“Devido à irresponsabilidade dos governos,
ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes,
a universidade degradou-se para além do razoável”.
Maria Filomena Mónica, Público, 08/12/2003.
Caro Rui Curado Silva:
Começa no seu comentário ao meu post , “Para uma reflexão sobre o antigo e o actual sistema educativo” (20/Novembro/2009), por dizer que a minha análise “sobre o antigo sistema educativo faz perder a vontade de discutir este tema”.
Louvo o uso democrático que faz ao direito ao contraditório, mas lamento a fraqueza do seu quebranto de vontade por, logo a seguir, se desconformar dedilhando o teclado do computador para ser infiel à sua declarada vontade com uma série de contra-argumentos muito alinhadinhos com que dá a volta ao mundo (da Educação) não em oitenta dias, como no famoso livro de Júlio Verne, mas em oito itens quais soldados obedientes à voz de um comando que mistura alhos com bugalhos em opiniões meramente pessoais. Mas adiante.
Chegou a altura de “quem não pede favor senão justiça” (António Vieira) de contra-argumentar - porque assim me apetece e julgo ser meu dever em nome da minha sanidade mental – os seus pontos de vista que para si são tão válidos como os meus são válidos para mim, com a diferença de substância de eu os alicerçar em factos e em opiniões de crédito para não me tornar juiz em causa própria. Mas, antes de continuar, gostaria de chamar a sua atenção para um pequeno pormenor que terá passado despercebido à demolidora análise que fez ao meu post, numa sanha persecutória com o camartelo da política, não deixando pedra sobre pedra sobre o sistema de ensino anterior a 25 de Abril em que, justo será dizê-lo, no campo da investigação médica Portugal foi galardoado com um Prémio Nobel, atribuído a Egas Moniz em 1949. Outro exemplo, António Damásio, pesquisador de renome mundial no campo da neurofisiologia, investigador na Universidade de Iowa, licenciou-se em Medicina na Faculdade de Medicina de Lisboa (1969) e aí se doutorou em 1974. Por seu turno, Carlos Fiolhais terminou os seus estudos liceais (1973) no antigo Liceu D. João III, em Coimbra, crismado mais tarde de Escola Secundária de José Falcão, que escoraram em pilares sólidos a sua posição de relevo internacional no domínio da Física. Se atender a estas datas verá que elas são anteriores a 1974 ou com ela coincidentes, contraditando o seu argumento que passo a citar, palavra por palavra: “Portugal em 1974 tinha o pior sistema de ensino da Europa de longe (incluindo albânias e afins)”.
E porque sulco águas profundas e traiçoeiras do ensino superior que atribui, por vezes, licenciaturas de "três ao pataco" (antiga moeda do valor de 40 reis), transcrevo a opinião de Vital Moreira, deputado europeu pelo Partido Socialista e académico prestigiado da Universidade de Coimbra: “A ideia de democratizar o ensino superior pela via da banalização do acesso e pela crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior, é também politicamente pouco honesta”.
Esta doutrina não se compagina, portanto, com a publicação do Decreto-Lei n.º 393-B/99, de 2 de Outubro (“Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos de idade”), publicado no consulado de António Guterres. Assim, esta legislação abriu comportas que inundaram o ensino superior levando de arrastão o aviso prévio de um prestigiado académico de Ciências Sociais, António Barreto, quando critica este statu quo, da forma seguinte: “Fazer entrar o maior número de estudantes, sem consideração pelo mérito; formar técnicos de medíocre qualidade, sem zelar pela qualidade das instituições; libertar os docentes da tarefa de seleccionar; e transmitir à população a ideia de que o acesso à universidade é um direito de todos, tal como a protecção na doença e na velhice”.
Dou agora a palavra a António Guterres, ao tempo primeiro ministro de um governo do Partido Socialista, creditado por um brilhante percurso académico no exigente Instituto Superior Técnico no qual se licenciou com distinção em 1971 : “De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acreditar na realidade o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicados”.
Publicado anos depois um relatório da OCDE (sigla da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos, com o objectivo de “fomentar o desenvolvimento da investigação e formação nos domínios científico e tecnológico”), este mereceu por parte de Maria de Lurdes Rodrigues, então ministra da Educação do Partido Socialista, o comentário de que o relatório "não trazia novidades” para Portugal, mas que os dados eram “preocupantes” (Público, 15/Setembro/2005). Ou seja, tudo como dantes, quartel em Abrantes!
Antes de terminar, uma pergunta, apenas uma. Porque como diz o provérbio “atrás de mim virá quem de mim bom fará” e para não tornar redundantes as críticas que choveram em catadupa sobre a licenciatura de José Sócrates (pese embora ele ter como habilitações de ingresso o ensino liceal completo e um bacharelato politécnico), acha mesmo, meu caro Rui Curado Silva, que as licenciaturas cozidas em panela de pressão de Armando Vara e de Vasco Franco, ambos do Partido Socialista, obtidas em universidades privadas depois do 25 de Abril, com risíveis habilitações literárias anteriores, se podem comparar, por exemplo, às licenciaturas de Adriano Moreira e Veiga Simão, alcançadas com o sacrifício das magras bolsas parentais e a riqueza das suas inteligências?
