quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Tesouros da Biblioteca Geral

Informação recebida da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (UC) contendo o catálogo de uma mostra recente na Biblioteca Joanina:

Mostra de alguns livros raros e preciosos por ocasião da reunião do Conselho Geral da UC na Sala 4A da Biblioteca Joanina em 23 de Outubro de 2009

Bíblia hebraica, um verdadeiro tesouro mundial:

BÍBLIA. Hebraico
[Bíblia] [manuscrito]. [1401-1450]. [385] f., (3 colns., 32 l.) : perg., ilum.; 278x227 mm. Cofre 1

Manuscrito em pergaminho atribuível à escola de calígrafos de Lisboa, da segunda metade do século XV, raríssimo (conhecem-se pouco mais de 20 exemplares), porque a maioria destas bíblias, na Península, foram confiscadas e queimadas pela Inquisição. Faltando-lhe algumas características decorativas típicas da escola lisboeta (tarjas e iluminuras cor malva), tem anotações e pertences que a relacionam com a família Abravanel, de Lisboa e de Sevilha. É, por isso, conhecida como a Bíblia de Abravanel.

Livro de Horas do século XVI

IGREJA CATÓLICA. Liturgia e ritual
[Livro de Horas] [manuscrito]. [15--]. 121 [i.e 123] f. ; (19 l.) : velino, ilum. color ; 165x125 mm.
Cofre 13

Este códice encontrava-se na Biblioteca em 1832. Tendo algumas das suas iluminuras entretanto desaparecido, quatro apareceram à venda em1882 e o bibliotecário da época, o Doutor Joaquim Mendes dos Remédios, empreendeu-lhes uma verdadeira perseguição, tendo conseguido recuperar duas, que foram reinseridas no códice. A produção é de oficina franco-flamenga (talvez de Bruges) e deve ser, pelas festas que inclui, de encomenda inglesa: será a encomendante a jovem rapariga que aí figura em trajes quinhentistas?

Apontamentos científicos de um estudante de Coimbra

LIVRO DE LEMBRANÇAS DOS PLANETAS
Livro de lembra[n]cas dos planetas repartido em quatro tratados ... [manuscrito]. 1593. [151] f. : papel, il., 73 desenhos a sépia e aguarelados, dos quais 13 diagramas móveis ; 279x190 mm.
Ms. 440

Manuscrito de conteúdo astrológico e astronómico, profusamente ilustrado a cores, com desenhos e tabelas. Diversas imagens têm diagramas móveis, complexos nalguns casos e noutros já incompletos. Obra executada em Coimbra, por aluno anónimo desta Universidade, no final do século XVI. Contém algumas soluções cientificamente válidas sobre a melhoria das tábuas de declinação solar em uso pelos navegadores portugueses, mas que parece não terem tido qualquer acolhimento nem influência na ciência náutica da época.

A mais rara marca bibliográfica portuguesa

ZURARA, Gomes Eanes de, ca. 1410-1474?
Coronica do Conde Dom Pedro continuada aa tomada de Cepta a quall mandou el Rey dom Afonso quinto ... [manuscrito]. [1651-1700?]. [641] p. : papel ; 274x195 mm. Ms. 439

LOPES, Fernão, 1380?-1460
Segunda parte da cronicha delrrei Dom João de Portugall o primeiro do nome … [manuscrito]. [16--]. [270] f. : papel ; 439x489 mm. Ms. 468 A

As capas da biblioteca dos “Távora” foram quase todas mutiladas dos respectivos superlibros heráldicos por oficiais às ordens do Marquês do Pombal. Na Biblioteca, vieram procurar os manuscritos encadernados que Monsenhor Hasse tinha vendido alguns anos antes à Universidade e em todos eles cortaram à faca os brasões da família sentenciada. Em todos, não! Num pequeno canto da biblioteca, uma capa sobreviveu ao ódio político e bem pode ser considerada “a mais rara marca bibliográfica portuguesa” como lhe chamou António Gomes da Rocha Madahí (1893-1969).

