quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Moralidade e relativismo

A não muito edificante história da humanidade parece mostrar que os seres humanos têm uma grande dificuldade em conviver com as diferenças — de opinião, de estilos de vida, de escolhas sexuais, de religiões e até da cor da pele. Isto não é biologicamente surpreendente; em colónias de símios é comum os desgraçados que têm o azar de nascer albinos ou com alguma malformação serem abandonados para morrer, ou activamente mortos. Os mesmíssimos impulsos que fazem os seres humanos defender o seu grupo, fazem-nos atacar o que vêem como uma ameaça ao seu grupo. Esta mentalidade tribal existe ainda hoje, pois somos biologicamente iguais aos nossos mais remotos antepassados.

Contudo, com a crescente mistura de seres humanos diferentes, tivemos de aprender, de algum modo, a conviver com as diferenças. Hoje convivemos melhor com elas do que há duzentos anos, ou até mesmo do que há cem anos. Temos mais consciência da importância de respeitar qualquer ser humano, independentemente das suas convicções, etnia, estilos de vida, religião ou escolhas sexuais. Há ainda muito trabalho a fazer no sentido de acabar com a discriminação injusta, mas estamos pelo menos no caminho certo.

Contudo, a mentalidade tribal é de tal modo poderosa, que poucas pessoas compreendem realmente o conceito de aceitação da diferença. Este foi um factor que fez nascer os populares relativismos contemporâneos. Muitas pessoas são incapazes de aceitar realmente as diferenças e por isso sentem-se forçadas a pensar que toda a gente é igual, toda a gente tem razão, e cada qual tem a sua verdade. De modo que quando alguém defende a aceitação das diferenças irredutíveis, em vez da opressão das pessoas com crenças diferentes das suas, é imediatamente compreendida como se fosse relativista. Pois não é fácil entender a ideia de que se pode defender o acolhimento das pessoas que têm crenças que consideramos completamente tolas, falsas, danosas para elas mesmas e fruto da ignorância, sem ao mesmo tempo defender que elas têm razão, ou que o que elas pensam é “verdadeiro para elas”.

A tolerância relativista é pseudotolerância. Pois se consideramos que quem está convicto de que a Terra é plana tem tanta razão quanto nós, nenhuma tolerância precisamos para a aceitar. A tolerância genuína é tolerar o que é factual e cientificamente falso, desde que as pessoas que têm essas crenças se prejudiquem inequivocamente apenas a si próprias. E esta tolerância, ao contrário da pseudotolerância do relativista, é perfeitamente compatível com um trabalho de esclarecimento, debate e informação — sob a condição, contudo, de que no fim deste trabalho, se as pessoas continuarem a rejeitar os factos e resultados científicos, têm todo o direito a fazê-lo.

Ora, para que este direito não seja vazio, é crucial que estas pessoas se sintam não apenas toleradas a contragosto, mas genuinamente acolhidas em toda a sua dignidade de seres humanos, respeitadas, incluídas nas nossas instituições e jamais discriminadas por terem convicções cientificamente falsas.

Quando estará a nossa sociedade pronta para dar este importante passo em frente? Enquanto só estivermos dispostos a integrar plenamente na nossa sociedade as pessoas que não têm crenças que consideramos cientificamente falsas e danosas para elas mesmas, estaremos longe de uma sociedade melhor. Substituir a ditadura da ignorância pela ditadura da ciência não é um grande avanço, porque o problema da ditadura é a ditadura, sendo irrelevante se é a da ignorância ou outra qualquer.

Há uma grande diferença entre informar e impor. Há uma grande diferença entre mostrar por que razão algo é enganador e até perigoso para a saúde das pessoas, e impedi-las de o fazer ou de se sentirem plenamente integradas porque o escolhem fazer. Mas a mentalidade tribal é avessa a estas distinções subtis. E insiste-se então no falso dilema: ou somos relativistas e aceitamos que cada qual tem “a sua verdade” (uma posição filosófica incoerente), caso em que aceitamos todas as crenças, por mais que saibamos cientificamente serem falsas, ou rejeitamos as crenças que sabemos serem cientificamente falsas, precisamente por serem cientificamente falsas. Isto é um falso dilema porque temos uma terceira alternativa muito mais promissora: aceitar as pessoas em toda a sua dignidade, integrá-las o máximo possível na nossa sociedade, respeitar sem restrições o seu direito a crer, ensinar, praticar e divulgar falsidades científicas, e ao mesmo tempo reivindicar o mesmíssimo direito que lhes concedemos para fazermos nós um trabalho de esclarecimento, informação e divulgação da ciência.

O grande obstáculo à efectivação desta atitude é a mesmíssima mentalidade tribal que nos fez durante milhares de anos discriminar as pessoas com base na cor da pele e noutras irrelevâncias. É essa mentalidade tribal que faz as pessoas querer usar o poder do estado para impedir ou pelo menos limitar e dificultar fortemente a vida daqueles que cometem a heresia de acreditar em falsidades científicas. Numa sociedade justa e livre, o estado é um instrumento ao serviço do bem da humanidade — e a humanidade inclui toda a gente, incluindo quem não tem fé na ciência. Quem quer usar o estado para excluir partes substanciais da humanidade quer usar o estado para oprimir, e não para servir a humanidade. Essa é precisamente a marca do pensamento ditatorial, no qual as pessoas existem para servir o estado, em vez de ser o estado a existir para servir as pessoas.

44 comentários:

joão viegas disse...

Ola,

Tirando uma ou outra frase provocatoria, este texto parece-me de bom senso. Penso que a esmagadora maioria das nossas sociedades se rege hoje em dia pelos principios expostos.

Como é obvio, ninguém "impõe" ciência, o que seria um contrasenso.

Pode acontecer, o que é muito diferente, que determinadas medidas politicas sejam impostas (por lei) porque, à luz dos conhecimentos cientificos de que dispomos, essas medidas se afiguram necessarias para alcançar ou proteger determinados bens.

Neste caso, não estamos a impôr ciência, mas medidas politicas. Estamos também, de forma incidente, a utilizar conhecimentos cientificos, o que supõe que saibamos determinar quais são os conhecimentos que gozam de aceitação pela ciência. Mas não estamos a impôr a ninguém verdades cientificas. Ninguém é obrigado a reconhecer que tais conhecimentos são verdades absolutas. Estamos apenas a impôr que se tomem medidas à luz dos melhores conhecimentos de que dispomos.

