sábado, 21 de novembro de 2009

FRANKFURT, TERRA DE GOETHE


Do meu livro "Curiosidade Apaixonada" (Gradiva) recupero uma crónica de viagem a Frankfurt am Main, na Alemanha:

É num pulo que se vai a Frankfurt. Põe-se um pé no Aeroporto de Sacavém, para ao fim de curtas três horas, se ter o outro pé no Aeroporto (Flughafen) de Frankfurt am Main. A desproporção entre as duas aerogares é a primeira impressão que ressalta após o pulo: Sacavém comparado com Frankfurt é um minúsculo apeadeiro aéreo. Frankfurt, isso sim, é um aeroporto. O visitante, se não tem cuidado, perde-se lá dentro...

Há quem passe por Frankfurt apenas em trânsito para outros destinos do planeta. O aeroporto alemão é, de facto, uma plataforma que nos permite dar outros pulos ainda maiores para qualquer sítio do globo. Com o primeiro pé em Lisboa, põe-se o segundo pé em Frankfurt e, mais umas horas, logo o primeiro volta a estar noutro sítio.

Mas vale a pena pousar os dois pés em Frankfurt. É justa a fama que a cidade tem de capital dos transportes: além do aeroporto, tem uma estação central de comboios (Hauptbanhof) com mais de vinte cais, de onde chegam e partem comboios para todos os destinos da Europa Central e tem uma das mais impressionantes redes de circulação rodoviária do aeroporto (junto ao aeroporto há um novelo de auto-estradas), para já não falar na eficaz rede de transportes urbana e suburbana, que nos permite chegar num pulinho a todo o lado da região metropolitana.

É tomando o comboio rápido (S-Bahn) que se chega num escasso quarto de hora do Flughafen à Hauptbanhof. O centro comercial da cidade fica, porém, umas paragens mais adiante - na Hauptwache (literalmente, vigia principal) – onde começa a Zeil, uma descomunal rua de comércio, repleta de armazéns, a começar no Kaufhof. Daí podem ver-se de perto os arranha-céus que, com um pouco de sorte meteorológica, já se tinham visto do postigo a bordo do avião. Os vários bancos rivalizam a ver quem arranha mais o céu. Parece Nova Iorque ou Hong Kong, com a diferença de que aqui o mar está longe e o clima é continental. A bem antiga catedral de Frankfurt (Dom), situada perto de umas ruínas romanas (Roemer, que não causa nenhuma inveja a Conímbriga) e do edifício histórico da Câmara Municipal (Rathaus), não tem altura para competir com os bancos. Os bancos são as catedrais do nosso tempo!

Frankfurt é, por isso e também, a cidade da economia. Além dos bancos, alberga, não muito longe da Hauptwache, o Banco Central Europeu, de onde vêm os nossos euros. É notória também a proliferação de sedes de grandes empresas, desde as de serviços às industriais (enormes empresas químicas como a Hoechst ficam nas imediações). Por aqui não só são feitos como circulam muitos euros...

Do relato até agora parece uma metrópole desinteressante. Por que diabo deverá então o visitante sair no aeroporto para ir até à estação e mais além? Simplesmente porque há na urbe lugares muito excitantes para visitar: Frankfurt é uma cidade dos museus, é uma cidade dos livros e é ainda uma cidade da ciência.

É uma cidade dos museus porque, principalmente na margem esquerda do Meno, se encontra um conjunto de museus como dificilmente se encontra noutro sítio do mundo: além da Staedtel, o grande museu de arte onde encontram algumas belas obras dos expressionistas alemães (Max Beckman, por exemplo), há o Kunsthandwerke Museum, museu de artesanato, que ocupa um edifício branco do lápis do arquitecto americano Richard Meier, o Museu do Cinema, o Museu de Arquitectura, etc. Junto à Rathaus há uma moderna galeria de arte em estilo neo-romano – a Schirnhalle – que alberga exposições temporárias (é preciso ler o jornal: o Frankfurter Allgemeine Zeitung ou o Frankfurter Rundschau) e, um pouco mais além, há o Museu de Arte Moderna, num prédio extravagante em forma de queijo que exibe algumas obras extravagantes de artistas contemporâneos. Não se pode falar de museus de Frankfurt sem referir o Senckenberg Museum, na zona universitária: é um museu de história natural com imponentes dinossauros no hall de entrada. Tirando as grandes metrópoles como Londres, Paris e Berlim, é de facto difícil encontrar na Europa tantos museus.

É uma cidade dos livros e da literatura, porque a Feira de Frankfurt inclui todos os Outubros no seu variado programa a maior feira do livro do mundo: a Frankfurter Buchmesse. É uma reunião megalómana de editores, autores, livreiros, leitores, enfim todos os que tenham a ver com o livro. Só vendo se pode fazer ideia do tamanho da feira: longas passadeiras e escadas rolantes transportam o visitante num recinto que pede meças ao do aeroporto. O visitante deve, porém, perder a tentação de ver tudo e procurar somente o que prefere ver. Também é bom que não se entusiasme a recolher catálogos porque em breve ficará carregado com peso a mais. Frankfurt tem ainda, entre a Hauptwache e a Alte Oper (a velha ópera, destruída na Segunda Guerra Mundial e depois reconstruída, e que, para os portugueses, está associada a um disco histórico de Carlos Paredes), uma das maiores livrarias alemãs: a Hugendubel. E Frankfurt é ainda a sede de grandes editoras alemãs como a Suhrkampf. Tem ainda e necessariamente de se lembrar que Frankfurt é a terra natal do maior poeta de língua alemã, Johann Wolfgang Goethe, cuja casa natal pode ser visitada no coração da cidade. Goethe é não só um dos maiores poetas germânicos como um grande prosador. Tentou ser cientista mas aí o seu sucesso foi bem menor...

Finalmente, Frankfurt é a cidade da ciência porque a sua universidade – que tem o nome de Goethe e está situada próximo da Feira – brilhou e brilha graças, entre outras, à sua famosa escola de Matemática, que desenvolveu profícua actividade de investigação entre as duas guerras, e à sua não menos famosa escola de Física (foi em Frankfurt que ensinou Max Born, um dos fundadores da física quântica, e foi também aí que ensinou Hans Bethe, o descobridor dos processos responsáveis pela energia nas estrelas). Mas, quando se fala em escola de Frankfurt (Frankfurter Schule), subentende-se não nenhum ramo das ciências exactas ou naturais mas sim um ramo das ciências sociais e humanas – a Sociologia. Frankfurt foi o sítio onde investigaram e ensinaram monstros sagrados da sociologia como Habermas, Marcuse e Adorno. O campus universitário é dominado pela “torre da sociologia”...

Dito isto, haverá ainda quem ache que Frankfurt não é uma cidade interessante? Se, depois de uma volta diurna pela cidade, o visitante entender que a cidade não valeu a pena, pois que visite à noite o bairro de Sachsenhausen e que beba uns bons copos de cidra (Apfelwein) ao som de velhas canções populares germânicas... Então, com toda a certeza, irá dar por bem dado o pulo a Frankfurt!

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