Como decerto terá reparado, mas in dubio relembro a minha posição crítica sobre o elitismo de acesso ao ensino superior (6.ª linha, 4.º parágrafo do meu post anterior). Mas para que se não pense ter sido uma ocasional cedência para amenizar a minha crítica, obrigo-me a transcrever o que sobre o assunto escrevi anos antes:
“Democratizar o ensino superior não significa, independentemente de aptidões intelectuais e qualidades de trabalho pessoais, tornar o respectivo ingresso acessível a todos os portugueses. Atribui diplomas a granel, como quem distribui bodo aos pobres, e, muito menos, sujeitar a uma desapiedada exclusão os menos afortunados de bens materiais , apenas e só por esse motivo. A isto chama-se mediocratização do ensino superior, em que se bafeja a ignorância, se protege a mandriice e se presta vassalagem ao rei Midas” ("O Leito de Procusta", Lisboa, 2005, p.81).
Voltarei, tão breve quanto me seja possível, a esta temática, para passar a abordar os ensinos básico e secundário.
Louvo o uso democrático que faz ao direito ao contraditório, mas lamento a fraqueza do seu quebranto de vontade por, logo a seguir, se desconformar dedilhando o teclado do computador para ser infiel à sua declarada vontade com uma série de contra-argumentos muito alinhadinhos com que dá a volta ao mundo (da Educação) não em oitenta dias, como no famoso livro de Júlio Verne, mas em oito itens quais soldados obedientes à voz de um comando que mistura alhos com bugalhos em opiniões meramente pessoais. Mas adiante.
Chegou a altura de “quem não pede favor senão justiça” (António Vieira) de contra-argumentar - porque assim me apetece e julgo ser meu dever em nome da minha sanidade mental – os seus pontos de vista que para si são tão válidos como os meus são válidos para mim, com a diferença de substância de eu os alicerçar em factos e em opiniões de crédito para não me tornar juiz em causa própria. Mas, antes de continuar, gostaria de chamar a sua atenção para um pequeno pormenor que terá passado despercebido à demolidora análise que fez ao meu post, numa sanha persecutória com o camartelo da política, não deixando pedra sobre pedra sobre o sistema de ensino anterior a 25 de Abril em que, justo será dizê-lo, no campo da investigação médica Portugal foi galardoado com um Prémio Nobel, atribuído a Egas Moniz em 1949. Outro exemplo, António Damásio, pesquisador de renome mundial no campo da neurofisiologia, investigador na Universidade de Iowa, licenciou-se em Medicina na Faculdade de Medicina de Lisboa (1969) e aí se doutorou em 1974. Por seu turno, Carlos Fiolhais terminou os seus estudos liceais (1973) no antigo Liceu D. João III, em Coimbra, crismado mais tarde de Escola Secundária de José Falcão, que escoraram em pilares sólidos a sua posição de relevo internacional no domínio da Física. Se atender a estas datas verá que elas são anteriores a 1974 ou com ela coincidentes, contraditando o seu argumento que passo a citar, palavra por palavra: “Portugal em 1974 tinha o pior sistema de ensino da Europa de longe (incluindo albânias e afins)”.
E porque sulco águas profundas e traiçoeiras do ensino superior que atribui, por vezes, licenciaturas de "três ao pataco" (antiga moeda do valor de 40 reis), transcrevo a opinião de Vital Moreira, deputado europeu pelo Partido Socialista e académico prestigiado da Universidade de Coimbra: “A ideia de democratizar o ensino superior pela via da banalização do acesso e pela crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior, é também politicamente pouco honesta”.
Esta doutrina não se compagina, portanto, com a publicação do Decreto-Lei n.º 393-B/99, de 2 de Outubro (“Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos de idade”), publicado no consulado de António Guterres. Assim, esta legislação abriu comportas que inundaram o ensino superior levando de arrastão o aviso prévio de um prestigiado académico de Ciências Sociais, António Barreto, quando critica este statu quo, da forma seguinte: “Fazer entrar o maior número de estudantes, sem consideração pelo mérito; formar técnicos de medíocre qualidade, sem zelar pela qualidade das instituições; libertar os docentes da tarefa de seleccionar; e transmitir à população a ideia de que o acesso à universidade é um direito de todos, tal como a protecção na doença e na velhice”.
Dou agora a palavra a António Guterres, ao tempo primeiro ministro de um governo do Partido Socialista, creditado por um brilhante percurso académico no exigente Instituto Superior Técnico no qual se licenciou com distinção em 1971 : “De repente, perante a obstinação dos que teimaram em não acreditar na realidade o Portugal novo-rico tornou-se no Portugal novo-pobre. Pobre, porque pobre na qualificação das pessoas. Aí estão a comprová-lo os números terríveis do Estudo Nacional de Literacia, recentemente publicados”.