Da mesma forma, quando obrigamos os condutores de automovel a respeitar a prioridade ou a conduzir do bom lado da estrada, não estamos de maneira nenhuma a impôr-lhes que aceitem reconhecer que o risco de acidente é muito elevado se não cumprirem a regra. Uma pessoa tem todo o direito de acreditar que o facto de se ter levantado com o pé direito a coloca completamente ao abrigo de qualquer tipo de acidente nesse dia. No entanto, vamos à mesma impôr o cumprimento da regra, porque ele representa um imperativo à luz do que sabemos sobre o risco real de se produzirem acidentes graves se os automobilistas conduzirem à esquerda, ou se não respeitarem a prioridade. Portanto respeitamos perfeitamente a liberdade de pensamento, de consciência e de credo. Dizemos ao automobilista : podes acreditar à vontade que não existe perigo nenhum, podes escrevê-lo, podes até defender uma tese de doutoramento sobre o assunto, contando que a comunidade académica o aceite. No entanto, na pratica, vais respeitar a regra (medida politica, e não verdade cientifica) enquanto ela vigorar. Podes também tentar obter que a regra seja modificada. Mas isso supõe que convenças a maioria das pessoas que ela não tem fundamento...

Boas

Anónimo disse...

E ele a dar-lhe.

Unknown disse...

Quando se fala da harmonização da convivência nas sociedades humanas, deve-se em primeiro lugar partir da compreensão do homem em si, enquanto membro dessa sociedade. E de facto, como salienta no seu texto, o homem é um ser social, na comparação com os outros símios, o homem é muito mais social que todos os outros, pode-se comparar a enormíssima complexidade da sociedade humana, onde o homem se insere em grupos estáveis de milhões de indivíduos e essa é uma das peculiaridades do homem. E antes de tudo o mais ao considerar o homem é forçoso reconhecer que se trata de um ser tribal, que vive inserido num ou em vários grupos (a começar pelo seu núcleo familiar), e de facto não é possível falar do homem sem considerar essa sua peculiaridade, que é um aspecto frequentemente negligenciado.
E nesse aspecto mesmo quando se fala do homem, existem muitas outros aspectos que são frequentemente desprezados, por exemplo dá-se um grande destaque, à criatividade humana, como se esse fosse o aspecto significativo no homem, nada mais falso, na realidade o homem é o muito mais um imitador por excelência, note-se que é essa capacidade de imitar que está por detrás de quase tudo o que o homem faz desde toda a aprendizagem até ao comportamento social. Não estou com isto a dizer que o homem não é capaz de criar, sim, mas antes de tudo ele imita o que vê aos outros e sente-se confortável com isso, talvez seja até o que lhe trás mais conforto.
Como é evidente é esse carácter tribal que o faz com que “os seres humanos têm uma grande dificuldade em conviver com as diferenças”, ou com que defendam o seu grupo com unhas e dentes e com que sejam algo intolerantes com os membros de outros grupos. E isto é algo que tem a ver com a nossa natureza e com que temos de saber conviver e, de facto é algo que temos de ter presente quando falamos ou tratamos do homem, enquanto ser integrado numa sociedade.
Eu, pessoalmente, considero um pouco tolas estas perspectivas que consideram como disse: ”Há ainda muito trabalho a fazer no sentido de acabar com a discriminação injusta, mas estamos pelo menos no caminho certo.” Parece-me que para além de não estarmos no caminho certo, estamos a percorrer um caminho perigoso (porque ilusório) e não estamos a ir para lado nenhum. De facto não estamos mais tolerantes, se calhar estamos só mais promíscuos, aparentemente estamos a forçar que o estarmos ao lado de qualquer um é aceitável, isto é apenas uma violência para as pessoas e é uma violência inútil. É certo que podemos considerar que isto é tolerância, mas não é.

Anónimo disse...

Este é mais um bom trabalho de DM, na senda da sua missão de desvendar os mistérios da mente e dos sistemas de crenças.

O preconceito, como a repetição de mitos, a manutenção da tradição e a busca de padrões de repetição e regularidade, sempre foram e continuam a ser o suporte da vida em comunidade.

Também foram e ainda são o germen para despertar mentes curiosas que observem a periodicidade do movimento dos astros, a autosimilaridade dos fractais, as regras do aparecimento de sintomas em doenças, entre outros casos que exijam o conhecimento de um sistema controlado de pressupostos.

MJR

Anónimo disse...

Caro Vasco da Gama

Um pensamento. O ser humano não tem asas para voar. O facto de não voar faz parte do que é o ser humano. No entanto, com criatividade (ainda que só de alguns, nesse ponto concordo consigo), conseguimos voar. E hoje, imitamos-nos todos uns aos outros no procedimento que alguns inventaram para voar. De uma maneira geral as pessoas sempre reconheceram a bondade e utilidade do acto de voar, ainda que não sendo característica inata do ser humano. A questão que se coloca, a meu ver, não é se é fundamentalmente inato o «ser-se tribal». Em muitos casos fomos capazes de ir contra características nossas em busca do que pensávamos ser algo maior. A própria democracia pode ser vista como algo desse género (mesmo que não concorde com este exemplo, certamente arranjarei exemplos do género). O que devemos pensar é se queremos mais integração social e se isso é benéfico para a forma como a humanidade de organiza. Se for (parece-me que é (pode usar-se o tal véu de ignorância mencionado em outros posts)), vale a pena o esfoço de ir contra coisas lá no fundo da nossa natureza. Essa característica de tentar controlar a nossa natureza em busca de metas que avaliámos como sendo boas é também uma característica basilar da humanidade.

Unknown disse...

O que eu referi, no que escrevi, é que não devemos escamotear a nossa própria natureza, que é no fundo o que nós somos e não podemos olhar para nós como se fossemos outra coisa, aí estamos apenas a enganar-nos. Ou seja que quando olhamos para nós mesmos, devemos saber que em primeiro lugar somos reprodutores de padrões (imitadores) e somos tribais e não como muitos parecem pensar que somos criadores e tolerantes (como se isso fosse a nossa caracteristica inata). É claro que podemos esforçarmo-nos (e ter sucesso) no sentido de sermos (ocasionalmente) criadores e tolerantes (o que não é tão fácil como pode parecer à primeira vista).

