sexta-feira, 18 de março de 2011
Sobre o estado da ciência em Portugal
Minhas declarações ao sítio da Fundação Francisco Manuel dos Santos, editora do meu recente livro "A Ciência em Portugal", sobre o qual hoje vai haver um debate no Corte Inglês em Lisboa pelas 19 horas, com Nuno Crato e João Caraça:
P- A evolução da Ciência, em Portugal, nestas últimas décadas, foi favorável ou desfavorável à organização e à função das Universidades?
R- Pode sê-lo mais ou menos, mas tudo o que for feito a favor da ciência é a favor das universidades, pois que pelo menos desde Humboldt que Universidade e ciência estão intimamente ligados. Em Portugal, nas últimas décadas, a ciência cresceu muito. Cresceu dentro e fora das Universidades. Estas lucraram com esse crescimento interno e externo. Contudo, na minha opinião, boa parte do que cresceu fora, em associações privadas sem fins lucrativos, podia ter crescido dentro ou mais próximo das Universidades. Temos actualmente um sistema um pouco sui generis, se olharmos para a Europa, em que as Universidades estão um pouco limitadas na definição e prosseguimento de políticas activas de investigação. Em que as Universidades se queixam e com razão que os investimentos no ensino superior não têm tido a mesma dimensão que os investimentos na ciência. A questão tem de ser resolvida e não vejo solução que não passe pelo reforço do papel das universidades, pois é lá que está a maior parte dos nossos cérebros. Não vejo vantagens nem para os cientistas nem para a ciência que haja um seu desdobramento permanente em diversas instâncias.
P- Em que medida o desenvolvimento das instituições científicas públicas tem sido feito em colaboração directa com as empresas privadas?
R- O investimento em ciência e tecnologia aqui como em qualquer parte do mundo mais desenvolvido é público e privado. Havia aqui uma grande distorção a favor do sector público, mas nos últimos tempos o sector privado cresceu e passou a ser maioritário, como acontece noutros lados que nos devem servir de exemplo. O processo é, porém, muito recente e não está suficientemente consolidado. Receio, aliás, que esse crescimento do investimento em ciência e tecnologia no sector privado esteja a ser em grande parte subsidiado pelo sector público. Apesar de haver alguns sinais de algumas empresas que se apoiam em trabalho de investigação (o crescimento de algumas startups é notável!) muito ainda há a fazer nessa área. Numerosos empresários portugueses, de formação reduzida, são imediatistas e não vêem as vantagens a prazo do investimento na produção de saber. Não compreenderam que a economia moderna, por vezes chamada economia do conhecimento, depende criticamente da inovação conseguida em processos de base científico-tecnológica. A actual crise económica não ajuda nada, mas vamos esperar que ela seja ultrapassada, desejando que não tenha reflexos negativos no esforço nacional que tem sido feito em favor da ciência e da sua ligação à economia.
P- É verdade ou errado que um número excessivo de cientistas portugueses, após o período de formação e especialização, em Portugal ou no estrangeiro, acabam por ir trabalhar para outros países?
R- A ciência e a tecnologia são empreendimentos à escala planetária. Neste domínio, como acontece noutras, há oferta e procura num mercado global. Sempre houve cientistas portugueses que emigraram provisória ou definitivamente, isto é, a nossa diáspora é também científica. Hoje continua a haver cérebros que saem, o que é inevitável. Também há cérebros que entram, isto é, a ciência que se faz está cada vez mais internacionalizada. Há que fazer tudo o que for possível para desincentivar a fuga de cérebros de cá e incentivar a fuga de cérebros para cá. As últimas notícias, ligadas à crise económica, não são animadoras. Muitos jovens queixam-se e com razão da falta de oportunidades. Está a ser preciso fomentar o emprego científico cá, fixar mais pessoas altamente qualificadas que são necessárias para o nosso desenvolvimento. As universidades têm um corpo docente envelhecido e é necessário que apostem nos jovens. Oxalá o governo ajude.
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2 comentários:
Nem de propósito. Comprei o livro esta tarde!!!!
Maria
cit; "A questão tem de ser resolvida e não vejo solução que não passe pelo reforço do papel das universidades, pois é lá que está a maior parte dos nossos cérebros."
Está muito bem, que escrevam livros sobre a state os art da ciência em Portugal. No entanto, como cientista que sou (Ciências da Saúde)não concordo, nem me revejo na citação supta mencionada!
As Universidades em Portugal, não possuiem "cerebros" no sentido de "brights", possuiem sim individu@s acomodad@s a um pseudo estatuto de qualquer coisa que é 1 réplica de tempos idos. A Universidade devia ser o Atrio para o exercicio o livre pensamento, no entanto a experiência demonstra e evidencia precisamente o contrário, ou seja, existem demasiadas posições tendenciosas e pouco criteriosas, além disto o factor da criatividade é práticamente nulo nas Univs em PT.
A Ciência e os Cientistas não têm por que estar inseridos dentro do meio académico, a ciência é um valor e propósito social abrangente, que produz essencialmente bem estar e qualidade de vida para os cidadã@s, neste sentido a ciência deverá cada vez mais desvincular a sua prática do meio universitário, por vários motivos, entre os quais os seguintes;
A Ciência é que sustenta epistemologicamente as Univs e não o inverso, neste sentido as Univs são "slaves" e a Ciência "masters".
As Univs não podem nem devem controlar a produção cientifica, dado que a mesma deve ser praticada na ausencia de crenças e dominios de qualquer tipologia, priniciplamente das ideologias que se "verificam" dentro dos limites dos interesses das Univs, que é servirem-se do capital humano cientifico ( mal pago...) para se destacarem no mercado transnacional com base em méritos sobre um trabalho que na verdade é o resultado elaborado e atento d@s cientist@s e não das Univs (organizações inertes).
Muitos outros motivos para que se promova a devida e necessária autonomia da Ciência perante as Univs, poderiam aqui ser evidenciadas e evocadas com os respectivos fundamentos, mas talvez não seja este o local apropriado poara o efeito, no entanto uma ultima noção para melhor compreensão da temática;
As Univs são governadas por individu@s com tendencias naturais à sa coligação com determinadas ideologias o que permite a replicação de condutas e práticas não imparciais... perante os interesses globais da sociedade!
A Ciência tem como base e fundamento a democracia neutra e o amor à Humanidade, daí que a Ciência responda a interesses elegitimos sobre as problemáticas sociais emergentes e em mutação. Todo o seu exercicio está focalizado na resolução desinteressada dos problemas da Humanidade e por esta via alcançar o progresso Humano.
Perante estes factos, resiste uma ultima questão:
O que é que as Univs têm para oferecer à Ciência?
No meu entendimento a resposta é Nada, antes o contrário a Ciência pode e deve aportar o seu conhecimento para fomentar a qualidade do ensino praticado nas Univs.
Assim, a Ciência deverá ser sempre uma actividade independente e livre, pois é essa a sua verdadeira essência, espirito Livre e Independente para um Futuro Avançado em todos os Sentidos!!
Obrigada.
Maria
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