sexta-feira, 10 de setembro de 2010

NUCLEAR: JA, DANKE?


Minha crónica no "Sol" de hoje:

No final do século passado tornou-se comum, na Alemanha, a expressão Nein, Danke, quando se falava de energia nuclear. Em 1986 tinha acontecido o acidente de Chernobyl, que originou uma nuvem radioactiva sobre a Europa Central. A romancista alemã Christa Wolf escreveu um romance sobre o assunto: Acidente. Multiplicaram-se na época os protestos contra as centrais nucleares. No ano de 2000, o governo alemão, sensível a esses protestos, resolveu determinar o encerramento a médio prazo das 17 centrais nucleares existentes. E não seriam construídas outras.

Mas os tempos hoje são diferentes. No passado recente, o aumento das necessidades energéticas, o risco do aquecimento global, a instabilidade no Médio Oriente e o elevado custo das energias renováveis têm feito repensar a questão da energia nuclear. O governo alemão, presidido por Angela Merkel (que estudou Física e tem um doutoramento em Química Quântica), acaba de anunciar um adiamento do projectado fecho das centrais em funcionamento, concedendo uma moratória de oito anos para as centrais mais antigas e de 14 anos para as centrais mais recentes. A revista Der Spiegel noticiou com algum humor: “o governo deixa radiantes os amigos do átomo”. Isto acontece numa altura em que outros países europeus têm centrais em construção, em avançado estado de planeamento ou em fase preliminar de proposta. Na Europa, a Finlândia e a França estão a construir um reactor nuclear, e a Eslováquia dois. Países que torceram o nariz ao nuclear como o Reino Unido e a Itália têm agora centrais planeadas ou propostas. Fora da Europa, entre os países mais desenvolvidos, os Estados Unidos têm uma central em construção, o Canadá duas, o Japão também duas e a Rússia dez. E, em países com economias emergentes, o avanço do nuclear é ainda mais visível: a China tem 24 reactores em construção (além de 33 planeados e 120 propostos!), a Índia quatro e o Brasil um.

Em Portugal, onde a electricidade é das mais caras da Europa, o debate sobre a energia nuclear tem reaparecido a espaços, embora não seja tão nítido e produtivo como noutros países. O actual governo tem procurado evitá-lo e, quando não o pode fazer, tem-se pronunciado contra, preferindo defender as energias renováveis. O ex-governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio, do partido do governo, não hesitou, porém, antes de ir para a Europa, em defender o estudo da opção nuclear, apontando o exemplo finlandês. O principal partido da oposição, embora não advogue claramente a alternativa nuclear, tem-se pronunciado a favor da discussão sobre ela. Na minha opinião, o assunto não deve ser considerado tabu. A controvérsia que se vai agudizar nos próximos meses na Alemanha não deixará de ter um impacto aqui.

8 comentários:

Miguel Galrinho disse...

Excelente texto, que resume o que há para dizer sobre o nuclear, e sobre o medo que há de o debater em Portugal.

Aureliano disse...

Caro Professor,
além das questões económicas e financeiras associadas, pelo menos uma diferença substancial existe: "O" decisor político tem uma formação que lhe permite ouvir e decidir em consciência, por mais que lobbistas tentem enviesar os números.

Nuno Silva disse...

Não sei porquê mas o meu instinto desconfia que o mesmíssimo assunto dará origem a distintos tipos de controvérsia, discussão pública e resultados num país, pobre, que se obriga a eleger como líder uma senhora doutorada em Química e noutro, rico, que pode dar-se ao luxo de, repetidamente, um moço que não precisou mais do que estudar uma engenharia não reconhecida pelos seus pares, numa universidade fantasma, com professores da mesma cor partidária e, mesmo assim, com algumas cadeiras a terem de ser feitas por fax. Cheira-me, cheira-me que a discussão será ligeiramente distinta.

Anónimo disse...

Um dos mais importantes objectivos para que serviu a campanha das "alterações climáticas" já foi conseguido em pleno: ressuscitar o programa nuclear que, no mundo Ocidental, depois de Chernobyl estava morto e enterrado (aparentemente) para sempre. Não foi pouca coisa -- mas foi preciso aldrabar em grande....
(Isto também explica, em parte, o curioso facto de muitos alarmistas climáticos serem antigos físicos nucleares -- p. ex. Portugal)

Anónimo disse...