Anónimo disse...

Estou de acordo com tudo o que diz agora (estive a ler com atenção e parece-me que estou mesmo de acordo com todas as frases que diz).

Mas repare que o que diz agora é totalmente compatível com ”Há ainda muito trabalho a fazer no sentido de acabar com a discriminação injusta, mas estamos pelo menos no caminho certo.” que adjectivou no anterior post.

Parece-me que um ponto prévio será perceber o que se entende por «caminho certo». Mais uma discussão gigante, multifacetada, cheia de zonas cinzentas (como uma boa discussão deve ser).

Rui Gonçalves disse...

A propósito desta afirmação:

“(…) temos uma terceira alternativa muito mais promissora: aceitar as pessoas em toda a sua dignidade, integrá-las o máximo possível na nossa sociedade, respeitar sem restrições o seu direito a crer, ensinar, praticar e divulgar falsidades científicas, e ao mesmo tempo reivindicar o mesmíssimo direito que lhes concedemos para fazermos nós um trabalho de esclarecimento, informação e divulgação da ciência.”

Pergunto: Não será isto que a comunidade científica, desde sempre fez e continua a fazer, sem querer ser a detentora da verdade universal, e sem nada impor, fazendo, como diz, um trabalho de esclarecimento, informação e divulgação da ciência.?

Nuno Maria disse...

Desidério Murcho continua naquele estilo pseudo-filosófico de tudo à balda e fé em Deus. Se alguém tem um blogue para divulgar falsidades anti-cientificas está no seu pleno direito. Mas um estado civilizado que se preze tem que fazer opções claras relativamente aos conteúdos dos oficiais planos curriculares. Devia ser giro voltar-se a ensinar nas escolas que, num espaço curvo, a linha mais curta entre dois pontos é uma linha recta.A ciência não parou em Euclides e Newton, avançou substacialmente mais com Einstein e a Física Quântica. E se um ignorante de um qualquer professor continuar a teimar que a linha mais curta entre dois pontos é uma linha recta, quando, em espaços curvos,essa é uma total impossibilidade lógica e científica, por que carga de água teria o estado de permitir que os nossos filhos pudessem ser erroneamente informados relativamente às novas aquisições do progresso intelectual ? Por que carga de água se haveria de permitir que, nas nossas escolas, se ensinasse que, afinal, a figura do Adasmator não é meramente simbólica ou que foi Deus quem criou o Universo ? Porque há pessoas que acreditam que a distância mais curta entre dois pontos, num espaço curvo, é uma linha recta, que o Adamastor seria um mostrengo real ou que foi Deus quem criou o Universo ? O texto do Desidério parece muito bonitinho, mas também há cadeiras que parecem bons suportes e estão todas carunchosas.

Anónimo disse...

Caro Nuno

Tanta certeza...
Era capaz de apostar que os grandes vultos que utiliza no seu texto (Euclides, Newton, Einstein ou, indirectamente, Bohr, Planck, Camões, etc.) não tinham, nem de longe, nem de perto, tantas certezas como o Nuno. Parece-me que não ter esse seu grau de certeza é condição necessária para se poder ser tal vulto. Não lhe parece? (estou a meter-me consigo; se responder afirmativamente vai contra o tipo de sociedade que defende (totalmente estática); se responder negativamente mantém a sua lógica mas vai contra o que grande parte desses grandes vultos dizem na primeira pessoa e contra o próprio processo científico; enfim, um paradoxo).

Nuno Maria disse...

Caro Anónimo

Provavelmente sou eu que estou equivocado nas minhas certezas. Se calhar Galileu não tinha razão e é o Sol que gira à volta da Terra. Devia ser giro ver um professor ensinar aos nossos filhos que a Terra é plana e que, no final dos oceanos, existe um grande precipício onde os navios são engolidos, que o Adamastor é, afinal, uma pessoa real, que o pensamento simbólico, metafórico ou poético é conversa de treta,e que a mundividência das Testemunhas de Jeová é que está cientificamente certa.Por que não ? O direito ao disparate erigido em valor de referência escolástica? Eu não contesto que qualquer pessoa afirme esses disparates, apenas reclamo igual direito de sustentar que o são. Será assim tão absurdo defender que os disparates não devem ser ensinados nas nossas escolas oficiais como verdades científicas ?
Que tanto vale a teoria do big bang como a tese de que o Universo foi criado por Deus ? Eu até sou crente.Mas uma coisa é a minha crença em Deus, outra é entender como totalmente absurdo que se misture, nos planos curriculares do ensino oficial, Ciência com Religião. Como cientista, se acreditar em Deus, não julgo eticamente plausível que possa pôr em causa a teoria do Big Bang ou outra cientificamente plausível com base numa perspectiva religiosa de que foi Deus quem criou o Universo.

joão viegas disse...

Caro anonimo,

Falso paradoxo. Parece razoavel considerar que tanto Newton, como Bohr, Planck e outros, tinham a certeza de que as leis que enunciaram tinham uma maior probabilidade de descrever o que se passa na realidade, do que as outras explicações existentes nas suas respectivas épocas.

Esta certeza é a unica que se consegue alcançar cientificamente, mas não é menos certeza por causa disso, caso contrario a ciência seria totalmente desprovida do rigor ao qual aspira, legitimamente a meu ver.

Ja Camões, não digo que não.

Boas

Unknown disse...

A CIÊNCIA é uma gata zarolha e NÃO DIZ NADA

Era só para avisar os seguidores deste blogue (mesmo o que lêm mal, por serem míopes), que a tal "ciência" não diz nada. A bem dizer eu só conhecia uma "ciência" que podia "dizer" alguma coisa e essa era a gata do meu tio, que de resto nem sequer dizia porque apenas miava, mesmo a essa só mesmo o meu tio é que lhe chamava ciência, e toda a criançada a tratava afectuosamente por "cissi" (só mesmo alguém estuporado como o meu tio é que se ia lembrar duma coisa destas). A outra ciência, que é frequente e pomposamente referida neste blog é muda. Às vezes há umas pessoas que vêm dizer que a ciência diz isto ou aquilo, trata-se de pessoas manipuladoras e pouco esclarecidas ou com uma imaginação fértil, o que for, o certo é que claramente exorbitam.

