quinta-feira, 17 de março de 2011

O Latim em finais dos anos quarenta

Numa altura em que as línguas e cultura clássicas são absolutamente residuais no Ensino Básico e Secundário em Portugal, fazemos um incursão por planos de estudo há muito reformulados.

Decorrente da Reforma de 1947, foi publicado, no ano seguinte, o documento Programas do Ensino Liceal, onde o Latim é assim justificado e caracterizado como disciplina fundamental:

"Sem atribuir ao estudo do latim vantagens extremas a ponto de o tomar como base de todo o ensino, mas sem o reduzir também a uma simples disciplina especulativa que se mantenha no plano dos estudos liceais apenas por transigência com a nossa tradição humanística, o programa de latim considera o ensino desta língua com o valor real que principalmente lhe advém:
a) Do seu elevado poder formativo;
b) Do facto de ser um instrumento informativo de alto valor para a inteligência do nosso idioma;
c) De ser um auxiliar da disciplina de História, e imprescindível para o estudo do Direito.

Tem, pois, o ensino do latim como objectivos:
a) O desenvolvimento mental dos alunos;
b) O conhecimento elementar da língua em si e como meio de aquisição de outros conhecimentos.

Deverá o professor evitar os processos didácticos que possam tornar este ensino, de boa ginástica intelectual que é, num estudo árido, mecânico, despido de interesse; antes procurará seguir uma didáctica apropriada e intuitiva, pela qual mostre, naturalmente, ao aluno o poder da clara concisão que resulta da síntese casual, a perfeita naturalidade e precisão de sentido que deriva da prefixação, e até da sufixação, e a lógica das construções e ordenações latinas, que se prestam a sugestivos exercícios de raciocínio justamente adequados ao momento intelectual dos alunos do 3.º ciclo.

Não quer isto dizer que se menospreze ou descure o ensino gramatical. O aprendizado da gramática é indispensável; mas cumpre ensiná-la tendo em vista que constitui apenas um meio de exercitar as faculdades intelectuais dos alunos e de os levar a adquirir a posse da língua escrita.

São, assim, rigorosamente proscritos os métodos passivos. A intuição e a indução devem constituir os processos predominantes; a dedução só poderá utilizar-se quando a regra se houver estabelecido por via indutiva.

Não deverá submeter-se o método de ensino desta língua à didáctica do ensino da língua pátria ou à didáctica das línguas vivas estrangeiras. A uma índole linguística e a um objectivo diferentes terão de corresponder processos pedagógicos diferentes. Assim, e sem contradição com o que acima se diz, a memória tem de tomar um papel importante na fixação das formas flexionais.

Tem-se verificado, efectivamente, que é vantajosa a mecanização do conhecimento da declinações, da enunciação dos termos verbais e, dentro de razoáveis limites, da conjugação de verbos, designadamente dos regulares.

Em geral, porém, o ensino deverá basear-se nos textos e, desde os preliminares, partir de exercícios, orais e escritos, de versão e retroversão, nos quais os alunos colaborem, quer directamente, actuando ora uns ora outros na resolução desses exercícios, quer indirectamente, registando nos cadernos as construções e regras latinas, induzidas tanto nas versões como retroversões que na aula vão efectuando.

Por outro lado, a circunstância de ser este ciclo já de cultura especializada com destino a determinados cursos superiores justifica o emprego de processos de ensino em que a auto-educação e a autodisciplina podem desempenhar a principal função. Por isso, a acção do professor não poderá confinar-se exclusivamente ao trabalho escolar realizado nas aulas. O seu labor pedagógico consistirá principalmente em orientar, verificar, corrigir, ampliar, e aperfeiçoar o trabalho que os alunos tenham executado fora da sala de aula, depois de o ter preparado com elucidação minuciosa relativa à utilização de instrumentos e meios de execução de tarefas distribuídas, dos planos de acção que cada uma comporta e das dificuldades de maior monta que para cada caso hajam de se vencer. Não menosprezará o professor tudo quanto possa contribuir para animar a iniciativa e desperta o gosto pelo esforço a realizar.

