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Passagem do Inverno (segundo a versão original, de 1920, do livro “Clepsydra”, Lusitânia; respeitou-se a grafia de então).
I
Passou o outono já, já torna o frio...
--Outono do seu riso maguado.
Algido inverno! Obliquo o sol, gelado...
--O sol, e as aguas limpidas do rio.
Aguas claras do rio! Aguas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cançado,
Para onde me levaes meu vão cuidado?
Aonde vaes, meu coração vazío?
Ficae, cabellos d'ella, fluctuando,
E, debaixo das aguas fugidias,
Os seus olhos abertos e scismando...
Onde ides a correr, melancolias?
--E, refractadas, longamente ondeando,
As suas mãos translucidas e frias...
II
Ó meu coração torna para traz
D'onde vaes a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o peccado
Queimou... Voltae horas de paz.
Vergam da neve os olmos dos caminhos,
A cinza arrefeceu sobre o brazido.
Noites da serra, o casebre transido...
--Scismae meus olhos como dois velhinhos...
Extìnctas primaveras evocae-as:
--Já vae florir o pomar das macieiras,
Hemos de enfeitar os chapeus e maias--
Socegae, esfriae, olhos febrís.
--E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas... Doces vozes senís...--
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