Outras vezes com o mesmo intuito escrevem, em vez de "ciência", a "comunidade científica", coisa que também ninguém sabe o que é por, não existente, ninguém sabe bem quem está incluído nessa comunidade, é um pouco como dizer a comunidade surda, ou a comunidade católica de Nova Gales do Sul, ou a comunidade dos maestros do fandango tirolês, tem a mesma validade, isto é, impressiona, mas é uma expressão oca, que englobará apenas as pessoas que querem dar crédito ao arrazoado que essa que essa pessoa defender, que poderá incluir muita gente ou ninguém.

Hoje em dia qualquer tolo se sente no direito de invocar a "ciência" ou a "comunidade científica" para credebilizar qualquer coisa. O que é uma moda nojenta, que me aborrece particularmente. De resto vocês não têm nada a ver com isso (de algumas coisas me aborrecerem), mas é que de cada vez que vejo invocar essas coisas só me dá vontade de cuspir e convenhamos que as pessoas que estão ou passam perto de mim estão-me a lançar maus olhares e eu tenho receio que esses maus olhares antecedam algo de mais ruim e vou tentar ser mais comedido, vocês pelo vosso lado também podiam fazer qualquer coisinha.

Na realidade e em geral, quando se diz isso (a ciência ou a comunnidade científica diz ...) o que se quer dizer é que um grande número de cientistas pensa (ou diz) que é assim, no entanto (em muitos casos) nada garante que isso seja assim, digamos que é a concepção maioritária para um número grande de cientistas (estes são pessoas que, quando necessário, discordam uns dos outros, e são muito pouco dados a unanimismos). Para além de que os cientistas não são santos, são pessoas, como as outras e normalmente gostam do seu objecto de estudo, digamos para um "climatologista" os problemas do clima são coisas gravíssimas e muito importantes e um arqueólego qualquer caco é importantíssimo dara descodificar o passado. Claro que um caco enterrado ou um vento moderado de nordeste são coisas importantes, mas vamos lá contextualizar e tentar perceber o significado das coisas).

Também convinha que ficasse claro que CIÊNCIA NÃO É RELIGIÃO e em ciência não é requerida fé, até é conveniente que não exista fé. Por favor tenha uma atitude racional e deixe de acreditar em coisas (em nome da fé). Se for religioso isso é um problema intimo e só seu.

Ficarei eternamente agradecido.

Aqui, é que era útil, haver uma censura (vá salazarenta), não digo que o ar ficasse mais leve ou sequer perfumado, mas talvez houvesse menos equívocos e falsidades.


Bem sei que há uma série cientistas a fazerem figuras tolas, tristes e patéticas nesta matéria, mas isso é um problema da sua consciência.

Anónimo disse...

Concordo que em determinada fase talvez tenham tido muita certeza nas suas afirmações. Mas há todo um caminho até lá. O que eu digo é que ninguém com esta visão acabada e quase oracular da Ciência pode enunciar novas leis seja do que for. A dúvida faz parte do processo de avanço científico. Cada vez me parece mais, que quanto mais especialista em determinado assunto, mais dúvida, incerteza, etc. surge no seu espírito. Acha que Einstein se ajoelhava perante Newton acreditando fielmente no que este dizia. Eu penso que não. Há ombros de gigantes e há todo o respeito do mundo por seres humanos ímpares (que se contam pelos dedos). Mas um cientista tem de duvidar. Tem mesmo de duvidar. Um cientista tem de ser CONVENCIDO por Newton. Caso contrário, lamento dizer, mas não é cientista. E só há necessidade de convencimento quando há DÚVIDA. E é por isso que todas estas certezas são muito perigosas. Admito mesmo que sejam genuínas, mas são muito PERIGOSAS. Penso ser este o sentido com que Desidério usa tanto o nome de Salazar (proponho que se adopte a gata zarolha para ciência e Salazar para visões ditatoriais). É neste sentido que é importante falar-se de liberdade e da forma de deixar que a ciência também siga o seu rumo. É que não se trata só de proteger a liberdade individual (que parece ser a tónica principal de DMurcho). Trata-se também de proteger a ciência.

Carlos Ricardo Soares disse...

Em matéria de política, ciência, moral, religião, filosofia, direito, os problemas são muitas vezes transversais e não ajuda nada a metodologia de os isolar por disciplina.
Por exemplo, ainda a ciência está a braços com o problema da realidade natural e já não faltam cientistas interessados em dizer como as coisas devem ser, ou seja, ainda não resolveram o problema do ser e já pretendem ter resolvido o do dever-ser. Mas isto é compreensível. Toda a gente se acha autorizada a pronunciar-se sobre como as coisas devem ser, porque e enquanto não se souber o que as coisas são. Por outro lado, o saber-se o que as coisas são e como são não resolve o problema de como devem ou deviam ser. O problema que apoquenta é sobretudo este e não aquele. A realidade, a maior parte da vezes, ou não nos agrada ou , simplesmente, não nos interessa. Nós queremos que as coisas não sejam como são. E a ciência está implicada nesta dinâmica. É acção,tanto ou mais, do que investigação.
O dever ser da moral não coincide necessariamente e pode até conflituar com o dever ser da religião e do direito e da ciência. De qualquer modo, nenhuma ciência e nenhum dever ser impede que, por nossa vontade, capricho, veleidade, ignorância, maldade, ódio, etc., desejemos ou queiramos outra coisa.
Há sempre quem prefira o vício à virtude, a morte à vida, a mentira à verdade, a injustiça à justiça, a destruição à construção. Quanto a isto, a ciência não resolve nada, porque tanto serve uns como outros. Tanto serve os bons como os maus, os ditadores como os verdadeiros democratas, os torcionários sanguinários como os benfeitores humanitários.

Rui Goçalves disse...

Está novamente em evidência, um confronto estéril, com um perfil de perfeita "Retórica"

Saudações para todos.

joão viegas disse...

Caro anonimo,

Acho que estamos a dizer a mesma coisa : talvez Einstein não se ajoelhasse diante de Newton, mas aceitava com certeza que as leis de Newton eram muitissimo mais exactas e rigorosas do que as explicações anteriores.

