domingo, 15 de novembro de 2009

O dever de educar e de ensinar - 2

Continuação do texto O dever de educar e de ensinar:

P- Na formação de um professor, qual é o papel da vocação?

R- A vocação é uma espécie de chamamento interior que, de certo modo à semelhança de um chamamento divino, conduz uma pessoa ao ensino e, mesmo sem formação, o torna bom professor. Não negando a importância desse “querer ser professor”, que não sabemos bem de onde vem, eu poria a tónica na sua preparação. Preparação que, reportando-me ao ciclo de conferências da MinervaEditora, Regina Rocha deixou bem claro que tem de ser científica, pedagógico-didáctica e ética. Lembro-me de ter insistido que se falasse na componente didáctica, pelo facto de, nos últimos tempos, esta ter sido muito desvalorizada. Na opinião desta linguista e investigadora, o professor é a pessoa que tem a capacidade de pegar no conhecimento e de o organizar de forma a que o aluno o vá, a pouco e pouco, adquirindo e, assim, formando a sua personalidade. Também Sobral Henriques sublinhou que, neste momento, o professor precisa de ser um "quadro" muito bem preparado, pois a diversidade de questões que se lhe colocam, quer a nível de acompanhamento dos alunos, tendo em vista o sucesso escolar, quer a nível de comportamentos e de atitudes, tornam a sua acção muito difícil e exigente, não podendo ela ser confiada apenas ao tradicional talento ou jeito.

P- Porque é que aprender, só por si, não chega?

R- Sabemos hoje, de modo muito claro, nomeadamente através do estudo de casos de crianças que são privadas de ambiente humano, que o seu estado em pouco ou nada se parece com o estado humano. Se o capital que trazemos à nascença fosse suficiente para nos tornarmos pessoas, dispensaríamos a educação. Ora, muito cedo a Humanidade percebeu que tinha de seleccionar os saberes que melhor poderiam ajudar as novas gerações a sobreviver e a melhorar a própria espécie. E, assim, se criou e expandiu a escola, que é a instituição a que se tem confiado o dever de ensinar e de educar, mas de uma forma estruturada, para que os sujeitos adquiram esses saberes e desenvolvam a sua inteligência – sabemos hoje que a inteligência se desenvolve. Isto para que as sociedades se mantenham e, desejavelmente, se desenvolvam, e também para que a própria Humanidade progrida e possa criar mais conhecimento.

Se dissermos que o professor deve ser apenas um guia, um orientador da aprendizagem, e que devemos deixar, como às vezes se sugere, esta tarefa fundamental ao cuidado das crianças, que ficam entregues a si próprias ou umas às outras, como referiu Hannah Arendt, acreditando que elas têm dentro de si as motivações e os intereresses para procurarem e descobrirem todo o saber que, desde que há memória, conseguimos apurar, em todas as áreas, facilmente se percebe que lhes estamos a pedir uma tarefa impossível, na qual não terão a mínima hipótese de se orientarem.

Facilmente se percebe também que estamos a contribuir para pôr em causa a própria sociedade e tudo o que a Humanidade construiu e ainda tudo o que pode vir a construir. Para responder a esta pergunta, eu poderia até ser mais directa, se usar as palavras da minha amiga Maria do Carmo Vieira, que tem afirmado, com segurança, que a escola tem a obrigação de acrescentar qualquer coisa à vida dos alunos, de todos os alunos, independentemente da sua condição social, económica, cultural, ou outra. E o que tem de acrescentar é a arte, a literatura, a ciência, a matemática… enfim, os saberes mais eruditos, mais perfeitos, que nos permitem, afinal, ser pessoas, no sentido que a palavra “pessoa” tem de ser eu, de sermos nós.

3 comentários:

Fartinho da Silva disse...

Cara Helena Damião,

Eu gostava imenso de fazer o papel de jornalista para lhe colocar as questões seguintes, lembrando que os recursos financeiros deste país e de qualquer outro são escassos:

- Qual o papel da escola?
- Qual o papel do professor?
- Qual o papel do encarregado de educação?
- Qual o papel do aluno?

Tendo em atenção a confusão que reina na "escola" pública, julgo que estas questões são as questões que verdadeiramente interessam ao país!

José Batista da Ascenção disse...

Como saberá, Profª Helena Damião, as suas ideias e as ideias da Profª Maria do Carmo Vieira, não coincidem propriamente com a prática vigente nas nossas escolas, a qual resulta das normas emanadas das instâncias superiores e intermédias de que dependem. De tal sorte, que eu suponho que é legítimo os pais começarem a questionar-se sobre a obrigatoriedade da própria escola, uma vez que há um grande número de alunos que não aprende e há mesmo os que, tendo boa educação em casa, a perdem durante a frequência escolar. Ora isto é um crime! Um crime que estamos a deixar cometer. Depois "brinca-se" com sistemas de avalição de professores aberrantes, à procura de bodes expiatórios e álibis que impossibilitem a verdadeira atribuição de responsabilidades. E assim vamos. Mas vamos mal...

Leonardo disse...

Sou um professor brasileiro. E por aqui colocaria a mesma situação e faria pleito às ideias do João.

Talvez já tenhamos de colocar a obrigatoriedade da educação-escolar em xeque, das disciplinas e currículos únicos também.

UM CRIME OITOCENTISTA

Artigo meu num recente JL: Um dos crimes mais famosos do século XIX português foi o envenenamento de três crianças, com origem na ingestão ...