quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Créditos de carbono ou sementes de dúvidas?


Dan Kammen, que integra o Energy Resources Group, um grupo interdisciplinar da UC Berkeley, e dirige o Renewable and Appropriate Energy Laboratory (RAEL), participou em 22 de Maio passado num Down to a Science sobre biocombustíveis, um tema que aquece a Bay Area. Estes Cafés de Ciência são uma iniciativa de divulgação informal de ciência em que cientistas destacados da zona de São Francisco discutem aspectos do seu trabalho com o público em geral. Este evento em particular discutia biocombustíveis mas durante as perguntas alguém na audiência falou na sequestração de carbono nos oceanos via sementeiras de ferro, possibilidade sobre a qual partilho as dúvidas de Kammen.

As sementeiras de ferro, já discutidas no De Rerum Natura, têm estado em foco nos últimos tempos. Recentemente, James Lovelock (o pai da hipótese Gaia) propôs nas páginas da revista Nature um tratamento de emergência para o que considera a «patologia do aquecimento global» que assenta na «Hipótese de Ferro», mas é a empresa Planktos que tem merecido mais destaque, normalmente pelas piores razões.

Esta empresa, dirigida por um ex-membro da Greenpeace e apoiada pela estrela (cadente) de rock Neil Young, pretende uma boa fatia de um mercado que promete ser promissor, o novo negócio dos créditos de carbono. A Planktos planta árvores na Europa oriental e vende depois os créditos de carbono correspondentes - embora planeie oferecer ao Vaticano créditos de carbono que compensem as suas emissões. Este é no entanto um ramo paralelo da actividade principal (e muito mais lucrativa) que a Planktos pretende desenvolver, a «sementeira» de ferro nos oceanos e a venda dos supostos créditos de carbono resultantes de tal actividade.

A sua primeira tentativa comercial pretendia despejar várias dezenas de toneladas de ferro (não se sabe sob que forma, embora na página refiram nanopartículas de ferro) ao largo das Ilhas Galápagos e mereceu a oposição geral de ambientalistas e cientistas marinhos e, tanto quanto se sabe, ainda não foi concretizada. Uma notícia recente na Chemistry World, indica que esta tentativa será consumada até finais de Janeiro.

A Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), indicou na altura dos primeiros anúncios que a experiência infringia a legislação Ocean Dumping Act, e que a Planktos não poderia conduzir essas experiências nas águas territoriais americanas nem comprar o ferro em solo americano ou usar o barco Weatherbird II, com bandeira deste país. A resposta da Planktos, que se proclama ambientalmente responsável – tão responsável que pretende, a troco de algum dinheiro, dar conta das responsabilidades ambientais alheias – foi que podiam mudar de barco ou de bandeira, para realizar a experiência em águas internacionais, onde a EPA não tem jurisdição.

Os inúmeros protestos de várias organizações e das próprias autoridades do Parque Nacional das Galápagos, são corroboradas pelo comité científico assessor do Convénio de Londres da Organização Marítima Internacional (que se ocupa da contaminação dos mares por derrame de resíduos). Esta organização fez uma declaração onde «nota com preocupação que este tipo de experiência em grande escala pode causar potenciais impactos negativos, tanto no ambiente marinho como na saúde humana». Indica também que este tipo de experiência não parece ter efectividade para o que dizem ser o seu propósito: absorver dióxido de carbono.

O convénio afirma que é necessário mais investigação sobre a fertilização dos oceanos e seus efeitos antes de se dar início a qualquer projecto comercial, opinião que é secundada pelos especialistas na área. «Uma enorme preocupação acerca destas operações consiste no facto de poderem causar grandes alterações nos ecossistemas e sistemas geoquímicos dos oceanos» referiu ao Chemistry World Carol Turley do Laboratório Marinho de Plymouth, Reino Unido.

De igual forma, em Maio de 2007, o relatório do IPCC reprovou este tipo de experiências, afirmando que «As opções de utilizar geo-engenharia continuam altamente especulativas e têm o risco de efeitos colaterais desconhecidos».

A revista Science advertiu igualmente para os riscos que o aumento repentino da quantidade de fitoplâncton poderia significar para as correntes alimentares marinhas. Assinalavam ainda o risco ainda maior de estas experiências estarem a ser conduzidas por empresas comerciais que, entre a falta de regulamentação e a sua ambição de ganhar dinheiro rápido e fácil, poderiam produzir verdadeiros desastres ambientais.

A Planktos não é a única empresa que pretende ganhar dinheiro a vender créditos de carbono através da fertilização com ferro dos oceanos que são de todos nós. Existem pelo menos a Greensea Venture Inc, que já realizou experiências no Golfo do México, e a Climos, igualmente com sede na Bay Area, que pede um código ético para a realização destas experiências. A Ocean Nourishment, uma empresa australiana, pretende o mesmo mas com sementeiras de azoto.