A Bíblia latina, dita das 48 linhas

BÍBLIA. Latim
[Bíblia Sacra Latina]. Maguntñ : Iohez Fust et Petrü Schoiffher de gernsheym, 14 Agosto 1462. 2 vol. (242, 239) f. : il. ; 2º. Cofre 24

A primeira bíblia impressa a conter a data, o local e o nome dos impressores, foi dada à estampa em Mogúncia pelos sócios de Gutenberg, Johannes Fust e Petrus Schoeffer, em 1462. É também o primeiro livro na história da imprensa ocidental a conter uma marca de impressor, porque abaixo do colophon, Fust e Schoeffer acrescentaram uma imagem (xilogravura) dos seus escudos de armas. Embora um tanto mais recentes, exemplares completos desta Bíblia são mais raros do que os da Bíblia de 42 linhas, de Gutenberg.

A “Vita Christi … em lingoagem”

LUDOLFO DE SAXÓNIA, ca. 1295-1377
Vita Christi. Lixboa : per Nicolao de Saxonia y Vale[n]tyno de moravia, 1495. 2 vol. : il. ; 2º (34 cm) R-67-1/2

Em quatro partes in-folio impressas em Lisboa, em 1495, por ordem e a expensas do rei D. João II e de D. Leonor, este é considerado o segundo incunábulo (livro impresso até 1500) português, depois do Tratado de Confissom (Chaves, 1489), e o primeiro livro ilustrado impresso em Portugal. Até ao ano de 1879, a BGUC não tinha nenhum volume da Vita Christi, tendo sido adquiridos nesse ano o 3º e 4º tomos que se encontravam no Mosteiro do Lorvão. Em 1885, foram adquiridos o 1º e 2º tomos com os quais a obra viria a ser completada.

A primeira edição de “Os Lusíadas”

CAMÕES, Luís de, 1524?-1580
Os Lusíadas. Lisboa : em casa de Antonio Gõçaluez, 1572. [2], 186 f. ; 4º (20 cm) Cofre 2

Conhecem-se apenas 30 exemplares, espalhados por oito países, das várias tiragens e estados da impressão de 1572 da obra maior de Luís de Camões. Trata-se da chamada "edição Ee" ou A, com o pelicano da portada virado à esquerda do leitor. Este exemplar, comprado pelo Estado e oferecido à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, em 1942, está infelizmente muito aparado, com manchas de manuseio, de tinta e de humidade. O corpo do volume foi restaurado, em 2009, a expensas da Fundação Calouste Gulbenkian no âmbito da campanha SOS-Livro Antigo.

A primeira edição da “Peregrinação”

PINTO, Fernão Mendes,1514?-1583.
Peregrinaçam de Fernam Mendez Pinto, em que da conta de muytas e muyto estranhas cousas que vio & ouuio no reyno da China, no da Tartaria , no do Sarnau … Em Lisboa : por Pedro Crasbeeck : a custa de Belchior de Faria, 1614. [1], 303, [5] f. ; 2º (27 cm)
V.T.-9-7-1

O relato estaria concluído por volta de 1578 (data referida na obra), mas apenas veio a ser publicado em Lisboa, por Pedro Craesbeeck, em 1614, a expensas de Belchior de Faria. Não por temor da Inquisição, como alguns dizem, mas apenas por falta de dinheiro para custear a impressão. Fernão Mendes Pinto tentou durante os seus últimos anos de vida, sem sucesso, obter os apoios indispensáveis à edição da "Peregrinação": primeiro junto do Rei (a quem está feita a Dedicatória), depois dos Jesuítas e, finalmente, do grão-duque Cosme de Médicis.

Colecção de autógrafos da corte de Carlos II e de Catarina de Bragança

ORIGINAL DOCUMENTS
[Original documents relating to Charles II] [manuscrito]. 1660-1697. 54 f. (59 docs.) : il., retratos ; 420x335 mm. Cofre 45

Álbum de autógrafos de Carlos II e de várias personalidades marcantes da corte inglesa. Inclui cartas, documentos e retratos gravados do Rei e da sua mulher, de D. Luísa de Gusmão, do historiador e homem de Estado Edward Hyde (1609–1674), 1º Conde de Clarendon, do confessor da rainha D. Catarina Frei Domingos do Rosário (o irlandês Daniel O´Daly, 1595-1662), do embaixador Sir Richard Fanshaw (1608-1666) e de sua mulher Lady Ann Fanshaw (1625-1680), do Almirante Sir Thomas Allin (1613-1685), do diplomata Sir Robert Southwell (1635-1702), etc.