Completamente de acordo consigo sobre o papel essencial da duvida. Mas repare que ninguém tem duvidas se não tiver, também, algumas certezas, ainda que relativas...

O ponto essencial, em meu entender, é compreender que é precisamente por serem abertos à discussão racional que os conhecimentos cientificos fornecem um apoio solido para as nossas decisões. Penso que v. concodara com isso.

Boas

Anónimo disse...

Vasco Gama, versão 1, o relativista heterodoxo:

"Na realidade e em geral, quando se diz isso (a ciência ou a comunnidade científica diz ...) o que se quer dizer é que um grande número de cientistas pensa (ou diz) que é assim, no entanto (em muitos casos) nada garante que isso seja assim"

Vasco Gama, versão 2,o absolutista ortodoxo:

"Bem sei que há uma série cientistas a fazerem figuras tolas, tristes e patéticas nesta matéria, mas isso é um problema da sua consciência"

Para quando Vasco Gama na versão 3 ? Esperemos pelos próximos capítulos.

Anónimo disse...

Concordo sim. Concordo com os seus três parágrafos. Einstein, depois de convencido, aceitou o grande grau de certeza e aplicabilidade com grande sucesso, numa vasta gama de situações, das leis de Newton (esta opinião interessa zero, mas considero Newton dos tais que se conta pelos dedos). O seu segundo parágrafo é óptimo (a meu ver), sobretudo a parte «ninguém tem duvidas se não tiver, também, algumas certezas, (ainda que relativas)». E o terceiro também é certeiro.

Mas esta concordância é compatível com as duas opiniões que referi (e que vou resumir):

1) Graus de certeza semelhantes aos do Nuno são em certa medida perigosos, muitas vezes utilizados por terceiros para visões ditatoriais da ciência (uso «ciência» como «gata zarolha» por facilidade de discurso, e, obviamente, não digo que o Nuno, que não conheço, seja um deles), nunca acompanham os vultos inovadores da ciência (repare que não escrevo «quase nunca»), são perigosos para a liberdade individual e atrapalham mudanças de paradigma (que aconteceram tantas vezes , e foram tão importantes, na história da ciência).
2) Tendo eu a opinião 1), naturalmente que me preocupa um pouco a possibilidade de acções legislativas (ou regulamentação, como queiram) serem baseadas nestes «graus de certeza» e visão oracular da ciência. Nesse ponto, percebo bem a visão de DMurcho (e, no meu caso, não só no que diz respeito à liberdade individual, mas também em relação ao saudável crescimento dessa gata zarolha, ainda bebé).

Nuno Maria disse...

Caro João Viegas,

Você acharia bem que, nas nossas escolas,se ensinasse o Criacionismo como tese cientifica,na sequência do arrazoado defendido por Desidério Murcho ? Esta é uma questão muito terra a terra. Sim ou não ?

Unknown disse...

a versão 2 trata-se apenas de uma triste constatação (não há nenhum absolutismo nem ortodoxia) é apenas um vício informal (e algo descuidado) da divulgação científica que resulta num optimismo disparatado (que é passada para a opinião pública), onde se faz parecer que a dúvida e o desconhecimento não existe e o caso não é só que exista, mas que possa ser tão grande.

joão viegas disse...

Caro anonimo,

Concordo, e tenho prazer em concordar, com o que v. diz.

Concordo também com este texto do D., como disse logo no meu primeiro comentario. Julgo apenas que, se é completameente legitimo temer decisões politicas baseadas numa visão errada dos conhecimentos cientificos (logo, baseadas em falsa ciência, ou numa ciência desvirtuada), não devemos levar esse receio ao ponto de ocultar os beneficios obvios que ha em fundarmos as nossas decisões politicas em conhecimentos cientificos rigorosos, os quais nunca se apresentam como verdades absolutas e intangiveis, mas apenas como o melhor que conseguimos saber de um ponto de vista racional.

Boas

joão viegas disse...

Caro Nuno Maria,

Não, não acharia bem que, na escola, se ensinassem as teses criacionistas como se se tratasse de conhecimentos cientificamente reconhecidos, pois penso que isso esta muito longe de corresponder à realidade.

Não tenho a certeza (absoluta ou relativa) que tal decisão decorra logicamente do texto do Desidério e não me pronuncio sobre o qualificativo de "arrazoado", muito embora ache que a palavra tem uma inegavel força expressiva nesta discussão...

Boas

Anónimo disse...

Vou fazer eu uma interpretação do que DMurcho diz (ele saberá dizer exactamente o que pensa).

Havendo alguém que argumenta a favor do Criacionismo, pese os milhões de provas a favor do Evolucionismo (e resultados obtidos), que pretenda fazer disso profissão e, havendo alunos, que tendo acesso à informação, não sendo alvo de publicidade enganosa, estando cientes de tudo, mesmo assim queiram ouvir a argumentação, não vejo porquê de sermos nós (talvez parte maioritária da sociedade) a proibir. Penso que a ideia de regulamentação de DMurcho até vai no sentido de auxiliar uma melhor informação sobre o conhecimento científico actual e de uma integração saudável de fenómenos deste género (que sempre existirão). Outra coisa consiste no Criacionismo ser parte do currículo do 10º ano. Aqui não estou de acordo. Mas repare, também não estou de acordo com a inclusão do conceito de probabilidade no 1º ciclo. Todos nós temos opiniões sobre os currículos à luz da ciência actual e com quê que o Estado deve gastar dinheiro. Outra coisa é defender a caça às bruxas. Repare que as caças às bruxas não fizeram um especial bem ao progresso científico. Eu não quero proibir astrólogos. tal como Desidério, agrada-me a ideia de os regulamentar até por, sendo assim, ser mais difícil enganarem os meus filhos. Eles que argumentem o seu ponto de vista, defendam a Astrologia, etc. Isso não me importa nada desde que não imponham nada a ninguém. Eu também não imponho nada nas minhas aulas; tento convencer os alunos e penso ter melhores argumentos que os astrólogos. Mas quero que os ASTRÓLOGOS TENHAM DIREITO A EXISTIR na minha ideia de sociedade. O conteúdo do currículo escolar é um assunto lateral da discussão (a meu ver).

Anónimo disse...

