
O post do Carlos recordou-me ainda que o terramoto foi um ponto de viragem para o país. De facto, o papel crucial assumido pelo marquês de Pombal no pós-terramoto, a primeira vez na história em que um governo chamou a si a responsabilidade de organizar e coordenar a resposta a uma catástrofe, mereceu-lhe a confiança ilimitada de D. José. O seu enorme poder político, praticamente absoluto, permitiu-lhe concretizar a ambição de modernização do Estado nacional, nomeadamente a nível do ensino e no cercear do poder da Inquisição que fazia do Portugal setecentista um firme bastião da Contra-Reforma e cujo crivo censório impedia a livre circulação do conhecimento.
Assim, amanhã assinalam-se 239 anos sobre o fim da censura eclesiástica da imprensa (substituída pela Real Mesa Censória). A disposição do Marquês de Pombal não foi bem recebida pela Igreja e em Novembro do mesmo ano o bispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação, expediu uma pastoral em que listava os livros que não se deviam ler. O Tribunal do Desembargo do Paço condena o bispo um mês depois pelo crime de lesa-majestade.
O ano de 1768 é um ano memorável e em Dezembro são criadas a Impressão Régia, a futura Imprensa Nacional, e a Junta de Providência Literária - que preparou a reforma da Universidade. Reforma indispensável à modernização que o Marquês de Pombal queria empreender para o país já que o ensino, até aí na mão da Igreja, não tinha sido agraciado pelos ventos do iluminismo que varriam o obscurantismo medieval no resto da Europa.
Como exemplo, recordo que em 1746, quase no final do reinado de D. João V - agraciado com o título de Fidelissimo pelo papa Bento XIV - o reitor do Colégio das Artes de Coimbra proibia por decreto «...quaisquer conclusões opostas ao sistema de Aristóteles» e, em particular, «opiniões novas, pouco recebidas e inúteis para o estudo das Ciências Maiores, como são as de Renato Descartes, Gassendi (Pierre Gassendi recuperou o proscrito atomismo de Leucipo e Epicuro), Newton e outros».
A reforma do ensino começou pelos «estudos menores», para os quais foi criado um corpo de «professores régios», em substituição dos mestres até aí eclesiásticos. Mais tarde, passou-se à reforma do «Estudo Geral» de Coimbra.
A reforma pombalina da Universidade incidiu especialmente na introdução das ciências da natureza e das ciências exactas. Mas os curricula «tradicionais» não foram descurados, tendo-se procedido à reforma da Faculdade de Medicina, com a introdução da investigação experimental de acordo com as sugestões de Ribeiro Sanches. Foi fundado oTeatro Anatómico e o Dispensatório Farmacêutico, e criadas duas novas faculdades, a de Matemática e a de Filosofia. Esta última concedia um lugar particular à Filosofia Natural, com a criação do Gabinete de Física (equipado com equipamento que constitui hoje em dia uma das melhores colecções do género referentes aos séculos XVIII e XIX) e do Museu de História Natural, que, conjuntamente com o Hospital e as dependências da Faculdade de Medicina, ocuparam o antigo Colégio de Jesus, cuja igreja foi transformada em Sé Catedral. Foi ainda construído o Laboratório Químico - onde hoje funciona o Museu de Ciência sobre o qual o Paulo poderá informar melhor os nossos leitores - e o Jardim Botânico.
O choque tecnológico tão em voga hoje em dia era uma das muitas ambições de Sebastião José para o País. Assim, as Universidades colaboravam no desenvolvimento das indústrias, da mineração e da agricultura. A Faculdade de Matemática, a que estava anexo o Observatório Astronómico, tinha como objectivo paralelo o estudo da agrimensura, de grande interesse especialmente para a planificação e ordenamento do território. Por outro lado, foram importados mestres estrangeiros com o objectivo de dinamizar a quasi inexistente indústria nacional, destacando-se o italiano Domingos Vandelli, que procurou em Coimbra revivificar a indústria da faiança decorativa, de grande tradição na cidade e ainda hoje muito viva.
Preocupado com a promoção do comércio, que declarou «profissão nobre, necessária e proveitosa», fundou a Aula do Comércio, da responsabilidade da Junta de Comércio que também criou, escola que deveria ensinar contabilidade segundo o modelo inglês. Para além do impulso tecnológico inédito no país que tentou incutir na nossa indústria, Sebastião de Carvalho e Melo foi um patrono da indústria nacional, dispensando um cuidado especial à fábrica das sedas, situada no largo do Rato, em Lisboa, às fabricas de lanifícios da Covilhã, Fundão e Portalegre, e à fabrica de vidros da Marinha Grande. Criou ainda as Fábricas de Cordoaria, a Real Escola Náutica do Porto e a Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro.
Não esquecendo a sua pecha ditatorial, um exemplo perfeito do despotismo iluminado que preconizava um Estado absolutista, e o seu lado mais negro manifestado na brutal retaliação sobre os adversários políticos, nomeadamente os Távoras, o marquês de Pombal, umas das figuras mais determinantes na nossa História, foi um estadista e um político brilhantes que revolucionou o ensino nacional e retirou Portugal do atraso que o caracterizava no pré-terramoto.
Bibliografia não disponível online:
«1755 O Terramoto de Lisboa» João Duarte Fonseca, Argumentum, Novembro de 2004.
4 comentários:
Pal
"permitiu-lhe [ao Marquês de Pombal] concretizar a ambição de modernização do Estado nacional, nomeadamente a nível do ensino e no cercear do poder da Inquisição que fazia do Portugal setecentista um firme bastião da Contra-Reforma e cujo crivo censório impedia a livre circulação do conhecimento"
Sugestão: ler "Último Regimento da Inquisição Portuguesa", de preferência a edição comentada por Raúl Rego. Facilmente verificará que a argumentação casuística dessa jusrisprudência pretende acima de tudo mascarar o anti-jesuitismo (hepático) de funcionalidade patriótica, recorrendo ao anonimato (aqui sim, vergonhoso) de intelectuais da época que, em sinfonia, orquestraram a transferência de poder da estrutura jesuítica para as chancelarias seculares, sempre com o cuidado de preservar, note bem, o poder escabroso e discricionário.
Ambição de modernização? Calma, Palmira... Nem tudo o que é anti-jesuíta é bom.
Eu ia acrescentar a expulsão dos Jesuitas ao CV do Marquês mas o Bruce lóse adiantou-se...
Já agora, sugiro a leitura de um texto de Rómulo de Carvalho sobre o Terramoto de 1755, que podem consultar na Internet, em:
http://purl.pt/12157/1/estudos/terramoto.html
Se a Palmira não se acautela, um dia destes algum jesuíta ainda lhe deixa um alguidar com uma faca à porta.
Isso se não vier um Távora primeiro.
Enviar um comentário