa, a 17 de Junho de 1784:
«Esta máquina se achava prestes no laboratório químico da Universidade para ser lançada aos ares a 15 de Junho; mas, querendo os autores dela, que são Tomás José de Miranda e Almeida, José Álvares Maciel, Salvador Caetano de Carvalho e Vicente Coelho de Seabra, todos aplicados às ciências naturais, autorizar esta experiência (que lhes fora encarregada no princípio do ano lectivo próximo passado pelo seu mestre, o Dr. Domingos Vandelli) com a assistência do Exmo Reitor da Universidade, por esta razão se demorou até o referido tempo. E efectivamente no dia 27 assistiram à experiência o dito Exmo Reitor com todo o corpo académico, nobreza e povo, por quem os autores dela foram geralmente aplaudidos». Para além da actualização científica das aulas, veja-se, portanto, como muito antes do acordo de Bolonha já havia entre nós projectos com os alunos. E como o Reitor vinha, em pessoa, assistir aos trabalhos de campo...
REFERÊNCIA:
- A trancrição da notícia foi feita não do original mas do livrinho: "Experiências aerostáticas. Gazeta de Lisboa 1784. Memória sobre a máquina aerostática de Félix António Castrioto", Rio de Janeiro: Dantes, 2008 (com notas de Thomás A. S. Haddel, da Universidade de São Paulo).
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6 comentários:
Eu penso que haverá um erro no artigo. Ao referir-se a: "cerca de um ano depois dos primeiros ensaios dos irmãos Montgolfier em França." suponho que queira indicar a data de 1784 e não 1884.
Caro Mário Lino
Pensa e pensa bem.
Já emendei a gralha, obrigado.
Carlos Fiolhais
A data da notícia vem ínsita, de facto, na Gazeta de Lisboa no 2.º Suplemento da Gazeta de Lisboa, n.º XXVIII, de 17.07.1754, mas nele se esclarece que houve duas datações do acontecimento (25.06 e 27.06):
"Relação da experiência aerostática feita em Coimbra. No dia 25 de Junho próximo se lançou aqui uma máquina aerostática de figura piramidal cónica... Encheu-se em dois minutos e um segundo, e partiu às 7 horas e 24 minutos da manhã. (...) ...e foi cair, depois de um giro aéreo de meia hora, à quinta da Várzea, na margem do Mondego, trazendo já uma grande rasgadura: os camponeses atemorizados fizeram-lhe outras, e ataram-na a uma árvore para lhes não fugir. No dia 27 a sobredita máquina, remendada com o mesmo papel de que era feita, se tornou a elevar com igual felicidade, e seguiu uma direcção até desaparecer. Quatro minutos depois se avistou novamente; e passados 7, veio a cair na cerca dos Cruzios.(...)"
E para avivar uma salutar competição entre Coimbra e Lisboa, regista-se que em 04.06.1754, a Gazeta de Lisboa n.º XXV, 2.º Supl., 26.06.1754, noticiava:
"Relação da experiência aerostática, praticada nesta cidade a 4 do corrente mês. Por desejo, e à custa do Excelentíssimo D. Tomás de Lima, e pela direcção do R. Jerónimo Allen, sábio inglês do Colégio dos Catecúmenos, se construíu uma máquina aerostática de figura paralelipípeda sextavada ... e assim subiu, em virtude da rarefacção do ar, pelas duas horas da tarde, da varanda do Excelentíssimo Conde de Óbidos, no espaço de 10 minutos passou além do pontal de Cacilhas, continuou a descer lentamente, e gastou mais seis minutos até ir parar na boca do rio do Seixal, na distância de três léguas ... e também não há notícia que algum outro por tal método chegasse como ele a conservar-se nos ares por espaço de 36 minutos; pois nem mesmo a experiência feita em Paris por Mrs. de Rofier e Arlandes chegou a durar tanto tempo, não obstante o irem eles dois Filósofos na máquina, e subministrarem um fogo contínuo para conservar a rarefacção."
Caro João Boaventura:
Muito obrigado pelo útil acrescento!
Carlos Fiolhais
Aproveito a oportunidade para transmitir outro lançamento em Coimbra:
"Por motivo dos Desposórios dos Sereníssimos Príncipes de Portugal e Espanha (...) O Excelentíssimo Principal Reitor da Universidade de Coimbra (…) lançou-se ao ar no primeiro dia uma máquina aerostática, em que iam pintadas duas medalhas 'Romanas', uma com duas mãos encostadas ao Caduceo de Mercúrio, e esta letra Concórdia: a outré com a figura da Esperança, e Soldados Romanos com a letra 'Spes Augusta'." (Gazeta de Lisboa, n.º 16, 2.º Supl., 23.04.1785).
Como já assinalei ao Carlos Fiolhais, a data da experiência de Jerónimo Allen é de 4 de Junho de 1784 e não 1754. Consequentemente, a notícia é dada pela GL, de 26.06.1784.
Joaquim Fernandes
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