Só mais uma coisa.
Noutras opiniões referi o carácter individual de cada caso. Imagine-se que se troca Criacionista por Assassino e Desmembrador (essa figura que se oferece sem impor para desmembrar e matar os seus clientes). Neste tipo de caso, confesso que tenho as maiores dúvidas quanto à regulamentação. As dúvidas aparecem com o carácter irreversível do acto. Se eu, num momento mau da minha vida, frequentar as aulas daquele entusiasta Criacionista, isso não impede que um dia mude de ideias. Mais, até consigo imaginar que, mais tarde, ache graça à experiência, a ter pensado nos argumentos, etc. Até pode ser que até me torne ainda mais adepto das provas pró-Evolucionismo. Mas se me cortarem um braço, matando-me depois, não vejo como possa beber um bom vinho e achar graça a isso mais tarde. Eis uma característica específica. Por isso, concordando com a forte preocupação que DMurcho mostra com a liberdade individual, posso discordar com a avaliação do colorido mais ou menos cinzento de uma situação.

Anónimo disse...

A versão 2 parece-me mais uma espécie de dialética aspectual wittgensteiniana ou uma heteronomia pessoana, em contraponto à versão 1. Dá muito jeito, para contrabalançar em relação à versão 1,relativamente heterodoxa.Tudo visto, parece, no entanto, que, quer na versão Vasco Gama 1, quer na Vasco Gama 2, há cientistas tolos.Depois, provavelmente haverá também os bons, no pressuposto de que não existirão apenas tolos.

Unknown disse...
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Unknown disse...
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Unknown disse...

Os cientistas são pessoas como as outras (imagino eu) e nessa ou noutra actividade haverá pessoas de todos os tipos, como noutras actividades profissionais (o acesso a essa actividade não é regida por condicionalismos morais ou de carácter ou ...). Embora de facto exista alguma especificidade porque em regra o trabalho é tornado público e, normalmente, é avaliado por outros colegas (e pelos empregadores). E a sua competência normalmente confina-se à área de que são especialistas, pelo que não deve ser descontextualizada.

(isto custou a sair)

Unknown disse...
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Anónimo disse...

Mais uma cruzada do Desidério contra a razão. Não admira. Desde que a Filosofia se tornou um diálogo de surdos que esta gente quer cada vez mais intrometer-se naquilo que não domina, naquilo de que nada sabe.

A cruzada dos tempos de hoje contra o pensamento racional e científico não vai ter fim e os Filósofos estão na linha da frente na reconquista de uma relevância perdida. Não é preciso relembrar a ninguém que esta gente passou séculos a defender que a terra é plana e que o sol gira à volta da terra, pois não?

Pois lá regressaremos um dia pela mão dos mesmos.

João disse...

http://cronicadaciencia.blogspot.pt/2012/11/nao-e-cientificismo-precisamos-mesmo-da.html

Unknown disse...

UM EXEMPLO DO QUE A CIÊNCIA PODE DIZER (o caso curioso dos T-Rex)

Há dias estava a ver um documentário sobre dinossauros. Gosto muito dos documentários de divulgação científica, ainda que procure ser crítico sobre o que dizem e às vezes dizem coisa muito disparatadas e este é um destes casos. Neste documentário apresentava-se um cientista que defendia uma teoria curiosa sobre os hábitos sociais da espécie designada por T-Rex, este documentário surgia na sequência de uma descoberta extraordinária de vários esqueletos fossilizados de T-Rex que se encontravam todos juntos. Na sequência desta descoberta o paleontólogo (americano) defendia com entusiasmo que aquela descoberta era uma evidência insofismável de que os referidos T-Rex caçavam em grupo pelo que seriam “apex predators” (o que em inglês é uma frase sonante que indica predadores no cimo da cadeia alimentar), pelos que os referidos animais seriam deviam possuir uma inteligência considerável, capaz de suportar um comportamento social complexo. Tecia ainda outras considerações que sustentavam a sua argumentação onde achava natural comparar o comportamento do T-Rex com outros grandes predadores africanos, como o leão.

À primeira vista isto pode não parecer totalmente disparatado para um espectador incauto, ou para um produtor de filmes, contudo, sendo eu apreciador deste género de “comédias”, vi outros documentários sobre assuntos similares onde a perspectiva sobre o T-Rex, normalmente eram defendidas por investigadores menos entusiastas, que defendiam que o T-Rex até devia ser um animal lento e pouco inteligente e que se devia tratar de um necrófago.

Esta disputa sobre o T-Rex não é em si significativa, mas ilustra os abusos especulativos, que alguns cientistas acham lícito fazer. Como é óbvio para uma pessoa com algumas reservas mentais (ie só com um dos pés atrás), imaginando nos dias de hoje, uma mortandade (para futura fossilização… ) englobando um grupo de crocodilos, ficando os cadáveres dos crocodilos soterrados em lema, e que um alguém (digamos um paleontólogo americano optimista) encontrasse os ossos fossilizados daqui a uns milhões de anos, porventura poderia ser tentado a concluir que os ditos crocodilos seriam predadores inteligentíssimos que caçavam em grupo e teriam um comportamento social muito complexo. Ele até podia dizer isso e acreditar nisso dependendo de pensar que as pessoas que lhe pagavam o seu trabalhos ficassem muito satisfeitas e eventualmente ainda poder fazer mais um bom dinheirinho com um documentário giro a passar nos canais temáticos sobre ciência por esse mundo fora. Isto não quer dizer que o cientista seja desonesto, tem apenas uma perspe ctiva optimista e também zela pelos seus interesses. A este respeito até é interessante constatar que se considerarmos as aves podemos ver que estas não têm nenhuma tendência para constituir grupos sociais complexos, embora formem bandos, um pouco como os ajuntamentos de crocodilos.

Unknown disse...

Para além deste pequeno exemplo há um grande número de coisas engraçadas que a pessoa comum (aqui pode incluir-se muito cientista ta também),afogeada pelo visionamento de centenas de filmes de ficção, tem como triviais, ou seja coisas que estão já ali,como que quase ao alcance da nossa mão, tais como o teleporte de pessoas, as viagens no tempo, o encontro (mais ou menos) fraterno do homem com extraterrestes inteligentes. A culpa não é tanto do desconhecimento ou da inegenuidade mas é muito mais de um optimismo inato ao ser humano, que o faz enfrentar o desconhecido com uma fé inquebrantável no que está para vir).

