segunda-feira, 21 de março de 2011

NEURÓNIO & COMPANHIA: PARA ALÉM DO NEURÓNIO.



Minha crónica semanal no "Diário de Coimbra".

Todos os órgãos e sistemas de órgãos que, em conjunto, organizam e compõem o nosso corpo são constituídos por diversos tipos de tecidos de células. Algumas células são específicas desse órgão, ou seja, encontram-se nele maioritariamente no organismo, outras são mais generalistas encontrando-se em vários tecidos e órgãos diferentes.

Por isso não é de estranhar que outro tipo de células que não só os neurónios co-existam nos vários órgãos do sistema nervoso, como sejam as diversas estruturas encefálicas, da medula espinal, dos que enervam músculos e outros órgãos como a pele e, entre outros, os específicos aos sentidos ou à percepção sensorial do que nos envolve.

Na semana passada indicou-se a crescente atenção que os neurocientistas e neurobiólogos têm vindo a dedicar a um conjunto de células, genericamente designado por células da glia ou só glia. Como se disse, glia deriva da palavra grega para cola. Esta ideia de que a glia era a "cola" que mantinha os neurónios plasticamente "unidos" e de que era essa a sua principal função no sistema nervoso vigorou durante muito tempo.


As células da glia foram primeiramente “notadas” entre neurónios de moluscos, em 1824, pelo médico francês Rene Dutrochet. Mas o seu baptismo ocorreu em 1856, pelo “pai” da patologia moderna e da medicina social, o alemão Rudolf Virchow (1821 – 1902), numa procura dirigida exactamente para a identificação de qual seria o tecido conectivo, não celular, no cérebro.

Quase principescamente, as funções de inteligência e outras associadas antropocentricamente ao género Homo, centralizaram-se num único tipo de célula do tecido nervoso e essa célula foi o neurónio. A glia seria a argamassa viva que matinha os neurónios nas suas apropriadas posições funcionais, nos seus recantos processuais, na centralidade da nossa identidade.

Dissipar os processos envolvidos no pensamento, no sonho, na consciência, entre outras habilidades cerebrais, por mais do que um tipo de células seria, por ventura, fixar a excelsa unicidade do pensamento humano numa matriz de base orgânica, fisicamente tangível como quaisquer outros tecidos do organismo, esses sim, como por exemplo o muscular, feitos de vários blocos construtores, porque mais mecânicos e animais.

Aliás, estabelecer uma base histológica, fisiológica, física, material, para o pensamento e para a consciência ainda hoje é, por si só, assunto de pudor controverso, apesar das inúmeras e crescentes evidências que as imagiologias cerebrais funcionais tem dado ao cérebro que é, simultaneamente, o observador e o observado.

Assim, é compreensível que, durante a infância das neurociências, as células neuronais fossem as únicas consideradas e dotadas com a capacidade de receber, processar e transmitir informação, comunicar com outros neurónios através da síntese e libertação de moléculas especificas à essa sua função, os neurotransmissores, para e de espaços delimitados pelas membranas sinápticas neuronais.

Às células da glia cabiam (e “chegavam”) as funções de suporte físico; de regulação e “fiscalização” do ambiente nas vizinhanças neuronais, no fluido que envolve e banha os neurónios; de “construção” de vias de aceleração da transmissão do impulso nervosos através da síntese de bainhas isolantes ao longo dos axónios neuronais; de nutrição e “limpeza”, especialmente nas terminações sinápticas e detríticas, locais de grande actividade e consumo energético, de elevado “trânsito” de moléculas e iões, fluxo físico de informação em sucessivas vagas de “hora de ponta biomolecular”; de protecção contra agentes patogénicos que por ventura atentem contra os neurónios; entre outras e hoje conhecidas funções.

Hoje sabe-se que as células da glia possuem outras e excitantes funções para além destas.

Quais? (brevemente numa crónica perto de si)

António Piedade

2 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado, é muito bom que alguém partilhe este tipo de conhecimento com todos os que gostam de aprender
Isabel Santos

Mendes disse...

Como interessado nestas matérias (esperamos que, um dia, profissional), agradeço este post. Há algo nisto de passar um impulso eléctrico e uma ideia brilhante aparecer que me fascina.

Espero que esta quebra no paradigma sobre o local onde se desenvolve o pensamento humano permita perceber melhor como é que este fenómeno se processa (ou talvez ja se sabe e seja só ignorância minha, o que, admito, é bastante provável - nesse caso peço que me esclareçam).
Fico à espera da tal crónica.

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