sábado, 15 de março de 2008

Há elementos superpesados?


A TSF fez uma série de programas, num formato de entrevista, intitulada "125 Questões de Ciência". Agora está em preparação um livro baseado nessa série, que terá a chancela da Relógio d' Água. Para dar um "cheirinho" do livro transcrevo aqui a minha resposta a uma das 125 questões.

TSF: Aquele que encontrar a solução para esta pergunta ganha o Nobel. Sabe-se que há elementos mais pesados do que o urânio, chamados transuranianos, criados pelo homem, mas estes não são estáveis, decaem muito rapidamente e não têm muita utilidade. Mas tem-se procurado uma “ilha” de estabilidade para além da Tabela Periódica hoje conhecida. A procura mantém-se, o Nobel é um bom atractivo. Mas é pouco provável, diz Carlos Fiolhais, que essa “ilha” de estabilidade exista.

CF: Têm sido intensivamente procurados elementos químicos estáveis fora dos que são conhecidos na Tabela Periódica, mas não foram encontrados e provavelmente não existem. A existirem elementos químicos com um número atómico (número de protões) mais elevado do que aqueles que conhecemos (o máximo actual é o elemento 118, mas o 117 ainda não foi fabricado), provavelmente não serão estáveis.

Convém esclarecer o que são elementos químicos. Toda a matéria é feita de cerca de 100 elementos químicos. O mais leve é o hidrogénio e um dos mais pesados é o urânio. O hidrogénio é estável e o urânio não. A descoberta de vários deles deu, de facto, o prémio Nobel. Mas porque é que o urânio já não é estável? Porque os núcleos (centros dos átomos) pesados são positivos, por conterem protões, e podem partir-se. Os núcleos com uma carga muito grande ficam demasiado positivos, pelo que são radioactivos, isto é, instáveis. Decaem para outros. A obtenção de energia nuclear é uma das vantagens de os núcleos se partirem: os núcleos mais pesados, ao partirem-se, fornecem energia, que é aproveitada nos reactores nucleares. Há, porém, outros tipos de decaimentos nucleares que são aproveitados para a vida prática. Os elementos a seguir ao urânio, os transuranianos, são artificiais e têm um tempo médio de vida muito curto, que se torna cada vez mais curto à medida que cresce o seu número atómico. Já foram feitos vários desses elementos, os tais transuranianos, em aceleradores. Se o núcleo de um elemento for muito instável, será difícil estudar o respectivo átomo e investigar a química baseada nesse elemento. Há, porém, uma possibilidade teórica que alguns físicos nucleares têm vindo a estudar: poderá haver dentro de alguns núcleos muito pesados um efeito estabilizador especial, um efeito quântico (na gíria, fecho de camadas nucleares), que permitiria a existência de certos núcleos atómicos muito grandes, os chamados “elementos superpesados”. É por isso que se fala de uma “ilha” de superpesados no “mar da instabilidade” para além do “continente” nuclear bem conhecido.

O facto é que, ao fim de vários anos, esses núcleos superpesados não foram encontrados. Não foi possível arranjar maneira de os fazer, se é que eles existem. Por isso temos de nos contentar com a nossa Tabela Periódica, contendo cerca de 90 elementos naturais e cerca de 30 artificiais. Basta olhar para a química para concluirmos que eles bastam para nos dar a esse nível uma riqueza impressionante.

4 comentários:

Musicologo disse...

A existir essa ilha de estabilidade presumo que fosse de elementos inexistentes na natureza. Suponhamos que era possível fabricar elementos com nucleos 208,209,210 que eram estáveis, que se descobrisse serem essa tal ilha. A pergunta que se impõe é: para que eles serviriam?

Se são artificiais, ainda que estáveis, quais as expectativas da sua utilidade, visto que provavelmente serão muito caros. Que justificação haveria para se fabricarem? Que vantagens e aplicações práticas pode trazer um elemento superpesado?

Anónimo disse...

Li cheio de curiosidade. Nunca tinha ouvido falar possibilidade teórica da "ilha de estabilidade", e estava interessado em perceber o argumento contra. Afinal, Não se explica o porquê da esperança de que haja uma "ilha de estabilidade" (talvez seja apenas optimismo científico sem base sustentável para esse optimismo o que ainda assim acho legítimo) mas depois também não se apresenta o argumento contrário. Ou seja, sabemos que a instabilidade aumenta muito nos elementos pesados que têm tempos médios de vida quase que absurdamente pequenos. Mas não vejo bem a explicação que sustente que essa inversão seja inviável. Não poderá haver um equilíbrio para um átomo de 140 protões e 300 neutrões? O argumento de "tudo nos diz que quanto maior o núcleo maior a instabilidade" é obviamente muito forte, mas quase que me soou a dogma. É só isso que queria dizer.

Anónimo disse...

Realmente eles não teriam nenhuma utilidade prática, mas enriqueceriam, e muito, os nossos conhecimentos sobre os núcleos atômicos, e sobre as propriedades periódicas dos elementos.

Anónimo disse...

Sou apenas mais Pesquisador anônimo.
Seja qual for a área a que se dedica um pesquisador, mesmo antes de consolidar qualquer certeza, ele divulga por várias motivos, assim como: 1º Colocar seu nome em evidência perante comunidade/clase e o mundo, 2º Obter apôio e interesse de outros labóratórios e pesquisadores, 3º Obter investimento para seguir em frente e realizar seus objetivos e garantir sus sobrevivência, 4º Ao pesquisar algo, caso ele não descubara a utilidade hôje, algum outro pesquisador poderá descubrir no futuro, quem sabe?

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