Unknown disse...

Outras coisa interessante é o facto de muitas das pessoas para as quais essas coisas (o teleporte de pessoas, as viagens no tempo, o óbvio encontro fraterno do homem com extraterrestes inteligentes, entre outras) estão já ali, são na maior parte ateias e têm como base a sua própria fé na ciência para justificarem a sua fé na inexistência de Deus.

Unknown disse...

João,

Gostava que um dia me explicasse porque razão se diz que o aquecimento global é antropogénico. Se não for uma questão de fé(claro).

maria disse...

a questão marijuana era um bom exemplo para moral políticas relativismo e economicismo . e tb para hipocrisia da ciência que produz valiuns e demais venenos.

Desidério Murcho disse...

Eu já expliquei como raciocinar correctamente nos casos do desmembramento ou da morte. Se eu quiser que me cortem um membro, ninguém tem nada a ver com isso. É a minha liberdade, e não prejudico ninguém.

Contudo, é razoável que se introduzam procedimentos que visem garantir que a minha decisão, por ser evidentemente irreversível, não é tomada de ânimo leve. Para me proteger da minha própria leviandade, é razoável que me seja exigido um período de reflexão, por exemplo; um exame médico, para garantir que não estou com alucinações ou perturbações mentais; etc. Contudo, findo este processo que visa proteger-me da minha própria leviandade, se eu insistir em tal coisa, uma sociedade que não mo permita é opressora e não livre.

Compare-se, já agora, o que se exige às pessoas para terem filhos: nada. Contudo, é também uma decisão irreversível. Se eu tiver um filho, nunca deixarei de ter um filho, com as responsabilidades que isso acarreta, a menos que o mate. Contudo, e apesar de neste caso a minha decisão, se for leviana, afectar negativamente outra pessoa -- o meu filho -- a sociedade está-se nas tintas.

Isto mostra o quê? Que herdámos estruturas sociais irracionais, que nada têm a ver com a defesa da liberdade e da harmonia social, e tudo com tribalismos sem sentido. Não admira, pois, que ao pensar cuidadosamente no que devemos fazer e como devemos legislar, os resultados da nossa reflexão não se harmonizem muito nem com os preconceitos das pessoas nem com as leis e práticas que realmente temos.

Desidério Murcho disse...

Quanto ao direito de alguém ensinar a outra pessoa o criacionismo, ou que a Terra é plana, tudo depende inteiramente de duas coisas: alguém que o quer ensinar e alguém que o quer aprender. Nada mais. Reunidas estas duas condições, impedi-lo é oprimir essas mesmas pessoas. Se pensarmos primeiro em adultos, isto é óbvio.

Se pensarmos depois em crianças, é agora mais fácil de ver o que é correcto fazer. Neste caso, as crianças não escolhem por si aprender X ou Y. Alguém escolhe por elas. É evidente que os seus próprios pais devem ter toda a liberdade de escolher a educação dos seus filhos. Defender que o estado tem o direito de interferir nessas escolhas é opressor.

Quem rejeita o que defendo é porque encara a escola como uma maneira de fazer pessoas iguais a si mesmos, por meio da educação. Eu oponho-me a isso, pois penso que isso é opressor, sendo completamente irrelevante se as pessoas iguais a mim mesmas acreditam que a Terra é redonda ou quadrada ou pentagonal. A liberdade de pensar o que se quiser é mais importante do que a vontade tribal irracional de fazer toda a gente igual a mim mesmo.

Anónimo disse...

«Contudo, findo este processo que visa proteger-me da minha própria leviandade, se eu insistir em tal coisa, uma sociedade que não mo permita é opressora e não livre.»

Percebo o ponto e também o que disse agora e anteriormente. Vou agora eu tentar passar a minha preocupação e o facto de, embora concordar com o pano de fundo da sua argumentação, este caso me parecer cinzento de mais. Imagine que em cada 10 pessoas que tentaram ser desmembradas e mortas e, por uma razão ou outra falharam, 7 se mostram hoje em dia arrependidas e felizes por não o terem conseguido. Não sei se será o rácio real de uma situação tão bizarra, mas considero-o plausível. Agora vou usar o seu véu de ignorância. Sendo eu uma pessoa numa sociedade que, a determinado momento, manifeste tal desejo, não faço ideia se vou calhar no grupo dos arrependidos ou não. Dado o carácter drástico da situação, uma sociedade proibitiva de desmembradores assassinos (sem imposição) protege-me mais do que outra. Digo em forma de argumento, não tenho grandes certezas mesmo neste caso bizarro. Ou seja, neste caso drástico, um carácter mais proibitivo não me parece incompatível com a sua ideia básica de colocação no lugar dos outros e véu de ignorância. A irreversíbilidade é de pensar (ainda que tenha usado o argumento interessante do nascimento, continuo a achar que os casos têm contornos diferentes na medida em que morte parece ser o fim e o nascimento ser parte do mundo dos vivos e do acto de viver). Mas vou passar para outras discussões. Concordo mesmo com o essencial do seu ponto de vista.

Quanto aos currículos, a questão não me parece de opressão, mas sim uma escolha de ordem prática. Parece-me prático que o Estado escolha para os currículos os temas científicos escolhidos pelo consenso científico. Se os astrólogos não entram nisso, não os querendo oprimir, querendo deixar livre escolha às pessoas, parece-me bem a sua regulamentação, profissão legítima, etc. (desde que não me chateiem). Mas, a meu ver, é possível defender-se a liberdade de escolha sem fazer parte dos currículos oficiais. Uma sociedade pode permitir a existência de pontos de vista diferentes, de forma digna, ficando todos satisfeitos (incluindo os próprios) sem inclusão em currículos oficiais. Normalmente o Judo não é curricular. No entanto, as pessoas admitem a sua bondade, colocam os filhos a aprender, a profissão é reconhecida e digna e estamos todos contentes com isso. A questão do conteúdo curricular parece-me outra discussão. Parece-me que esta discussão é sobre as pessoas terem direito a ser livres. A questão curricular é uma questão formal e é posterior a esta.

joão viegas disse...

Ola,

A falacia do Desidério continua a ser a mesma.

