domingo, 16 de março de 2008

Uma cultura de verdade e qualidade

Post convidado de José Fragata, cirurgião cardíaco e professor na Universidade de Lisboa. A par do exercício da medicina, da investigação e do ensino nesta área, tem-se interessado pela avaliação do desempenho profissional, em particular pela análise dos erros humanos e sua gestão.

A declaração do Luxemburgo de 5 de Abril de 2005 consagra o direito dos doentes no espaço europeu, à segurança nos cuidados de saúde. Com efeito, aos pilares fundamentais da qualidade descritos por Donabedian, que eram a estrutura, o processo e os resultados, foram acrescentadas outros, como o acesso, a reputação, a accountability e, não menos importante, a redução do risco, ou seja, a segurança dos doentes. O risco clínico depende, por um lado, da dificuldade do procedimento e, por outro lado, da performance de quem executa, que é determinada em função da dificuldade. Tomemos o exemplo do salto em barreiras, todos teremos uma boa performance no salto em barreiras, se a altura das barreiras for suficientemente baixa.

Em saúde, há que contar, portanto, com eventos adversos que podem resultar em danos que não são causados pela doença mas por actos dos profissionais. Esses eventos podem ser acidentes ou incidentes, conforme o resultado final fique ou não comprometido. Há algumas trajectórias de acidente que são recuperáveis a tempo e, portanto, não chegam a traduzir-se em acidentes: são os chamados near miss.

Antes de avançar, há que esclarecer duas coisas: a identificação do erro está sempre ligada à existência de um plano e à incapacidade não propositada de o conseguir; e que há erros que são cometidos por pessoas honestas – os erros honestos –, que podem ter uma componente humana ou de organização; e há erros que decorrem da violação das boas regras de fazer - erros por negligência ou violação.

Os eventos adversos em saúde têm grande impacto em custos económicos e sociais e, naturalmente, em reputação. O Harvard Medical Practice Study, publicado pelo National Academy Press do ano 2000, com o título To Err is Human: Building a Safer Health System veio sugerir que entre 44 a 98 mil americanos morreriam por ano devido a erros no sistema de saúde. Mas esta dimensão é mal conhecida e assemelha-se muito a um iceberg: por um lado, os erros são muito mais frequentes que os acidentes e, por outro lado, os quase-acidentes ocorrem numa proporção de 100 para 7, em relação aos acidentes; por outro lado ainda, temos uma tradição de esconder e de não reportar, pelo que se sabe, em cada 20 ocorrências só uma acaba por ser conhecida. Em resumo, 10 a 15% de eventos adversos podem ocorrer em cada admissão hospitalar e há que ter em conta que muitos deles não são reportados. Alguns desses eventos têm consequências muito graves, como danos permanentes ou, mesmo, a morte. Mas o mais importante é que mais de 50% dos eventos adversos seriam evitáveis.

Os erros percorrem todas as especialidades médicas, desde a medicação ao trabalho de laboratório, dos serviços de transfusão, aos cuidados primários, da anestesia, aos cuidados intensivos, mas envolvem muito as cirurgias de alta tecnologia, numa relação directa com a dificuldade do procedimento.

Falando de complexidade de risco e de performance, podemos dizer que a complexidade é constante e que o risco é variável. Assim um factor de risco está associado a um mau resultado, um factor de complexidade está só potencialmente associado a um mau resultado e depende da performance de quem a executa. Grosseiramente podemos dizer que: Performance = Resultado x Complexidade e que esta fórmula permite medir a performance de cada um de nós.

Tomemos por exemplo a mortalidade na Cirurgia Cardíaca Pediátrica, em que o Risco x Sobrevida = Performance. Se o score de risco dos meus doentes for, suponhamos, de 7 pontos e a taxa de sobrevida de 97%, ou seja, a mortalidade de 3%, a minha performance será 7 x 0,97 = 6,8 pontos de performance, o que me permitirá comparar a minha performance com a de outros cirurgiões de outros centros.

A medicina é, como dizia Osler “a ciência do incerto e a arte da probabilidade” e, portanto, há que contar sempre com um grau de risco que tem a ver com a doença, mas também com o seu tratamento. Existem inúmeros índices baseados na complexidade, nas co-morbilidades e nas dificuldades técnicas dos procedimentos, como o índice de Aristotle para a Cirurgia Pediátrica ou o euroScore para a Cirurgia Cardíaca nos adultos. São índices que contemplam a idade, as co-morbilidades, o tipo de doença e a dificuldade técnica do procedimento e aos quais um determinado score está associada uma determinada mortalidade. Assim, o risco clínico será função da complexidade das co-morbilidades e da performance, ou da falta desta, e a falta desta são os erros, os near-misses e os acidentes deles decorrentes.

