segunda-feira, 14 de março de 2011

NEURÓNIOS & COMPANHIA: A GLIA DE EINSTEIN!


A minha crónica semanal no "Diário de Coimbra".

É do conhecimento comum que o sistema nervoso, o cérebro e sistemas de outros órgãos e tecidos que estão neste momento a processar a informação que está a ler nestas linhas, é constituído por centenas de biliões de neurónios, células eficientemente especializadas na tarefa de receber, processar e transmitir informação de e para milhares de outros neurónios.

A ideia da centralidade neuronal na função cerebral é pelo menos centenária. As famosas e pioneiras ilustrações da realidade microscópica do cérebro, efectuadas pelo neurocientista espanhol e laureado Nobel, Santiago Ramon e Cajal (1852 – 1934), apresentam essencialmente diversos tipos de neurónios. Muitas dessas ilustrações, saídas da pena artística daquele que muitos consideram o pai da neurociência moderna, continuam a ser utilizadas em aulas, livros e artigos científicos, para ilustrar quer a diversa estrutura neuronal quer a filigrana arquitectura das redes que estabelecem.

Nas últimas décadas, os avanços verificados nas neurociências, nas tecnologias de visualização histológicas (tecidos e células) e imagiologias funcionais (ressonâncias magnéticas, por exemplo), têm permitido aos especialistas considerarem a centralidade neuronal das funções cerebrais como uma imagem incompleta da realidade do sistema nervoso.

Nova e crescente atenção tem sido dada a outras células, que sempre existiram nos tecidos nervosos: as células da glia. A sua função foi durante muito tempo considerada como “só” de suporte, protecção e nutrição dos neurónios. O próprio nome “glia” deriva do nome grego para “cola”, denotando a ideia de que as células da glia sejam blocos de suporte e de adesão celular na fina arquitectura dos edifícios cerebral e restante sistema nervoso. A propósito, refira-se que Ramon e Cajal também desenhou células da glia como se pode ver na imagem ao lado.

Por cada neurónio existem em média cerca de dez células da glia! Assim, se o número de neurónios num cérebro é astronómico, o número de células da glia será de uma grandeza cósmica!

Curiosamente, reanálises anatómicas e histológicas recentes do cérebro de Einstein revelaram, para além de diversas peculiaridades anatómicas (alteração no Sulco de Sílvio, entre outras estruturas), a existência de uma maior percentagem significativa de células da glia, em comparação com a de cérebros de outras pessoas (anónimas e aparentemente menos inteligentes) com idade aproximada à da morte de Einstein (64 anos). Independente de outras funções, isto indicaria haver um maior número de células da glia a nutrir e a cuidar os neurónios do último gigante da ciência.

Recentemente, revistas científicas de referência como a Nature e a Science, mais generalistas como a Scientific Americam ou de especialidade nesta área como o European Journal of Neuroscience, incluindo a própria Sociedade Internacional de Neurociências, têm vindo a reunir e sistematizar o conhecimento entretanto acumulado sobre o papel das células da glia na actividade do sistema nervoso: de “simples cuidadodoras” dos neurónios, para modeladoras da actividade neuronal e mesmo parte integrante da solução da equação “receber, integrar, decidir e transmitir uma dada informação”.

De cuidadoras para decisoras em algumas acções, as células da glia “dizem-nos” que há um outro cérebro para além dos neurónios.


Nesta Semana Internacional do Cérebro, se tiver oportunidade de falar com um neurocientista, não hesite em lhe perguntar sobre as células da glia. Há um mundo novo a descobrir dentro de si.
(continua)

António Piedade

8 comentários:

Anónimo disse...

Interessantíssimo - não tenho cultura para expandir o meu comentário, mas a curiosidade é um dos meus muito queridos deslumbramentos, e estas "Glias" prometem. E nunca é demais agradecer a estes "amigos" cientistas que nos mostram estas novidades.
HR

The Mother of Mothra of ALL Bubbles disse...

são os neo-lombrosos de volta?

António Conceição disse...

E se eu falo com o tal neurocientista que refere e descubro que tenho poucas células da glia?

Anónimo disse...

A ciência e a poesia,
ao seu jeito cada qual,
têm a mesma moradia
no tecido cerebral!

JCN

Anónimo disse...

É no cérebro que está
todo o nosso sentimento,
que ninguém duvidará
ser irmão do pensamento!

JCN

Anónimo disse...

Não tenho dúvida agora
de possuir mais neurónios
do que as estrelas que os nónios
vão descobrindo hora a hora
por esses espaços fora!

JCN

Anónimo disse...

Olá António,
Li o escrito e gostaria de perguntar se teria uma indicação de bibliografia ou bibliografias que trazem os dados "Por cada neurónio existem em média cerca de dez células da glia".

Obrigada

António Piedade disse...

Cara Anónima de 25 de Outubro de 2011.
Só hoje vi o seu comentário. Queira enviar-me um email a identificar-se e eu enviar-lhe-ei a fonte com todo o gosto. Depois publicar-la-ei aqui.

Muito Obrigado

António

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