A educação é livre. A iniciativa privada também. Em Portugal, no Brasil, e em todos os paises democraticos. Se eu quiser educar as minhas filhas ensinando-lhes as bases do criacionismo, posso fazê-lo e posso também inscrevê-las à vontada num estabelecimento que ensine esta matéria (como posso inscrevê-las numa associação de pratica do ioga, ou leva-las à igreja do reino de deus). O que não posso é, a pretexto disso, subtrai-las à obrigação de seguirem os programas do ensino obrigatorio (o que podem fazer numa escola publica, numa escola privada, ou mesmo em casa).

Em todos os paises democraticos existe ensino publico obrigatorio. E em todos os paises democraticos, existem profissões regulamentadas, tais como as profissões médicas, que podem actuar em regime de monopolio, não porque se proiba as pessoas de optar por não recorrer aos préstimos desses profissionais ou de se socorrer de outros "serviços" ou expedientes, mas porque se considera fundamental que o Estado apoie, com dinheiros publicos, o fornecimento de bens essenciais como a saude, a educação, a segurança, etc. E a definição desses bens essenciais não é deixada ao critério de cada um, até porque o custo da sua disponilização pesa sobre todos. Isto é basico.

Não ha pois opressão nenhuma. O que se regula, com toda a legitimidade, é a possibilidade de pessoas privadas facultarem serviços publicos reclamando-se do interesse geral e colocando-se em alternativa aos serviços publicos existentes, nomeadamente quando exista o perigo de se enganar as pessoas, como se passa com quem se apresenta como médico sem ter as habilitações necessarias, ou com quem pretende substituir os programas do ensino publico por programas que não têm nenhuma base cientificamente aceitavel.

A argumentação do Desidério não traduz apenas ignorância grosseira das regras sociais e politicas. Resulta também de um sofisma supreendente por parte de quem afirma ter dedicado algum tempo a estudar filosofia moral.

Com efeito, o argumento resume-se a "é opressivo haver regras".

Ora bem, esta é de palmatoria : seria tão opressivo, ou mais ainda, NAO haver regras...

Boas

Anónimo disse...

O que me parece é que a questão resvala para o modelo de escola que queremos. Estando de acordo com a defesa da liberdade, depois temos de ver como se insere no modelo educacional que temos. O nosso sistema pré-universitário não tem autonomia curricular. Não sendo esse o nosso sistema, parece-me que os currículos devem ser elaborados por especialistas (como são) e, fatalmente, serão compatibilizados com o estado actual da ciência. Num sistema como o nosso, prefiro que os currículos de Filosofia sejam elaborados pelo Desidério (que trabalha no assunto e investiga há anos) do que por mim que mando uns palpites não fundamentados. Outra coisa consiste na autonomia curricular de instituições de ensino pré-universitárias. Se os currículos locais forem elaborados consensualmente por conselhos científicos haverá uma espécie de selecção natural para a ciência tal como é seu estado actual. É claro que poderá haver maior diversidade e situações como as que o Desidério defende que não vejo como um mal em si mesmo num sistema desse género (que, repito, não é o nosso). Aqui, será uma espécie de selecção natural que fará com que seja o evolucionismo a ser mais ensinado, por ter como base argumentos mais fortes. Não faço defesa de nenhum sistema em particular. Confesso que gosto de situações de diversidade de certo tipo. Nos EUA é possível um matemático, num campus universitário, ter 70% de conteúdos matemáticos e gastar os outros 30% em assuntos artísticos, históricos, etc. Embora não tenhamos actualmente estrutura nem instituições para isso, eu acho EXCELENTE. O sistema pode criar pessoas diferentes, argumentativas com mais bagagem cultural.

Desidério Murcho disse...

Concordo com o argumento empírico. Na verdade, parece-me a única maneira de argumentar a favor de medidas paternalistas. É o caso do cinto de segurança: é uma lei parva, mas empiricamente parece funcionar. As pessoas são tão parvas que a ameaça de uma multa tem mais efeitos para o bem de si mesmas do que a ameaça da morte.

Quanto ao ensino, sempre que temos centralismo temos uma luta pelo poder. E isso estraga tudo, até porque geralmente não ganha quem é realmente mais competente (eu nunca fiz e nunca farei programas de filosofia oficiais!), mas quem sabe mover-se nos corredores do poder. Contudo, a minha maneira de ver as coisas é bastante mais radical. Mesmo que me fosse oferecida a possibilidade de fazer os programas de filosofia, não sei se aceitaria tal coisa, pois sei que o consenso é impossível: pessoas tão qualificadas quanto eu discordam completamente do género de programa que eu faria para o ensino secundário. E isto acontece no caso das ciências também, e é por isso que muitos de nós discordamos com o que se ensina em matemática ou física, como se ensina e o que se avalia. Quando há estas discordâncias radicais, não há possibilidade de consenso. E aí o melhor é a liberdade para haver diferentes currículos. Caso contrário, andamos sempre nesta guerra a que assistimos em Portugal há anos.

Anónimo disse...

Sim, a questão do desmembrador era uma bizarria e a medida totalmente paternalista. Eu só quis arranjar um exemplo que desse mais que pensar do que o do astrólogo ou do criacionista (sobre os quais concordo consigo). O seu exemplo do cinto de segurança é melhor; eis um exemplo em que concordo com a imposição. Também concordo com a sua observação sobre a parvoíce das pessoas.

Finalmente, percebo-o bem quanto à questão dos corredores do poder. Não estou muito certo de que a total autonomia curricular pudesse funcionar em Portugal, no entanto, também não é óbvio para mim que os resultados fossem piores (não tenho receios tão vincados nem certezas tão grandes como muitos comentadores deste blog). Até acho que com autonomia total, os currículos tenderiam naturalmente para as visões actuais dos diversos ramos da ciência. No entanto, a estrutura económica do sistema levantaria enormes questões de ordem pratica. Seria uma discussão interessante. Só digo é que, havendo currículo oficial e determinado pelo Estado, prefiro que se ensine o «consenso possível» dos especialistas do que outra coisa qualquer. Se deixássemos a questão à selecção natural da liberdade total, a questão não se colocava.


Por mim, estou contente com esta discussão; ficaram frisados vários pontos de vista.

Obrigado e até à próxima

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação e...