Publicado anos depois um relatório da OCDE (sigla da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos, com o objectivo de “fomentar o desenvolvimento da investigação e formação nos domínios científico e tecnológico”), este mereceu por parte de Maria de Lurdes Rodrigues, então ministra da Educação do Partido Socialista, o comentário de que o relatório "não trazia novidades” para Portugal, mas que os dados eram “preocupantes” (Público, 15/Setembro/2005). Ou seja, tudo como dantes, quartel em Abrantes!
Antes de terminar, uma pergunta, apenas uma. Porque como diz o provérbio “atrás de mim virá quem de mim bom fará” e para não tornar redundantes as críticas que choveram em catadupa sobre a licenciatura de José Sócrates (pese embora ele ter como habilitações de ingresso o ensino liceal completo e um bacharelato politécnico), acha mesmo, meu caro Rui Curado Silva, que as licenciaturas cozidas em panela de pressão de Armando Vara e de Vasco Franco, ambos do Partido Socialista, obtidas em universidades privadas depois do 25 de Abril, com risíveis habilitações literárias anteriores, se podem comparar, por exemplo, às licenciaturas de Adriano Moreira e Veiga Simão, alcançadas com o sacrifício das magras bolsas parentais e a riqueza das suas inteligências?
Como decerto terá reparado, mas in dubio relembro a minha posição crítica sobre o elitismo de acesso ao ensino superior (6.ª linha, 4.º parágrafo do meu post anterior). Mas para que se não pense ter sido uma ocasional cedência para amenizar a minha crítica, obrigo-me a transcrever o que sobre o assunto escrevi anos antes:
“Democratizar o ensino superior não significa, independentemente de aptidões intelectuais e qualidades de trabalho pessoais, tornar o respectivo ingresso acessível a todos os portugueses. Atribui diplomas a granel, como quem distribui bodo aos pobres, e, muito menos, sujeitar a uma desapiedada exclusão os menos afortunados de bens materiais , apenas e só por esse motivo. A isto chama-se mediocratização do ensino superior, em que se bafeja a ignorância, se protege a mandriice e se presta vassalagem ao rei Midas” ("O Leito de Procusta", Lisboa, 2005, p.81).
Voltarei, tão breve quanto me seja possível, a esta temática, para passar a abordar os ensinos básico e secundário.
3 comentários:
Todos já sabíamos
Foi no início da década de 1990 que entrou em vigor a última grande reforma do Sistema Educativo.
Por detrás da reforma, ficou um dos mais intensos debates sobre doutrinas pedagógicas e sobre a função social do sistema de ensino jamais empreendida em Portugal.
O juízo que posso fazer hoje sobre a Reforma é o de que invocava um vasto corpus de princípios humanistas e culturais, para pronunciar os pressupostos que legitimavam uma reforma que acabou por ser pouco mais do que curricular.
Agora, face aos óbvios resultados, passam a discutir-se os resultados e sobre que ensino era melhor, o de antes ou o de depois de 74. E eu digo: nenhum é melhor do que outro.
Porquê? Porque o melhor ficou nas ideias.
E imiscui-se aqui, ou promiscui-se, um tema sempre recorrente, que indicia uma nação às aranhas na demanda da sua identidade, temos sempre que nos aferir por paradigmas alógenos.
Se a reforma do sistema em 1990 não tivesse resultado da predominância de um sector tecnocrata sobre um sector humanista de reflexão antropológica e pedagógica, talvez pudéssemos hoje usufruir de um ensino capaz de cumprir o seu papel social. Porque, desenganem-se, o papel de formar contingentes qualificados para o mercado de trabalho não é o exclusivo de um sistema de ensino. Para além do mais, numa sociedade em aceleração, será talvez o mais efémero.
O que é feito dos princípios do ensino personalizado e diversificado? Porque regressámos às turmas com 23 e 25 alunos? Que pode um bom professor fazer em tal contexto? Ou um bom aluno?
Passados dois anos após a entrada em vigor da reforma desabava sobre nós a norma regulamentar, ou instrução, que nos recomendava, ou impunha, que um aluno sem aproveitamento em Português e Matemática devia ficar retido. Eu era professor de Português. Que desgraça… Era fartar vilanagem…
Cá por mim, discorrer sobre o ensino que hoje temos é um exercício de profunda psicanálise, que não se resolve na base da formulação de axiomas apressados.
Bem, até nos dissecarmos, façamos o que pudermos para mitigar o desinteresse dos nossos alunos pela escola e a sua estratégia de progredir a todo o custo, mesmo prostituindo-se, recorrendo ao tema de um post anterior.
E quanto ao ensino superior, reservo-me para outra ocasião. Está ainda para vir a era, talvez iminente, em que iniciemos a construção de um edifício pela cobertura, ou telhado.
E tentemos exercer uma história isenta.
Caro Rui Baptista,
Tenha cuidado com as suas opiniões livres e democráticas, porque quando alguém coloca em causa os mitos da fé "humanista" e "progressista" é imediatamente apelidado de salazarento bolorento, neoliberal ou até as duas coisas em sumultâneo (como se tal fosse possível)!
Meu Caro Fartinho da Silva:
Já tinha dado por isso, mas agradeço-lhe na mesma porque fiel aos aforismas que são a voz do povo: "Quem te avisa teu amigo é". Bem haja, bom amigo.
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