Caro Nuno Silva: você não percebe mesmo o que é a democracia. Nem o que é a política.

Anónimo disse...

Energia nuclear na Alemanha? Sem problemas!

Energia nuclear em Portugal? Com esta gente? Deus nos livre!

Já estou mesmo a ver o esquema usual de engenharia financeira com os custos externalizados para o Estado (todos nós) e os lucros, sem risco, todos direitinhos para umas empresas amigas e financiadas por um banco amigo.

E como não sabem do assunto e só estão lá pela massa, no fim vai-se ver que ai e tal uma só central não resolve, e os custos são, ai ai, mais altos que o previsto pela empresa de consultoria que contratámos (e que o estado contratualmente é que tem que pagar porque não negociou bem o contrato), e que afinal não é solução. Oh!

E tenho pena de ver Físicos envolvidos nesta discussão, só porque sabem de energia nuclear e pensarem que a ciência e a técnica é que são importantes neste assunto, se calhar pensam que passarão a ser mais importantes. Ingenuidade a ser aproveitada pelos tubarões do costume...

Deixo uma sugestão: acompanhem o que se vai fazendo nos centros científicos de excelência mundiais (basta ir espreitando a Scientific Americam ou a Technology Review do MIT, ou até a Popular Science) e verifiquem que em menos tempo do que demorará a pôr uma central nuclear a funcionar em Portugal, o preço das energias renováveis será muito mais baixo e o grande problema da intermitência bastante minorado. E com investimento muito mais escalável e portanto mais barato e seguro.

E estas previsões não são as das empresas de consultoria amigas, pagas por quem gasta perdulariamente dinheiro que não lhe pertence. As mesmas que diziam que a Ota é que era, ou que o TGV para Espanha é sustentável graças a um aumento espectacular da procura, ou o novo aeroporto de Lx, Deus meu, a falta que faz, que na Portela já não cabe mais nada!

SNG

Pedro Santos disse...

A alternativa é todos gastarmos menos energia, aquela que gastamos indevidamente, quando metemos o nosso rabinho no carro para ir beber um café à rua seguinte. Os que pretendem uma discussão sobre o nuclear são conscientemente a favor dessa solução pouco criativa, o que me parece ser o caso do Carlos. Eu estarei, à boa maneira antiga, nas manifestações à porta da central. Já agora, o Carlos é a favor ou contra o nuc? e se a favor, importa-se que ela seja colocada perto do seu bairro ou prefere longe? Para facilitar a sua escolha, digamos que seria uma central com segurança último grito. Já agora, aproveito para perguntar onde vamos colocar os resíduos nucleares? exportamos para países pobres?

Armando Duarte disse...

Não me parece que possamos ter dogmas em relação a este aspecto essencial que é a energia na sociedade actual. O que temos é que levantar as questões e pensar seria e desinteressadamente nelas, o que me parece difícil...
Senão vejamos:
- Quer tenhamos ou não aquecimento global provocado pelos combustíveis fósseis, uma coisa é certa: são finitos, e em breve, o que implica que tem que haver uma alternativa;
- As renováveis, pelo menos por agora são mais do que discutíveis, ainda que apenas como forma complementar de produção de energia;
- Um dos aspectos sem qualquer dúvida essenciais parece ser a redução do consumo, quer por via comportamental, quer por aumento da eficiência de tudo quanto consome. Mas, imaginemos que a a humanidade se transforma em Humanidade, e que todos os 2/3 dos habitantes do planeta passam a ter uma qualidade de vida próxima do outro 1/3... e em 2050 estima-se que sejamos 9 biliões, com necessidades de consumo e de alimento!!!Onde fica a redução?
- Tudo isto parecem argumentos a favor da discussão sobre o nuclear, mas a resposta à questão dos lixos nucleares também não parece convincente;

Conclusão (minha): Parece que a discussão é de facto necessária, para que se encontre uma solução que não hipoteque definitivamente a nossa presença neste planeta...

Armando Duarte

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