segunda-feira, 10 de março de 2008

Electrónica de Plástico

Mais um post convidado de Luís Alcácer.

Um novo sector da indústria electrónica baseado em materiais plásticos, em vez de silício, está a surgir. Dispositivos, circuitos e sistemas em plástico, de muito baixo custo, que podem ser impressos sobre qualquer coisa e colocados em qualquer lado, começam a aparecer no mercado.

Em paralelo com a electrónica convencional baseada no silício, que na crescente ânsia de colocar cada vez mais componentes num chip de alguns milímetros quadrados, está à beira de atingir os limites do fisicamente possível, está a emergir um novo paradigma baseado, não no elevado desempenho e miniaturização dos componentes, mas sim no baixo custo de fabrico.

De facto, os circuitos electrónicos actuais, que estão nos chips dos nossos computadores, já têm componentes com dimensões da ordem das dezenas de nanómetros (1 nanómetro = 0,000000001 m), aproximando-se assim das dimensões dos próprios átomos. Essa tendência de miniaturização que vem desde pouco depois da criação do circuito integrado, mais precisamente desde 1965, é conhecida por lei de Moore e mostra que a evolução da miniaturização é de uma grande regularidade: o número de componentes duplica cada cerca de 18 meses, atingindo actualmente as centenas de milhões de transístores por chip. Essa regularidade é uma das razões do grande sucesso da indústria electrónica, pois permite fazer previsões a longo prazo, incentivando grandes investimentos, sem risco.

A electrónica de plástico, também chamada electrónica orgânica, assenta no baixo custo do processamento e na possibilidade de manipulação química para atingir as propriedades desejadas nos materiais. Uma vez que os semicondutores orgânicos podem ser concebidos de modo a ser solúveis em solventes comuns, podem ser usadas tecnologias de produção como impressão a jacto de tinta ou estampagem.

Um dos objectivos mais ambiciosos para produzir circuitos e dispositivos electrónicos de baixo custo baseia-se no uso de impressoras rotativas de alta velocidade (como as usadas para imprimir os jornais), que podem imprimir milhares de circuitos ou dispositivos por metro quadrado que depois podem ser separados por processos automáticos. O uso de substratos flexíveis de plástico ou papel permite atingir custos extremamente baixos para certos tipos de circuitos como os que futuramente irão substituir o actual código de barras.

O uso de códigos de barras electrónicos (etiquetas de identificação por radiofrequência, ou radiofrequency identification tags, RFIDs) permitirá que, por exemplo, num supermercado, as compras sejam automaticamente facturadas ao passar pela caixa, sem necessidade de as tirar do carrinho, como se fora uma Via Verde. Os dispositivos da Via Verde são muito mais complexos e feitos com uma tecnologia muito mais sofisticada e cara. No caso dos RFIDs de plástico, o custo de fabrico previsto é de 1 cêntimo por etiqueta.

Com tecnologia semelhante, baseada em dispositivos emissores de luz (organic light emitting diodes, OLEDs) feitos com materiais orgânicos electroluminescentes, podem fazer-se écrans flexíveis para as mais diversas aplicações como telemóveis, monitores para computadores e aparelhos de televisão, alguns dos quais já comercializados, por exemplo, pela Sony, no Japão, como se pode ver. Aqui pode encontrar cerca de 29 vídeos com demonstrações.

Outra aplicação da electrónica de plástico, que promete revolucionar a indústria de iluminação é o uso de OLEDs (de luz branca, se assim se quiser) em painéis de iluminação. As eficiências e tempos de vida já excedem as das lâmpadas incandescentes. A iluminação baseada nesta tecnologia, possibilitará iluminação difusa, com painéis de grande área e cuja intensidade de iluminação pode ser controlada. Também existem LEDs de materiais inorgânicos bastante eficientes, mas de muito maior custo de fabrico.

No âmbito do actual programa quadro europeu, FP7, estão em curso vários projectos de investigação e desenvolvimento, incluindo alguns de grande dimensão envolvendo consórcios de empresas, que se propõem desenvolver tecnologias com materiais orgânicos para produzir electrónica ao metro quadrado, podendo cada sistema incluir todo um conjunto de circuitos e dispositivos como sensores, actuadores, baterias e células solares, tudo em plástico flexível.

Os materiais semicondutores usados nesta tecnologia podem ser baseados em moléculas pequenas, como o pentaceno, representado na figura da esquerda e polímeros, constituídos por muitas unidades ligadas entre si, formando cadeias, como os membros da família dos fluorenos, representados à direita.

Uma característica de todos estes materiais é a existência de duplas ligações conjugadas (ligações químicas alternadamente simples e duplas, como se pode ver nas estruturas representadas), que é, de facto, o segredo para que sejam condutores ou semicondutores, pois os electrões podem circular através destas ligações químicas. Nesta família de moléculas, X e R são cadeias de átomos, escolhidas, respectivamente, de modo a dar origem a diversas cores para a luz emitida (ver exmplos na figura abaixo), e para fazer com que o material seja solúvel de modo a permitir processos de fabrico de dispositivos de baixo custo.
No nosso laboratório do Instituto de Telecomunicações no Instituto Superior Técnico, temos concebido e sintetisado alguns destes materiais, e fabricado dispositivos flexíveis em plástico, como OLEDs (foto da esquerda), transistores e células solares (foto da direita).

A electrónica orgânica poderá ter, a breve prazo, grande impacto na vida das pessoas, proporcionar oportunidades de negócio, dar origem a novas pequenas e médias empresas, como já estão a aparecer na Europa central e do norte, e criar novos empregos, naturalmente, para pessoas qualificadas.

Só na área dos RFIDs as projecções apontam para volumes de negócio da ordem dos 250 mil milhões de euros em 2025, quase tanto como o de toda a actual industria de semicondutores.

Curiosamente, ou talvez não, muita da investigação científica relevante para esta tecnologia tem sido feita na Europa, enquanto que a produção e comercialização aparecem no extremo oriente (Japão, Coreia, Singapura, etc.), sendo muitos dos equipamentos desenvolvidos e produzidos nos Estados Unidos da América do Norte.

Luís Alcácer

2 comentários:

Anónimo disse...

Contratem este senhor para o De Rerum Natura. Urgentemente. Antes que a concorrência o faça.

Anónimo disse...

Subscrevo o 1º comentário mas acrescento que o coloquem a escrever do que sabe bem (como neste texto) e não de mecânica quântica da qual dá uma perspectiva altamente deturpada.

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