quarta-feira, 4 de abril de 2007

Poema sobre o desastre de Lisboa

O terramoto de 1755 influenciou de forma determinante muitos pensadores europeus do Iluminismo. De facto, foram vários os filósofos que fizeram menção ou aludiram ao terramoto nos seus escritos, dos quais se destaca Voltaire, no seu Candide e no Poème sur le désastre de Lisbonne (Poema sobre o desastre de Lisboa). A arbitrariedade da sobrevivência marcou o autor que satirizou a ideia, defendida por autores como Gottfried Wilhelm Leibniz e Alexander Pope, de que «este é o melhor dos mundos possíveis». Como escreveu Theodor Adorno, o terramoto de Lisboa foi suficiente para Voltaire refutar a teodiceia - do grego theós, Deus e díke, «justiça», significa literalmente «justiça de Deus» - de Leibniz expressa no livro Negative Dialectics.

O post do Carlos recordou-me ainda que o terramoto foi um ponto de viragem para o país. De facto, o papel crucial assumido pelo marquês de Pombal no pós-terramoto, a primeira vez na história em que um governo chamou a si a responsabilidade de organizar e coordenar a resposta a uma catástrofe, mereceu-lhe a confiança ilimitada de D. José. O seu enorme poder político, praticamente absoluto, permitiu-lhe concretizar a ambição de modernização do Estado nacional, nomeadamente a nível do ensino e no cercear do poder da Inquisição que fazia do Portugal setecentista um firme bastião da Contra-Reforma e cujo crivo censório impedia a livre circulação do conhecimento.

Assim, amanhã assinalam-se 239 anos sobre o fim da censura eclesiástica da imprensa (substituída pela Real Mesa Censória). A disposição do Marquês de Pombal não foi bem recebida pela Igreja e em Novembro do mesmo ano o bispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação, expediu uma pastoral em que listava os livros que não se deviam ler. O Tribunal do Desembargo do Paço condena o bispo um mês depois pelo crime de lesa-majestade.

O ano de 1768 é um ano memorável e em Dezembro são criadas a Impressão Régia, a futura Imprensa Nacional, e a Junta de Providência Literária - que preparou a reforma da Universidade. Reforma indispensável à modernização que o Marquês de Pombal queria empreender para o país já que o ensino, até aí na mão da Igreja, não tinha sido agraciado pelos ventos do iluminismo que varriam o obscurantismo medieval no resto da Europa.

Como exemplo, recordo que em 1746, quase no final do reinado de D. João V - agraciado com o título de Fidelissimo pelo papa Bento XIV - o reitor do Colégio das Artes de Coimbra proibia por decreto «...quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles» e, em particular, «opiniões novas, pouco recebidas e inúteis para o estudo das Ciências Maiores, como são as de Renato Descartes, Gassendi (Pierre Gassendi recuperou o proscrito atomismo de Leucipo e Epicuro), Newton e outros».

A reforma do ensino começou pelos «estudos menores», para os quais foi criado um corpo de «professores régios», em substituição dos mestres até aí eclesiásticos. Mais tarde, passou-se à reforma do «Estudo Geral» de Coimbra.

A reforma pombalina da Universidade incidiu especialmente na introdução das ciências da natureza e das ciências exactas. Mas os curricula «tradicionais» não foram descurados, tendo-se procedido à reforma da Faculdade de Medicina, com a introdução da investigação experimental de acordo com as sugestões de Ribeiro Sanches. Foi fundado oTeatro Anatómico e o Dispensatório Farmacêutico, e criadas duas novas faculdades, a de Matemática e a de Filosofia. Esta última concedia um lugar particular à Filosofia Natural, com a criação do Gabinete de Física (equipado com equipamento que constitui hoje em dia uma das melhores colecções do género referentes aos séculos XVIII e XIX) e do Museu de História Natural, que, conjuntamente com o Hospital e as dependências da Faculdade de Medicina, ocuparam o antigo Colégio de Jesus, cuja igreja foi transformada em Sé Catedral. Foi ainda construído o Laboratório Químico - onde hoje funciona o Museu de Ciência sobre o qual o Paulo poderá informar melhor os nossos leitores - e o Jardim Botânico.

O choque tecnológico tão em voga hoje em dia era uma das muitas ambições de Sebastião José para o País. Assim, as Universidades colaboravam no desenvolvimento das indústrias, da mineração e da agricultura. A Faculdade de Matemática, a que estava anexo o Observatório Astronómico, tinha como objectivo paralelo o estudo da agrimensura, de grande interesse especialmente para a planificação e ordenamento do território. Por outro lado, foram importados mestres estrangeiros com o objectivo de dinamizar a quasi inexistente indústria nacional, destacando-se o italiano Domingos Vandelli, que procurou em Coimbra revivificar a indústria da faiança decorativa, de grande tradição na cidade e ainda hoje muito viva.

Preocupado com a promoção do comércio, que declarou «profissão nobre, necessária e proveitosa», fundou a Aula do Comércio, da responsabilidade da Junta de Comércio que também criou, escola que deveria ensinar contabilidade segundo o modelo inglês. Para além do impulso tecnológico inédito no país que tentou incutir na nossa indústria, Sebastião de Carvalho e Melo foi um patrono da indústria nacional, dispensando um cuidado especial à fábrica das sedas, situada no largo do Rato, em Lisboa, às fabricas de lanifícios da Covilhã, Fundão e Portalegre, e à fabrica de vidros da Marinha Grande. Criou ainda as Fábricas de Cordoaria, a Real Escola Náutica do Porto e a Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro.

Não esquecendo a sua pecha ditatorial, um exemplo perfeito do despotismo iluminado que preconizava um Estado absolutista, e o seu lado mais negro manifestado na brutal retaliação sobre os adversários políticos, nomeadamente os Távoras, o marquês de Pombal, umas das figuras mais determinantes na nossa História, foi um estadista e um político brilhantes que revolucionou o ensino nacional e retirou Portugal do atraso que o caracterizava no pré-terramoto.

Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.

4 comentários:

Bruce Lóse disse...

Pal

"permitiu-lhe [ao Marquês de Pombal] concretizar a ambição de modernização do Estado nacional, nomeadamente a nível do ensino e no cercear do poder da Inquisição que fazia do Portugal setecentista um firme bastião da Contra-Reforma e cujo crivo censório impedia a livre circulação do conhecimento"

Sugestão: ler "Último Regimento da Inquisição Portuguesa", de preferência a edição comentada por Raúl Rego. Facilmente verificará que a argumentação casuística dessa jusrisprudência pretende acima de tudo mascarar o anti-jesuitismo (hepático) de funcionalidade patriótica, recorrendo ao anonimato (aqui sim, vergonhoso) de intelectuais da época que, em sinfonia, orquestraram a transferência de poder da estrutura jesuítica para as chancelarias seculares, sempre com o cuidado de preservar, note bem, o poder escabroso e discricionário.
Ambição de modernização? Calma, Palmira... Nem tudo o que é anti-jesuíta é bom.

Pedro Fontela disse...

Eu ia acrescentar a expulsão dos Jesuitas ao CV do Marquês mas o Bruce lóse adiantou-se...

Fernando Martins disse...

Já agora, sugiro a leitura de um texto de Rómulo de Carvalho sobre o Terramoto de 1755, que podem consultar na Internet, em:
http://purl.pt/12157/1/estudos/terramoto.html

José Luís Malaquias disse...

Se a Palmira não se acautela, um dia destes algum jesuíta ainda lhe deixa um alguidar com uma faca à porta.
Isso se não vier um Távora primeiro.

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