domingo, 16 de março de 2008

Pedagógico & Saudável

Houve um tempo ainda recente em que muito daquilo que se fazia ou deixava de se fazer, era classificado, de imediato, segundo critérios (pretensamente) pedagógicos: a actuação da polícia, dos juízes, dos pais, dos médicos e, é claro, dos professores; os programas de televisão, os livros, as embalagens de cereais e, principalmente, os brinquedos, mas também as peças de teatro, os filmes, as exposições em museus, etc., etc., etc., podiam ser “pedagógicos” ou “anti-pedagógicos”.

Esse tempo passou ou está a passar. E, sendo eu da área da pedagogia, devo dizer que felizmente assim é. As classificações dualistas e falsamente científicas são de evitar.

Só que esse tempo está a ser substituído por outro que não sei se será mais ou menos preocupante: o tempo em que muito (ou tudo?) daquilo que se faz ou se deixa de fazer é apreciado em função de critérios (pretensamente) sanitários e de sanidade. São a higiene e a saúde que passam a ditar as regras do que acima referi e de mais, muito mais. Por exemplo, nunca ouvi dizer que adornar-se com piercings ou estar solteiro fosse anti-pedagógico…

Vêm estas considerações a propósito do que ontem li sobre o projecto de lei que o partido que nos governa entregou na Assembleia da República, o qual, sendo aprovado, proibirá que gente adulta aplique piercings em certas partes do corpo (em relação aos menores a discussão é outra). Também os estabelecimentos da especialidade devem passar a apresentar qualidade, dispôr de equipamentos devidamente esterilizados, e terem profissionais diplomados que, antes de mais, cuidam de informar os clientes, por escrito, de todos procedimentos e consequências implicados na sua decisão. Ficando a ASAE responsável pelo cumprimento do diploma legal, temos a certeza de que ele se cumprirá.

Como nos tempos que correm, velar pela saúde é uma batalha que se trava obstinadamente em múltiplas frentes, havendo indícios que comprovam as vantagens do casamento, assaltou-me a ideia de que também este pode vir a ser incluído na lista dos comportamentos desejáveis depois de ler seguinte notícia no semanário Expresso (Edição de 29 de Dezembro de 2007, Caderno Economia, página 4):

“Case pela sua saúde. É este o lema da Exponoivos 2008, feira dedicada a “apaixonados nubentes (…) o slogan tem uma lógica. Além dos ‘estudos que comprovam que o casamento faz bem à saúde, contribuindo para a resolução de problemas depressivos, prevenção de doenças cardíacas e vírus da gripe’, a Exponoivos também se assume como primeira feira onde ‘não há lugar para fumos’, face à novas leis do tabaco.”

Será que um dia destes aparece uma lei que obrigue a casar!?

Imagem retirada de:
http://www.acessoeventos.com.br/upload/Image/casamento1.gif

10 comentários:

Klatuu o embuçado disse...

Patético, pacóvio, ridículo, fascista! Se tivesse um puto pagava-lhe já um piercing e uma tattoo!

Também vou dedicar post a essa merda, mas ainda ando a alinhavar a coisa - é o que dá a escrita bêbeda em guardanapos... :)

Anónimo disse...

Parece-me que o Desidério já argumentou de modo muito mais interessante neste blogue sobre questões como esta, a propósito da proibição de fumar em restaurantes e outros estabelecimentos.

O perfeccionismo político na área da saúde que leva à invasão do privado em nome da saúde pública. Daí que seja um assunto que deve ser discutido e, eventualmente, travado em nome da autonomia e liberdade individuais.
De qualquer forma, parece-me que a argumentação da Helena mistura "alhos com bugalhos" e não é procedente. Primeiro, não vejo qual é o problema de as instalações nas quais se fazem piercings tenham as adequadas condições de higiene e que os clientes sejam devidamente informados dos riscos. Suponho que nenhum de nós gostaria de ir a um centro de saúde e não ter garantidas as condições máximas de higiene com as agulhas e outro material invasivo. Nos centros de saúde, e nos hospitais em geral, supostamente há um código de conduta, nomeadamente ao nível da informação do doente, que visa proteger e deixar que o indivíduo decida por si e em função dos riscos que corre. Não vejo qual seja o problema em aplicar os mesmos princípios em estabelecimentos que usam técnicas invasivas e potencialmente lesivas. Da mesma forma, não vou a qualquer cabeleireiro, nem manicure e não gosto que usem em mim materiais que foram usados noutras pessoas sem a devida limpeza. Portanto, se temos tantas precauções em várias áreas, porque não ter noutras?
Os piercings em algumas zonas do corpo provocam infecções recorrentes. Mesmo quando são nas sobrancelhas ou no nariz, dão origem a infecções recorrentes (tanto quanto posso observar em muitos adolescentes). Terão, supostamente, os adultos mais cuidados de higiene? Saberão as pessoas quais são os materiais usados e se são potencialmente alergénicos? Devem ser informadas disso? Pode haver contágio de doenças tais como hepatite e outras através do material utilizado se os estabelecimentos não tiverem os procedimentos de higiene necessários?
Quanto à irritação em relação à ASAE, tenho alguma dificuldade em perceber a argumentação de muitas pessoas. Posso conceder que possa haver algum excesso de zelo. Mas, prefiro-o a comer em restaurantes e ficar invariavelmente doente nos dias seguintes, prefiro saber que há milhares de toneladas de alimentos fora de prazo e em maus estado de conservação foram apreendidos, que dezenas de restaurantes onde não há as mínimas condições de higiene foram encerrados, etc. Daí não decorre que em minha casa não possa ter colheres de pau. Daí decorre que em minha casa devo ter um cuidado acrescido com a higiene nas minhas colheres de pau se as quiser continuar a usar. Mas, num local de serviço público deve evitar-se ter ou fazer qualquer coisa que possa colocar o outro em perigo.
E, já agora, termino. Como cidadã contribuo sem qualquer acrimónia para que haja um serviço público de saúde que possa prestar cuidados a todos. Mas dificilmente penso, e da da a permanente falta de recursos para continuar a pagar os cuidados médicos necessários e disponíveis, se devem pagar actos médicos que podem ser evitáveis. Já agora, porque é que não nos opomos à obrigatoriedade de vacinar as crianças contra certas doenças? Por que é não nos opomos à obrigatoriedade de mantermos a vacina do tétano em dia? Afinal, também parece ser uma obsessão do estado com a nossa saúde.
Maria.