Uma versão quase desconhecida da “Passarola”

GUSMÃO, Bartolomeu de, S.J., 1685-1724
Manifesto sumario para os q[ue] ignorão poderse navegar pello elemento do Ar [manuscrito]. [ca. 1709]. f. 234-241 : papel ; 215x153 mm. Ms. 342

Esta é a representação mais antiga e, porventura, mais fidedigna da famosa “Passarola”, ou seja, o projecto do padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão de uma “machina voadora” em tamanho real. O desenho encontrava-se solto (nunca terá sido colado) na folha 247v. do Ms. 342 junto de uma cópia manuscrita do texto do “Manifesto sumario…” e terá desaparecido algures entre 1935 e 1945, já não se encontrando descrito no volume do Catálogo de Manuscritos, publicado nesta data.

O maior conjunto de originais tupi-português do século XVIII

GRAMÁTICA
Gramatica da língua geral do Brazil, com hum Diccionario dos vocábulos mais uzuaes para a intelligencia da dita língua [manuscrito]. [Belém, 1750]. [4, 1 br., 1] f., 224 p., [2, 4 br.], [86] f., [3 br., 1] f. : papel ; 215x150 mm. Ms. 69

DICCIONÁRIO
Diccionario da lingua geral do Brasil, que se falla em todas as villas, lugares, e aldeas deste vastissimo Estado [manuscrito]. Pará [i.é Belém], 1771. [5 br., 2], 164, [2 br.] f. ; 220x155 mm. Ms. 81

Com cinco obras, entre catecismos, vocabulários e gramáticas é o maior conjunto conservado em bibliotecas públicas, portuguesas ou brasileiras. Dois deles (Ms. 81 e Ms. 69) são da mesma mão, facto evidente num ornamento caligráfico tão pessoal que funciona como uma verdadeira "assinatura" do anónimo autor, e com vinte anos de intervalo permitem perceber a evolução da dicionarização do tupi no ambiente missionário jesuíta. O manuscrito de 1771 já foi digitalizado, estudado e publicado em CD-ROM, numa parceria com o Fórum Landi e a editora da UFPA, de Belém, e ambos estão incluídos na Biblioteca Digital, disponível aqui.

Conjunto dos manuscritos e livros de Almeida Garrett

Garrett, Almeida, 1799-1854
O noivado no Dafundo, ou Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso [manuscrito]. - [1845?]. - 2 f., 40 p., 3 f. : papel ; 326x221 mm. Ms. 3391

Garrett, Almeida, 1799-1854
Frei Luiz de Sousa : drama [manuscrito]. 1843. [52] f. : papel ; 310x250 mm.
Espólio Almeida Garrett, Cx. 3, 14

A maior parte deste espólio (que se divide entre a BGUC e a Faculdade de Letras) foi comprado em 1947. Do “Frei Luiz de Sousa”, por exemplo, possuímos o primeiro rascunho, a segunda e terceira versões, o borrão para a imprensa e a primeira edição. O primeiro esboço tem no final uma nota curiosa, que dá ideia de que Garrett tinha avaliado bem a importância do drama que acabara de conceber: “Fim – 8 de Abril de 1843 / de manhan, na cama / n’esta casa da rua do / Alecrim – Parece-me q(ue) /5 não fiz uma coisa de theatro; não sei / mas o theatro tragico moderno ou hade ser isto / ou não é nada”.

O espólio ressuscitado de Armando Cortesão

ZWEIG, Stefan, 1881-1942
[Carta] 1938 Mar. 29, London [para] Armando Cortesão / Stefan Zweig. [1] f. : papel ; 253x202 mm.

