terça-feira, 8 de março de 2011

A PRIMEIRA FLOR, O PRIMEIRO OVÁRIO


Crónica publicada no "Diário de Coimbra".

Que bela flor, ainda mais apetecível de dar e receber neste dia internacional da mulher. Inspire o seu perfume e mergulhe, brevemente, na história da vida que ela encerra.

Há pelo menos cerca de 130 milhões de anos (cretácio inferior) uma planta da espécie Archaefructus liaoningensis (ver aqui, aqui e aqui), cujo fóssil foi encontrado, em 1998, na província Chinesa de Liaoning, apresenta uma estrutura floral precursora das plantas modernas com flor: a internalização e protecção dos óvulos, ou células germinativas femininas, no interior da estrutura vegetal designada por carpelo. O ovário vegetal que se transformará no fruto.

Os paleobotânicos consideram a género Archaefructus presente nesse fóssil (actualmente conhecem-se três espécies extintas) a “mãe de todas as plantas com flor modernas” ou angiospérmicas, que hoje engloba cerca de 230 mil espécies por toda a biosfera. Aliás esta designação deriva das palavras gregas "angios" para "urna", e "sperma" para "semente". Por outras palavras é a antecâmara da semente encerrada num fruto.

Na evolução das angiospérmicas, a grande “inovação” da vida não foi tanto a modificação estrutural e funcional de folhas que se “converteram” em sépalas no cálice e em pétalas coloridas na corola, mas mais a modificação de uma incipiente folha numa túnica protectora do óvulo, que virá a dar origem ao ovário. Esta túnica foliar tornou o óvulo secreto e pudico, qual folha da videira a cobrir o ventre à Eva bíblica.

No Jardim Botânico da Universidade de Coimbra é possível observar, por esta altura do ano, exemplares de plantas gimnospérmicas (“gimnos" que significa “nu" em grego) que apresentam a descoberto os maiores óvulos do Reino Vegetal. São excelentes exemplares de Cyca revoluta, fósseis jurássicos vivos, que exemplificam o estado da arte da apresentação das células reprodutivas femininas antes da evolução para a flor.

Tanto quanto é possível saber hoje através dos registos fósseis, o primeiro ovário e as primeiras plantas com flor desenvolveram-se no paraíso do Cretáceo inferior (entre 145,5 a 99 milhões de anos atrás) no território que hoje é o continente asiático. A primeira flor desabrochou numa Terra repleta de dinossauros.

As flores hoje belas, perfumadas e delicadas, símbolos de emoções várias e muitas paixões, terão primeiramente funcionado como muralha protectora do precioso óvulo, contra a acção de besouros jurássicos, outros insectos e animais.

Acrescente-se de passagem que, após uma eventual fecundação, os óvulos darão origem a sementes e os ovários converter-se-ão em frutos mais ou menos suculentos, ou melhor, nutritivos para um potencial embrião.

Esta tendência protectora da célula germinativa feminina é uma constante da evolução da vida, iniciada primeiramente pelas plantas angiospérmicas e rimada sucessivamente pelos animais.

António Piedade

4 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Parabéns.
Este é também um artigo simples e claro, rigoroso e pedagógico. E muito belo.
Obrigado.

Anónimo disse...

Mais uma vez António Piedade nos transporta, a pretexto de factos da paleobiologia, a um registo quase poético do conhecimento da evolução. Ficamos assim intelectualmente muito mais ricos. Isto num mundo cada dia emocionalmente muito mais pobre.
Daniel de Sousa

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Natureza





Trago de horizontes, o ontem
e, quisera ondas à plangente!
Valer-me-ia, manhãs ao poente,
natureza qual d'amor mo contém.

Amar-te-ia... Oh' Deusa nua
e vos per lá, souberas ter
serias a par, nota e amanhecer,
eis que, generosa és lua.

És vaga na crista e que bela,
ascenderia ser só para ela
pedra em sal e, bruma ardentia;

chorastes lágrimas, ó mar
do luar que a saudade queria
e todo dia em sempre, sempre amar.

Anónimo disse...

Gostei muito da narrativa sobre a evolucao da flor nos primeiros angiospermas.Quase uma poesia. Um dia ainda quero visitar o J B de Coimbra. Joaquina Pires-O'Brien, ex-botanica brasileira residente na Inglaterra.

O corpo e a mente

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