Nunca achei especialmente boa a ideia dos créditos de carbono, que, ao abrigo do Protocolo de Kyoto, basicamente permite que as nações ricas adquiram créditos de carbono das nações pobres - que não estão obrigadas pelo mesmo protocolo a reduzir as suas emissões. Ainda não tive tempo para analisar os documentos emanados do recente encontro em Bali nem sei se a proposta da União Europeia de limitação deste esquema de créditos de carbono a 10% do total a ser cortado no espaço europeu vai ou não para a frente (aparentemente só em Janeiro o saberemos). Mas estas notícias sobre os esquemas da Planktos lançaram em mim a semente da dúvida sobre se não seria melhor abandonar de todo este negócio a penas de se criarem problemas que podem piorar o que supostamente se está a combater...

7 comentários:

paulu disse...

Também não consigo vislumbrar com clareza mínima o lado positivo «dos créditos de carbono». Talvez o esteja a ser injusto, mas este comércio faz-me lembrar a venda de indulgências promovida pelo Papa Leão X. E se há coisas que dispensam o desgaste dos cismas (sem prejuízo da discussão e crítica) são as questões ambientais, com o aquecimento global à cabeça.

Dan s2 disse...

Sempre estive por aqui e nunca comentei... Como estou reativando meu blog, resolvi deixar um coment!
Sou frequentadora assídua do seu blog e adoro seus posts! Sou fã n°1 da natureza, então já viu, né?

Obrigada pelo acrescimo de informações durante tanto tempo!

Manuel Rocha disse...

Mas vamos lá a ver...

Qual é a surpresa ?!

Quando o novel Nobel anda há que tempos a falar de "novas oportunidades", será que houve quem tivesse a ineguidade de pensar que não seria este o caminho que iria ser seguido ?

E enquanto estes senhores falavam sobre esta questão, por cá vão-se passando coisas que talvez por sermos pequeninos ninguém lhes presta a devida atenção.

A GALP preconiza semear o que resta do país agricola para produção de biocombustíveis, o Sr Pimenta e outros vendem "moinhos de vento" por tudo quanto é sítio, protegido ou não, estão na calha dez novas barragens e não sei quantas centrais de biomassa.

Espanta-me por isso que seja necessário analisar os esquemas da Planktos para ter dúvidas sobre a bondade desta deriva em que estamos embarcados!!!

Anónimo disse...

"Planktos planta árvores na Europa oriental e vende depois os créditos de carbono correspondentes"

Tal como disse o paulu , isto assemelha-se às indulgencias ou ao comprarem acções da minha empresa familiar ficticia caso tivesse uma.
Outra treta bem como outra treta é os bioconbustiveis.
Vai-se tirar da comida para s por nos carros, a comida vai encarecer ainda mais e as unidades de energias gastas a produzir 1 unidade de bio combustivel são superiores logo não compensa a nivel ambiental, mudem è o paradigma de produção actual.

Manuel Rocha disse...

Não resisto a um desabafo, que é o seguinte.

A Dra Palmira trouxe para este espaço um tema actualissimo com impactos directos e imediatos na nossa vida quotidiana.

Ao fim de quinze horas conta quatro comentários.

Ao lado, dá-se sequência a um tema secular, que provavelmente vai continuar a ser discutido daqui a dois mil anos com o mesmissimo resultado, e a frequência é o que se vê.

E eu concluo com uma pergunta: que se passa com o nosso sentido do prioritário?

H. Sousa disse...

«Nunca achei especialmente boa a ideia dos créditos de carbono, que, ao abrigo do Protocolo de Kyoto, basicamente permite que as nações ricas adquiram créditos de carbono das nações pobres - que não estão obrigadas pelo mesmo protocolo a reduzir as suas emissões. Ainda não tive tempo para analisar os documentos emanados do recente encontro em Bali nem sei se a proposta da União Europeia de limitação deste esquema de créditos de carbono a 10% do total a ser cortado no espaço europeu vai ou não para a frente (aparentemente só em Janeiro o saberemos). Mas estas notícias sobre os esquemas da Planktos lançaram em mim a semente da dúvida sobre se não seria melhor abandonar de todo este negócio a penas de se criarem problemas que podem piorar o que supostamente se está a combater...»

Ora, nem mais!

Rita disse...

esta história dos créditos de carbono dá-me a volta à barriga. o economista poluidor é uma pescadinha de rabo na boca, daqui a pouco polui para pagar o direito a poluir. mas se calhar, quando não os podes vencer, junta-te a eles... e é a única solução que pega. qualquer medida restritiva à circulação de capital seria recebida com uma sonora gargalhada mundial pelos senhores de fato cinzento. então vamos vender-lhes indultos...

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