O cargo de "governador civil" é um fóssil vivo no sistema político português. O nome é, ele próprio, um fóssil, pois não há um "governador militar" perto dele. Remontando ao século XIX (mais precisamente ao tempo do pós-guerras liberais, em 1835), o posto de governador civil destinava-se à representação local e imediata do governo em cada distrito no tempo em que não havia as comunicações de hoje. Não havia telefones, nem faxes, nem Internet, nem auto-estradas, nem caminhos de ferro, nem aeroportos. O governador civil tem vindo, ao longo dos anos, a perder funções, sendo hoje apenas um representante não do governo como um todo(muitos ministérios têm hoje aliás representações regionais), mas apenas do ministro da administração interna, com competências muito restritas. Basicamente, não serve para nada. Eu só fui ao governo civil duas vezes em toda a minha vida para tratar de passaportes (assunto que, por qualquer razão, não é tratado pela mesma repartição que trata do BI).
Então, perguntará o leitor mais racional (e nós neste blogue temos muitos): porque não se acaba com os governadores civis? A resposta acaba de ser dada com a recente nomeação de novos (nalguns casos os mesmos) governadores civis: ver aqui. Trata-se de distribuir "jobs for the boys". Alguns políticos, aparentemente profissionais, que perderam as eleições legislativas ou autárquicas, foram agora recompensados pelo governo com estes cargos. Trata-se não de primeiras, nem de segundas ou de terceiras escolhas (e é bem conhecida a qualidade média do nosso pessoal político!), mas em vários distritos de escolhas de ordem ainda inferior, mostrando a total irrelevância do cargo. Dá simplesmente emprego às pessoas que os eleitores recusaram.
A tomada de posse dos novos governadores civis (marcada pelo acidente de um carro do ministério da administração, com passageiros sem cinto, que para lá se dirigia a velocidade excessiva) evidencia a degradação do nosso sistema político. Fala-se muito do défice. Se se acabasse imediatamente com o cargo de governador civil, poupava-se alguma coisa. Reduzia-se o défice. Mas reduzia-se também e sobretudo o défice da nossa estima pelos políticos.
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5 comentários:
Quem fala assim não é gago.
Nem do sistema.
(E aqui sistema não tem qualquer conotação politico/partidária)
Infelizmente o C Fiolhais tem razão. Que bom seria que a não tivesse. Que os governos civis tivessem utilidade. Que os governos civis fossem uma extensão do governo central, especialmente no interior (como aqui em Beja, exemplo) onde, apesar das net, fax, autoestradas(?), etc, o governo central parece que 'habita' a anos-luz daqui.
Infelizmente os governos civis são servem para isso.
Servem para outras coisas ...
Absolutamente apoiado. Por que razão os partidos mais pequenos, como O PP ou o BE não apresentam uma proposta para acabar com os Governadores Civis de vez?
artur
Parece que o governador civil tem mais algumas funções, relacionadas com autorizações para emissão de rifas e sorteios. Não é muito, mas sempre é mais alguma coisa...
Cá por mim, que não resisto a comprar uma rifa em tudo o que é arraial, fico agora mais reconfortado quando, com o acto, ajudo a manter um posto de trabalho...
O texto está muito bom, conciso e bem estruturado. Apreciei, em particular o enquadramento histórico.
A inovação chegou a todos os sectores da vida social e política desde a educação à saúde. Queria ficar admirado por saber que existe um sector que parou no século XIX. Mas não fico e o motivo vem bem explanado no desenvolvimento do artigo.
Não poderia concordar mais com a afirmação de que são "fósseis-vivos". Aliás, o cargo de Governador Civil já deveria ter desaparecido há 35 anos com a revolução e consequente constituição, visto que esse seria também um dos pontos a reformular. Contudo, por algum motivo irracional continuam nas suas (escassas) funções. Um claro caso de falta de vontade política, pois infelizmente a política ainda serve para satisfazer caprichos particulares e favorzinhos alheios.
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