Porque é que erramos e como é que erramos?

Edgar Morin afirmava, no seu Paradigma Perdido, que a tentativa e o erro permitia à espécie desenvolver-se, estando, assim, indissociavelmente ligada à nossa humanidade. De qualquer maneira, no quadro técnico, os erros implicam sempre a existência de um plano detalhado que implica as fases de planear, armazenar e executar e é, fundamentalmente, nesse plano que se deve pressupor a evitabilidade.

Estima-se que, quando ocorre um determinado erro exista uma componente de acção individual, por actos honestos ou por negligência, que corresponde a cerca de 60-65% das causas de acidente e uma componente institucional (desenho da estrutura física ou organizacional), que corresponde a cerca de 35% dessas causas. Há aqui um pilar intermédio, a equipa de trabalho (o seu contexto, a comunicação, as hierarquias, a liderança) que inclui uma componente individual e uma componente organizacional.

A performance humana é sempre algo imprevisível, uma vez que depende da destreza, da aplicação certa de regras, do conhecimento, da capacidade de decisão. Mas é preciso termos consciência de que todo o erro implica ou deve implicar compensação. Deste modo, quando erramos e reconhecemos que erramos há um balanço de utilização de conhecimentos e de exploração de novas soluções, e é dessa utilização balanceada, que resulta a capacidade de recuperação do erro.

Se, como dissemos, a performance não depende só do factor humano, mas também da instituição, o seu papel é fundamental na prevenção e recuperação dos erros. Assim, deve ser dada particular atenção ao desenho do sistema, aos turnos, à distribuição de tarefas, ao hardware, às instalações, aos protocolos e normas, à liderança, à monitorização de controlo de qualidade, à própria política de gestão de erro, etc. Todo o sistema deve evoluir no sentido da simplificação, da veiculação de informação, da definição de tarefas, da redução de passos de transmissão humana, da existência de check-lists, isto tudo com vista a agilizar a performance, e tornar-se mais seguro. Como disse James Reason “se não podemos mudar a condição humana, podemos mudar as condições sob as quais os humanos trabalham”.

Para compreender melhor este aspecto, recorro à teoria deste autor, que descreve a existência nos sistemas de falhas activas, ou actos pouco seguros, lapsos, enganos ou violações e falhas latentes ou patogénios residentes que são as decisões superiores, a inexistência de normas e a ausência de defesas mais ou menos eficazes. Quando alguns “buracos” surgem e se alinham numa trajectória então, acontece um acidente que, em geral, é causado por factores humanos aliados a factores organizacionais.

Será possível prevenir os acidentes na área da saúde?

Pensa-se que as leis de funcionamento das equipas de saúde, a interacção homem-máquina, a doença, são de natureza complexa e têm muito a ver com a geometria fractal descrita por Benoit Mendelbrot. Correspondem a uma forma de organização do caos que, neste momento, nos escapa, que tem a ver com a associação de pequenos elementos numa determinada ordem, dependendo de auto-organização e de feedbacks positivos e negativos, que fazem com que, para pequenas variações iniciais, os resultados ou outcomes possam ser muito distintos. Isto faz com que um determinado procedimento possa conduzir a resultados muito diferentes dependendo das interacções dos diferentes prestadores

Como é que se monitoriza a segurança?

A resposta é: basicamente, declarando, de modo voluntário ou compulsivo, anónimo ou identificado, os eventos nefastos; e, ainda, recorrendo a auditorias internas e externas. Idealmente, o sistema de relato de eventos deve ser não punitivo, confidencial, independente, analisado por peritos, orientado para o sistema, respondendo a orientações exteriores. É preciso evitar, a todo o custo, o que se chama de ciclo do medo, que resulta do receio de punição de quem é acusado, e que conduz a uma retracção na declaração de eventos futuros. Este ciclo só se abole quando tal relato for despenalizado em termos individuais ou, então, quando for colocada ênfase, não tanto nos eventos adversos, mas na monitorização da performance, isto é, quando não for pensado sobretudo na identificação dos que são out-liers de um determinado sistema, mas nos que são os melhores nesse sistema.

Além disso, é importante dar atenção à tendência do erro: se estivermos vigilantes aos near-miss, percebemos que numa cirurgia podem existir eventos major que põem em risco imediatamente a vida do doente, mas são, em geral, compensados de imediato, porque são facilmente notados. Se a capacidade de recuperação for boa, os doentes não vêm a falecer. Mas há três ou quatro vezes mais eventos minor, que fazem parte do ruído de fundo do sistema, aos quais não damos importância, e esses sim, com efeito multiplicativo e de associação forte com a morte ou acidentes graves.

Como poderemos melhorar a segurança?