ZWEIG, Stefan, 1881-1942
[Cartão de visita] 1939 Set. 10, Bath [para] Armando Cortesão / Stefan Zweig [e] Lotte Zweig. [1] cartão : papel ; 114x88 mm. Espólio Armando Cortesão (não-disponível)

A correspondência do Doutor Armando Cortesão deu entrada na BGUC pela sua própria mão, em 1972. Todavia, logo nesse ano, Cortesão solicitou à BGUC que o epistolário só pudesse ser facultado ao público depois da sua morte, para não “ferir alguma susceptibilidade”. Para honrar tal gesto de elegância, o então Director da Biblioteca remeteu a documentação para um cofre de onde só agora foi resgatada. Dessa imensa documentação inédita, mostramos apenas dois autógrafos de Stefan Zweig, que ficou seu amigo após lhe ter pedido ajuda para escrever o Conqueror of the seas : The story of Magellan (1938).

De um lado da barricada, o espólio de Mário de Figueiredo

IGREJA CATÓLICA. Tratados, etc. Portugal, 1937
Concordata : proposta do governo : emendas ou aditamentos da Santa Sé [texto dactilografado]. [1937]. [16] f. : papel ; 334x223 mm. Espólio Mário de Figueiredo (em tratamento)

O fundo do Prof. Doutor Mário de Figueiredo é constituído por centenas de documentos que cobrem a sua actividade como académico e como político, até mesmo como conselheiro e confidente de Salazar. Esteve envolvido na negociação de todas as questões importantes do regime, desde o Acordo das Lajes, até à Concordata. Este exemplar curiosíssimo que compila as suas propostas em nome do Estado português às “emendas e aditamentos da Santa Sé”, é apenas um dos documentos insubstituíveis para a nossa história que esta Biblioteca conserva do século XX, que não apenas dos séculos passados.

E do outro, o dactiloscrito original da “Praça da Canção”

ALEGRE, Manuel,1936-
Praça da canção. [S.l. : s.n.,19--?]. VI, 90 p. ; 27 cm. Ms. 3372

Os poemas que individualmente compõem a “Praça da Canção” foram escritos entre os finais da década de 50 e Julho de 1964 e, seguramente, sob a forma de manuscrito. Todavia, a reunião destes textos para formar o original do livro, publicado em Coimbra por Ivo Cortesão, no Cancioneiro Vértice, em 1965, foi dactilografada pelo próprio autor. Chama-se, então, a um original como este um dactiloscrito. Este será o exemplar que ficou na mão de Rui Feijó quando Alegre emigrou para Argel, com censuras feitas pelo próprio autor sobre alguma dedicatória ou anotação mais íntima.

1 comentário:

Carlos A d'Orey Juzarte Rôlo (cidraes@sapo.pt) disse...

Exmos Srs

Ao ler neste precioso blog uma referencia à autoria e local
"Obra executada em Coimbra, por aluno anónimo desta Universidade, no final do século XVI"
onde teria sido escrito o
"LIVRO DE LEMBRANÇAS DOS PLANETAS",
sinto-me obrigado, por discordar, a comentar tal afirmação.
Acredito que o livro foi escrito na Serra de Ossa, no Convento de S. Paulo e isto porque:
Na folha 28 verso, onde o autor
descreve a "Regra para saber tirar o horizonte do astrolábio", está escrita a
seguinte frase: "…Estando na serra de Ossa no mosteiro de S. Paulo
primeiro ermitão (onde este foi fabricado)" - referindo-se o autor a um astrolábio "o
qual tem 38 graus de altura do pólo…" referindo-se à altura do Sol naquele dia mais adiante, na folha 33 verso escreve
"... ponho a altura do pólo em 38 graus e meio que é este Convento da Serra
de Ossa.." e, ainda "…Quero saber aos quinze dias de Agosto o acima dito –
ponho a altura do pólo em 38 graus e meio que é este Convento da Serra
de Ossa…" A Igreja do actual convento está em 38º 43 N.

As leituras sugerem com pouco espaço para dúvidas dúvidas que os textos e as figuras, contendo os instrumentos,terão sido
feitas no mosteiro da Serra de Ossa.

Com os meus cumprimentos

Sociedade Civil

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