quinta-feira, 17 de março de 2011

COIMBRA REINVENTADA


Meu artigo de opinião saído hoje na revista "C" (na imagem a Penitenciária de Coimbra, lugar que propus para reinventar a cidade):

Num fim de semana recente participei na segunda noite Pecha Kucha de Coimbra (as palavras japonesas significam "som da conversa") no fantástico cenário do Mosteiro de Santa Clara a Velha, aberto à noite especialmente para o evento. As regras eram simples, embora difíceis de cumprir: cada orador apresentava um total de 20 slides, tendo 20 segundos para cada um. O tema geral que a organização propôs foi Reinventar a Cidade.

Ora aí está uma excelente ideia: Reinventar a cidade. As cidades, em particular mais antigas como Coimbra, precisam hoje de se reinventar. Pertenço ao número, cada vez maior, daqueles que pensam que é através da cultura que Coimbra pode e deve ser reinventada. E, naquela noite, num cenário surpreendente por um lugar de ruínas medievais ter sido reinventado noutro de criação artística, Coimbra mostrou a cultura rica e variada que nela se faz: desde os designers já premiados internacionalmente como João Bicker até aos arquitectos cada vez mais reconhecidos como João Mendes Ribeiro passando por fotógrafos como Pedro Medeiros e cineastas como António Ferreira (a propósito de arquitectura e de fotografia, na mesma noite abriam duas novas exposições no Centro de Artes Visuais, no Pátio da Inquisição). E tudo isto se passava no final da Semana Cultural da Universidade, cujo mote era precisamente o mesmo da noite Pecha Kucha, convocando habitantes e forasteiros a imaginarem uma nova urbanidade.

Coimbra é um verdadeiro paradoxo. Por um lado alberga alguns dos artistas mais “reinventivos” do país, por outro lado é ainda vista, principalmente de fora, como um sítio onde não se passa nada, um sítio mais da tradição do que da inovação. Não tem conseguido, culpa de uns e de outros, dar uma imagem contemporânea de si própria (embora mais de uns do que de outros, decerto mais da cidade, colada a uma cultura velha e relha, do que da Universidade, que vai tendo sobressaltos de cultura). A solução para o paradoxo, que está à vista para quem a queira ver, consiste em casar, de modo criativo, o antigo e o moderno: foi o que se fez com a reconstrução do Mosteiro de Santa Clara a Velha (ou do edifício que foi da Inquisição). E é também o que fez no Laboratório Chimico pombalino e o Museu de Ciência no Colégio de Jesus.

Na noite Pecha Kucha apresentei a Casa da Livraria, vulgo a Biblioteca Joanina, a construção que reinventou Coimbra em 1727. Procurei nos últimos anos reinventá-la com o restauro, digitalização e publicitação dos acervos, a abertura de novos espaços com exposições de design moderno e o uso de ciências e tecnologias (sensores de monitorização ambiental, detecção dos morcegos por ultra-sons, análise microscópica de fungos). Mas, acima de tudo, propus, com a indiferença de uns e a adesão de outros, que se pensasse uma nova Casa da Livraria, uma Casa do Conhecimento que possa ser para o século XXI aquilo que a Biblioteca Joanina foi para o século XVIII. Tal como outrora a nova Casa foi erguida sobre uma prisão em quase ruína, também hoje existe uma penitenciária em processo de degradação, onde se pode erguer um novo espaço dos livros, onde se pode reinventar a cidade. No edifício salazarista da Biblioteca Geral está patente, no quadro da Semana Cultural, uma exposição sobre a Biblioteca e a Cidade, comissariada pelo arquitecto Rui Lobo, que permite ao visitante perceber como o génio arquitectónico é capaz de reinventar uma cidade que queira apostar na cultura. Coimbra quer?

1 comentário:

José Batista da Ascenção disse...

Que bela ideia, a de transformar a velha penitenciária numa enorme, actual e actualizada, biblioteca. Coimbra bem merecia!
E pelos vistos precisa, seriamente...
Assim mesmo, nos meus tempos de estudante, passei algumas horas na sala da biblioteca geral, a estudar ou a ler livros que a minha magra carteira não me permitia comprar, e ganhei afecto por aquela sala e por aquele edifício. Por isso não me soa bem que lhe chamem "edifício salazarista". Tomara eu que houvesse pelo país mais edifícios com a função e a utilidade daquele, em vez de tantas obras modernaças que nos consumiram os meios e atentam contra os mais modestos conceitos estéticos e funcionais...
Só um pequeno e simples exemplo da "razão" que me assiste: naquele espaço li de enfiada um livrinho de Mário Zambujal, intitulado "Crónica dos Bons Malandros", apenas com as interrupções necessárias para vir cá fora dar alívio à vontade irreprimível de rir.
E veja-se, eu, que, em matéria de saudades, apenas as sinto de amanhã, se me metem Coimbra pelo meio, confesso coisas assim...

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