A prestação de cuidados de saúde é uma actividade de risco e a estratificação do risco clínico é crucial. Melhora-se a segurança, tomando, por exemplo, as lições da aeronáutica que criaram uma gestão de risco baseada em relato de near-miss e acidentes, no treino do staff em equipa, na realização de check lists que permitem anotar os pontos críticos necessários à recuperação, na análise das causas e trajectórias dos erros, nas tendências para o acidente, colocando ênfase na não culpabilização individual mas sim na declaração, preferencialmente voluntária, de eventos adversos. Em suma, numa cultura de verdade e de qualidade assumida pelos médicos e restante pessoal de saúde.

Figura retirada de:
http://www.2020brasil.com.br/publisher/1203/img/mundo/1504.jpg

2 comentários:

Armando Quintas disse...

O sistema de saude portugues sofre de males endemicos à decadas muito por culpa dos governantes que não percebem nada de saude e gerem hospitais como se gere infantários e empresas de extracção de cortiça.

Ainda não se criou uma verdadeira rede hosptalar em condições, a nivel distrital em que cada hospital central tenha todo o equipamento necessário, condições de infra estruturas, todas as especialidades médicas e todos os profissionais das diversas areas necessárias

Continua a politica a concentração hospitalar em Lisboa quando na verdade não rentabiliza a saude, pois os gastos são mais elevados em tempo, transportes e congestionamento de seviços.

A afluencia aos hospitais faz-se por tudo e por nada pois a rede médica dos centros de saude falha completamente levando os doentes logo à hierarquia superior quando a inferior deveria tratar de uma grande parte dos casos.

Continua em portugal a politica medica do remediar depois de ocorrer e não existe uma verdadeira politica de prevenção seja a nivel da obesidade, seja a nivel dos acidentes de trabalho, seja da higiene e outras coisas, seja rodoviária.

Se houvesse verdadeiras politicas de prevenção, as especialidades médicas sobretudo as cirugicas tinham menos congestionamento e mais tempo para investigação e implementação de normas, regras e procedimentos para evitar os posteriores erros.

O serviço nacional de saude não tem implementado o sistema do irresponsável-pagador, os medicos safam-se à grande, os cidadãos não conhecem os procedimentos para poder manifestar o seu desagrado, revelar injustiças e abusos na saude e quando os procedimentos existem são lentos e caros.

Por cá a saude vai por hora da morte.

Haddammann Verão disse...

Médicos e Físicos e os que tocam a melhora da Sociedade alertem-se sobre isso:
JESUS reina no inferno … Lans houses entupidas de gurizins e gurizinhas só jogando matança (gritando com jogo que jorra sangue); pastores e padres vão ao céu com tanta alegria e dinheiro. O Mucêgo-Mor viciado em roubar e mentir JOGA DESCARADAMENTE dissimulação sobre um povo acovardado e frouxo; forçado psicologicamente a ser babá de cachorro e emporcalhar as cidades. INTENTA-SE CRIAR O SOCIALISMO PULHÍTICO CATÓLICO PROTESTANTE BANCÁRIO. Investe-se fortemente para VIGIAR E CALAR A INTERNET. ASSASSINATO PROPOSITAL DE JOVENS E VIOLÊNCIA CONTRA A INFÂNCIA servem pra forjar o engendramento de vigia sobre cada pessoa na Sociedade. É a Desgraça completa ESPALHANDO NOJO sobre o Brio das Nações. Vergonha, entramos no mais fundo esgôto civil.
Dois casos além do estapafúrdio e esdrúxulo caso da excomunhão de médicos e mãe por motivo de aborto no caso da criança estrupada aos nove anos.
Em Brasília garotos de rua indicaram uma entrada na catedral onde eram "escolhidos" para diversão, e instruídos para que 'dominassem' outros crianças de rua.
Em Taubaté um garoto, de madrugada, com fome, frio, não voltava pra casa toda vez que sua mãe era visitada pelo 'pastor' para 'orá-la' e 'abençoá-la', o que acontecia coincidentemente quando seu pai se embebedava e ficava também pela rua. Nota: O garoto era inteligente, e de muito boa aparência.
Talvez esse elemento 'divino' aconselhava a mãe do garoto a fazer uma limonada como outros fazem quando há separação, oferecendo-se como adoçantes. É algo como a 'boa salada' que nos foi colocada no escrachado conluio teo-pulhítico que apodrece a nação brasileira.
As tramas são tão já descaradas que qualquer um pode notar: O estupro duma criança raquítica é coisa amena, o presídioente aparece na mídia como salvador com tanto podrer quanto os sídious nazistas crentólicos.
Já não há mais como esperar. O Desenlace é irreversível e iminente.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...