Referência completa:
- Programas do Ensino Liceal. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco, páginas 41-43.


Este texto continua aqui.

11 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Pequena sugestão: compare-se a correcção linguística, a clareza e rigor do enunciado neste texto programático do fim da primeira metade do século passado com o discurso, o conteúdo e adequação da linguagem de qualquer texto de qualquer programa, de qualquer disciplina, dos tempos que correm...

Para a Posteridade e mais Além disse...

Luscus Rex

invertidos todos os dados do problema legisla-se e devaneia-se no desespero fulminam-se coimas e panaceias educativas

voltemos ao Latim pois estamos seguros no passado

e avancemos no esperanto

com esperança em futuros linguísticos inexistentes

capacidade de latir -10 pontos
Els comentaris de seguiment s'enviaran a Barcelona

porque não os linguajares da península

ou reverter ao ibero?

Para a Posteridade e mais Além disse...

quan s'hagi aprovat el latin serà visible?

comentari da bello galico

Anónimo disse...

Dando de barato outras considerações não menos pertinentes e oportunamente abordáveis, põe-se liminarmente a questão de se indagar se, do ponto de vista do "elevado poder formativo" do ensino da língua latina, teriam sido padrões de boa conduta moral os seus insignes e consagrados prelectores de borla e de capelo, pois por eles deveria começar o bom efeito. Será que o legislador se emaranhou na destrinça a fazer entre o "moral" e o "mental", ao concluir que o latim contribui para "o desenvolvimento mental dos alunos"? Parece. JCN

Cisfranco disse...

Hoje, muita gente não sabe escrever e ao fazê-lo, transmite ideias que não são claras. Pode dever-se a várias causas, mas verifico que a ecrita daqueles que tiveram latim, é sem comparação mais escorreita, lógica e estruturada que dá gosto ler.

António Conceição disse...

Cisfranco põe o dedo na ferida.
Por um euro, comprei recentemente num alfarrabista um livrinho intitulado "Nossa Senhora no Tribunal dos Protestantes". É uma defesa banalíssima e conservadora do culto católico da Virgem Maria, da autoria de um humilde dominicano cujo nome a glória não fez questão de guardar. Foi publicado em 1961 e não se distingue pelas ideias que defende. Contudo, está escrito com uma limpidez, uma clareza, uma perfeição estrutural que hoje em dia já são invulgares. Há a base latina naquela escrita e o seu discurso cristalino reflecte isso mesmo. Agora o problema, o grande problema, é que para se reconhecer a importância absolutamente fundamental do latim é preciso uma coisa: saber latim. Quem o não sabe, não consegue perceber esta evidência. Menos ainda, quando à ignorância junta - como é típico - a arrogância própria dos estultos.

Anónimo disse...

Haverá melhor exemplo... de estultícia JCN

Anónimo disse...

Será que é só "hoje"... que "muita gente não sabe escrever"?

Anónimo disse...

É de se lhe tirar o chapéu... a sardónica apologia que Mestre Aquilino um dia fez do seu latim/latão, pelo qual aparou o seu impagável aparo! JCN

O Eleitorado Morre Mas Não Se Rende disse...

a ecrita daqueles que tiveram latim...

muito bem ecrito

tendo em conta que gramaticalmente as regras são diversas da língua em que esta gente escreve

é uma afirmação estúpida

até porque são raros aqueles que conseguem ler escorreitamente textos latinos
apesar de terem ...enfim não vale a pena gastar tempo

Dizia Agostinho de Campos em 1917
Quem assim soube remodelar a antiquíssima e universal toadilha de que o estudo do grego e do latim, revela ipso facto uma capacidade de escrever fluentemente na língua lusa, revela como eu disse ao meu velho amigo o Coronel Corrêa Pinto, um desconhecimento destas línguas

Cisfranco disse...

Tanto garatujar para dizer concreta e precisamente o quê? Não se sabe bem, apenas parece dar a entender.
É como o gato, mia, mia, mas o que é que ele quer?

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