"A mais poderosa inclinação,
e o maior apetite do homem,
é desejar ser.
(…) Não está o erro em
desejarem os homens ser;
mas está em não desejarem
ser o que importa."
e o maior apetite do homem,
é desejar ser.
(…) Não está o erro em
desejarem os homens ser;
mas está em não desejarem
ser o que importa."
Padre António Vieira, Sermão de Todos os Santos,
no Convento de Odivelas, 1643.
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É a base da história humana, culturalmente multiforme, religiosamente diversa, a narração do pecado original, numa tentativa hermenêutica de explicação do sofrimento e da dor humana.
A árvore do Génesis, no Antigo Testamento, explicita o arbítrio humano que conduziu ao desafio e à desobediência. Coube a Eva, instigada pela serpente, provar o fruto proibido. Expulsos do paraíso, lembrança de uma Idade do Ouro quebrada, Adão e Eva darão origem a uma prole marcada pelo pecado, por terem sucumbido ao amor - próprio e ao orgulho. No entanto, não lhes foi negada uma missão a cumprir - a concretização da própria humanidade.
Depois do roubo do fogo sagrado por Prometeu, foi a Pandora, também uma figura feminina, um temperamento igualmente incauto e curioso, quem coube na mitologia helénica abrir o Homem à dificuldade.
Assim, como narra o poeta Hesíodo, Zeus procura punir a humanidade e manda, portanto, criar com argila e água uma mulher semelhante às deusas imortais, belíssima e ornada de todas as virtudes. Chamada Pandora, "A que recebe todas as dádivas", ela é conduzida ao irmão do condenado Prometeu, Epimeteu. E não obstante todos os avisos do primeiro para que não se prendesse de amores por esta mulher, oferta insidiosa dos deuses, este converte-a em sua esposa.
Pandora tinha consigo uma caixa (um vaso), na qual estavam encarcerados todos os males aos quais a espécie humana não sucumbira ainda. Não parecendo resistir à curiosidade, abre a caixa e liberta todos esses males - a loucura, a doença, a dor, a paixão, a mentira… - que se disseminarão pela espécie humana. Na caixa, ficará a esperança apenas, o que restaria ao homem para a sua sobrevivência.
Uma vez mais, uma mulher cometera um erro irreparável. Uma vez mais, o apetite humano fora impulso à sua condenação. Uma vez mais, numa sociedade patriarcal, a mulher aparecia como um símbolo do caos e da entrada do mal no mundo. Mas, uma vez mais também, fora dada a uma mulher a possibilidade da esperança no caso de Pandora, como a da geração no caso de Eva.
O Homem ficou, deste modo, entregue a si, responsável pelas suas opções, restando-lhe a coragem, o esforço e a esperança para superação das adversidades; luta com que se debate até aos dias de hoje. Contudo, como referem as palavras sábias de Vieira, a maior desgraça humana estaria apenas em não desejarmos ser o que importa…
Essa é, afinal, a luta sã que nenhum deus nos retirou ao constituir-nos Homens.
Imagem: óleo de Joahnn Heiss, A Apresentação de Pandora, século XVII.
A árvore do Génesis, no Antigo Testamento, explicita o arbítrio humano que conduziu ao desafio e à desobediência. Coube a Eva, instigada pela serpente, provar o fruto proibido. Expulsos do paraíso, lembrança de uma Idade do Ouro quebrada, Adão e Eva darão origem a uma prole marcada pelo pecado, por terem sucumbido ao amor - próprio e ao orgulho. No entanto, não lhes foi negada uma missão a cumprir - a concretização da própria humanidade.
Depois do roubo do fogo sagrado por Prometeu, foi a Pandora, também uma figura feminina, um temperamento igualmente incauto e curioso, quem coube na mitologia helénica abrir o Homem à dificuldade.
Assim, como narra o poeta Hesíodo, Zeus procura punir a humanidade e manda, portanto, criar com argila e água uma mulher semelhante às deusas imortais, belíssima e ornada de todas as virtudes. Chamada Pandora, "A que recebe todas as dádivas", ela é conduzida ao irmão do condenado Prometeu, Epimeteu. E não obstante todos os avisos do primeiro para que não se prendesse de amores por esta mulher, oferta insidiosa dos deuses, este converte-a em sua esposa.
Pandora tinha consigo uma caixa (um vaso), na qual estavam encarcerados todos os males aos quais a espécie humana não sucumbira ainda. Não parecendo resistir à curiosidade, abre a caixa e liberta todos esses males - a loucura, a doença, a dor, a paixão, a mentira… - que se disseminarão pela espécie humana. Na caixa, ficará a esperança apenas, o que restaria ao homem para a sua sobrevivência.
Uma vez mais, uma mulher cometera um erro irreparável. Uma vez mais, o apetite humano fora impulso à sua condenação. Uma vez mais, numa sociedade patriarcal, a mulher aparecia como um símbolo do caos e da entrada do mal no mundo. Mas, uma vez mais também, fora dada a uma mulher a possibilidade da esperança no caso de Pandora, como a da geração no caso de Eva.
O Homem ficou, deste modo, entregue a si, responsável pelas suas opções, restando-lhe a coragem, o esforço e a esperança para superação das adversidades; luta com que se debate até aos dias de hoje. Contudo, como referem as palavras sábias de Vieira, a maior desgraça humana estaria apenas em não desejarmos ser o que importa…
Essa é, afinal, a luta sã que nenhum deus nos retirou ao constituir-nos Homens.
Imagem: óleo de Joahnn Heiss, A Apresentação de Pandora, século XVII.
1 comentário:
Boa lembrança de trazer para qui este pequeno trecho de Vieira, magnífico no seu alcance, tanto que acabou por inspirar esta inteligente consideração de ordem mitológica, religiosa e filosófica aqui colocada.
Muito diversa, incomparavelmente superior, à suposta questão do Mal levantada no seu Caim pelo nosso Nobel, equivocado de polémica, no objecto e no modo de a propor, típico de qualquer jacobino do século XIX.
Numa tertúlia sobre Ciência, cabe certamente a abordagem filosófico-religiosa.
Creio que foi Pasteur quem nos deixou esta estimulante reflexão :
« Un peu de Science éloigne de Dieu, mais beaucoup y ramène... »
Que sempre podemos tomar para múltiplas dissertações...
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