segunda-feira, 21 de março de 2011

O POEMA ENSINA A RESISTIR

Hoje é Dia Mundial da Poesia 2011. Texto, a propósito, recebido de Elsa Ligeiro, editora de poesia ("Alma Azul"):

A 21 de Março celebra-se o Dia Mundial da Poesia. A UNESCO, em 1999, para preservar a diversidade Linguística da Humanidade, decidiu criar um Dia que servisse para reflectir a identidade dos povos a partir da sua Língua.

Portugal já o faz há algumas décadas porque o dia da sua identidade multicultural, 10 de Junho, é também o do maior poeta de Língua Portuguesa: Luís Vaz de Camões. Por Portugal ser um país de Poetas? Sim, penso que este lugar-comum tem mais profundidade do que aparenta. Mas não pela versão popular que há em cada português um lírico.

A Poesia, ao contrário do que pensam muitos, não é um jeito especial para a rima. Há grandes poetas que não só rejeitam a rima, como insistem em fugir à sua música. Apenas porque o que procuram acima de qualquer toque de prazer, ou beleza, é a verdade sublime das coisas.

A procura da verdade, do saber, é o primado da poesia. Mas também ir ao fundo, mais fundo, da identidade humana e social. O que é ser humano. Qual o nosso limite para nos conhecermos e nos relacionarmos com os outros. Porque amamos e odiamos. Porque somos altruístas e vingativos. Porque nos transcendemos na paixão e nos suicidamos no desespero. Porque toleramos ditadores e fazemos revoluções. Sei que todas as ciências sociais têm uma, ou duas, destas preocupações humanas para resolver. A Poesia e a Filosofia têm-nas no seu conjunto. Mas enquanto a Filosofia procura o ontológico para pensar o mundo, a poesia ousa fazê-lo a partir de dentro (há quem goste do coração como metáfora). De dentro, e do mais profundo poço da razão, do amor e do ódio que é possível ao que é humano.

É por isso (e só por isso) que a poesia exige esforço e empenhamento de todos os sentidos. A quem a escreve e a quem a lê. Eduardo Lourenço lembra-nos que:

“a Poesia – quer dizer a longa trama dos poemas onde a humanidade a si mesma se construiu, a única Arca de Noé que sobrevive a todos os dilúvios – não é a nossa maneira de nos evadirmos do que somos, mas de nos apercebermos de quem verdadeiramente somos. É uma barca de palavras, mas tem o poder de transfigurar o que é opaco e não humano naquela realidade que tem um sol no meio e chamamos vida, a nossa vida, a nossa única vida”.

Se hoje, ao olharmos para um livro de poesia, fino, pequeno, reduzido ao essencial; este não tem a força de nos interpelar, é porque o poder nos vigia e ameaça. Com o peso das palavras que transformam a linguagem e a comunicação num palavreado demagógico com que esse poder insiste em confirmar a sua (pouca) importância. Não será este o momento certo para perguntar se não nos condenaram já à pena capital do medo? Como a seu tempo nos avisou, com a sua habitual lucidez, o poeta Alexandre O’Neill, no seu Poema pouco original do medo.

Elsa Ligeiro

8 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Enfim, a leitura deste texto fez-me lembrar um ditado de um velho da minha aldeia:
- "Pãos ou pães, questão de opiniães"
Acaso, a rima e a musicalidade em Camões diminuem (em) alguma coisa tudo aquilo que a autora define como essencial na poesia?
E as quadras "analfabetas" de António Aleixo?
Agora, a poesia não é só nem principalmente rima, como hei-de dizer, não é falar de mau e de bacalhau, e renhaunhau renhaunhau... Por isso é que Portugal não é, em minha opinião, um país de poetas. Mas é um país com muitos bons poetas, felizmente.
Mas gosto do excerto de Eduardo Lourenço.
Quanto ao mais, "coma" cada um do que gostar, se puder. E em matéria de poesia, pode(-se).

Anónimo disse...

Falando de Poesia e de Filosofia, o que é concretamente "partir de dentro" ou, por oposição, "partir de fora"? Onde é que se situa o "ontológico" ou o "poético"? Será que a Poesia, rimada ou musicada, não é estruturalmente uma actividade do tecido cerebral? A Poesia não se explica; faz-se e sente-se! O resto... são cantigas de arroz pardo, como gostava de dizer o grande Aquilino. JCN

Anónimo disse...

POESIA... QUE É?

Poesia é liberdade, amor, é tudo
o que do chão liberta o ser humano,
Poesia, se de todo não me engano,
é mais questão de engenho que de estudo.

Poesia é dor, é sentimento, é luz
que vivifica a opaca natureza
e da matéria vil, que não se preza,
extrai o diamante que reluz.

Poesia é condição de santidade
que só conhece, em termos de expressão,
a linguagem pura da verdade.

Que Deus me deixe, at
e ao fim da vida,
curtir e albergar no coração
o dom da Poesia... assim sentida!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

Quem credenciou Eduardo Lourenço para pontificar nesta matéria? Acaso ele é... Poeta? JCN

Anónimo disse...

Corrijo, no 2º verso, a gralha "liberta" por "levanta" e, no 12º, acerto a linha, que passa a ser:

Que Deus me deixe, até ao fim da vida,

JCN

Anónimo disse...

POETAS

Só Deus os faz, só Deus e a Natureza,
só Deus faz os Poetas, essa raça
de Orfeus discriminados pela graça
de terem um lugar à sua mesa!

Submissos ou rebeldes, desde o berço
trazem consigo o estigma dos eleitos,
cabendo-lhes, a todos os respeitos,
questionar o Homem no universo.

Essa missão, permitam-me dizê-lo,
não flui por inerência do capelo
pela Universidade conferido.

Os lentes, de saber reconhecido,
fazem juristas, médicos, estetas,
o que jamais fizeram... foi Poetas!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

PÓS-MODERNIDADE

Tudo está dito à face do universo
de modo insuperável desde Homero
que poeta nenhum com mais esmero
as emoções humanas pôs em verso.

Independentemente dos países,
das línguas e das métricas usadas,
todas as formas de expressão tentadas
nem perto estão das radicais matrizes.

Na própria Roma e no Renascimento,
de Vergílio a Camões, Petrarca e Dante,
nada mais foi que emulação constante.

Na pós-modernidade, é o momento
de, como faz a abelha, recolher
de cada flor o que melhor houver!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

POETICIDADE

Por este andar decerto não demora
a cada vez haver menos leitores
das produções poéticas de agora
e seus correspondentes editores.

Não é questão de falta de cultura
seguramente nem sabedoria,
mas uma vocação da criatura
para dar forma à voz da Poesia.

Palavras, só palavras sem sentido
em frases que não dá para entender
e muito menos se reter no ouvido,

há que reconhecer que, na verdade,
chamar-lhes poesia... é não saber
em que consiste... a poeticidade!

JOÃO DE CASTRO NUNES

"O PODER DA LITERATURA". UMA HISTÓRIA, UM LIVRO

Talvez haja quem se recorde de, nos anos oitenta do passado século, certa professora, chamada Maria do Carmo Vieira, e os seus alunos do 11....