domingo, 27 de março de 2011

"O ACTOR" de HERBERTO HELDER


No Dia Mundial do Teatro mão amiga mandou-nos o poema "O Actor" de Herberto Hélder:

O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor pôe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.

Herberto Hélder

11 comentários:

Anónimo disse...

Em resumo: o actor é um faz-tudo! Onde... a Poesia? JCN

Anónimo disse...

A Poesia, em qualquer das suas modalidades, quer-se curta e densa. JCN

Anónimo disse...

É em "estado de graça" que fico sempre que leio Herberto Helder. É ainda mais que isso, nunca terei a palavra suficiente para a poesia deste homem.
HR

Anónimo disse...

Por que não recorre a um bom dicionário, onde com certeza encontrará a tal "palavra suficiente"? JCN

Anónimo disse...

Essa do "estado de graça" não deixa de ser... engraçada! JCN

Anónimo disse...

O poeta quando passa
determinada fronteira
não só perde toda a graça
como cai na piroseira!

JCN

Anónimo disse...

lamento o entusiasmo com que muitos dos meus colegas acolhem este poema verborreico, de um literato que não percebeu de todo o que é representar. josé henrique neto

Maria Lúcia disse...

Cobardia... é a atitude de comentar como anónimo. Nem toda a poesia tem que ter rima, basta expressar o sentir e saber interiorizar o que se lê. Para mim Herberto Helder é um grande dos grandes poetas....muito profunda a sua poesia ...muito forte ....há que saber lo interpretar e dizer.

Unknown disse...

Partilho inteiramente! Infelizes os comentários anónimos que só revelam a própria limitação de de seres

Unknown disse...

Um grande poema de um grande poeta, quem não gosta não lê, tão simples.

Unknown disse...

Perdão não me identifiquei, sou Victor Santos e sim gosto de ler Herberto Helder.

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...