Henrique Dória disse...

E as/os negociantes do sexo aconselham:faça sexo para fazer bem à saúde. Tudo é negócio. Só que este é por uma boa causa, pois fazer sexo intenso torna as espécies mais comunicativas e pacíficas.
Mas põe em perigo o negócio das armas.
Enfim, coisas da natureza humana.

Anónimo disse...

Eu juro que fui ao calendário ver se era dia 1 de Abril...

Anónimo disse...

Gostava de ter acesso ao projecto lei mencionado.

Não tenho piercings, tatuagens, não gosto em geral e não planeio fazer algo dest tipo em breve.

Mesmo assim acho indecente e inaceitável que me venham dizer que eu como adulto não tenho o direito a fazê-lo.

Isto é apenas a evolução natural da tendência de algumas pessoas praticantes de pseudo-ciências como a psicologia para tentarem espartilhar a vida das restantes pessoas.

Tendências manifestadas em atitudes como:


* A carta de condução apenas deve ser dada a pessoas depois de um perfil psicológico (como se esses perfis tivessem algum poder predictivo grupal quanto mais individual)

* O acesso aos cursos de medicina deveria ser ponderado (com poder de veto de facto claro) por entrevistas vocacionais

* Aparte das diferenças sexuais não existem diferenças biológicas entre homens e mulheres (ai de quem constate o facto que as mulheres são em média mais baixas do que os homens ou dados relativos a desvios padrão onde as diferenças são mais notórias)

* Utilização de pseudo-ciência (como desequilíbrios neuro químicos que raramente são medidos e correlações e níveis de confiança que fariam alguém da ciência a sério corar de vergonha) para justificar medicação compulsiva e perda de direitos fundamentais como o direito de voto que nem violadores ou homicidas condenados perdem

O que esta gente não percebe é que eu tenho o direito a dispor do meu corpo, mesmo que isso seja para fazer algo que eles não gostem. Nesse direito está o direito a usá-lo para impedir esta gente de ditar como eu posso ou não viver a minha vida usando todos os meios necessários.

Anónimo disse...

Não deixando de considerar que existe uma atitude moralista do governo em querer regular comportamentos, este caso merece-me uma outra consideração.
A colocação dos piercings é uma mutilação que deixa marcas definitivas, podendo alterar a capacidade gustativa ou o desempenho sexual.
Será que os defensores desta muitilação se opôem à excisão do clitóris se esta for praticada por mulher maior de de "livre vontade", considerando que esta "livre vontade" segue os mesmos condicionalismos sociológicos, para agradar e fazer a vontade ao grupo em que se integra o/a mutilado/a?
P.V.

Anónimo disse...

Será que não estão preocupados com as lâmainas e essas merdas para furar a carne?

Claro que a ASAE deve actuar...

Não é depois de se pegar a SIDA e outras doenças que se vão chamar os "bombeiros"...

Armando Quintas disse...

Há um fime com Keanu Reeves no principa papel cujo titulo agora não me recordo. O filme tratava de uma sociedade higienizada e controlada em nome da perfeição e a virtude nde as pessoas eram vigiadas e controladas, nessa sociedade as emoções eram proibdas e eram erradicadas através de uma droga, quem não tomasse essa droga era condenado à morte.
Se bem se lembram até 1974 , mais propriamete 25 de abril havia um regime neste mesmo país que codenava as pessoas pelas suas opções e opiniões sempre que não fossem partilhadas por esse dito regime, vigiava, reprimia, cencurava, prendia, torturava e algumas vezes chegava a matar.
Parecem tempos bem longes esses do fascismo prtuguês, mas atitudes como essas de se proibirem piecings mesmo em maiores de idade e de lvre vontade e conscientes do acto são pequenos passos para o regresso das ditaduras e dos autoritarismos.
Socrates bem como alguns dos seus colegas de tribuna têm alguns pequenos tiques desse género..

Anónimo disse...

Eis um exemplo do que significa pensar com ponderação, em lugar dos habituais senso comuns e opiniões "a torto e a direito":

OS MENORES NÃO DEVEM FAZÊ-LO" José Luís Peixoto, Escritor

“De uma forma geral, acho que os menores não devem fazer piercings ou tatuagens, por razões que passam sobretudo pela idade. Tenho vários piercings que fiz já depois da maioridade. Não tenho grande opinião sobre este assunto e teria de reflectir de forma mais aprofundada, mas, parece-me, no entanto, que fazer uma lei para isso é algo exagerado. No que diz respeito aos piercings na língua, já ouvi dizer que podem acarretar alguns riscos para a saúde, mas não tenho conhecimento de causa suficiente para poder formar opinião.”

Anónimo disse...

«Será que não estão preocupados com as lâmainas e essas merdas para furar a carne?

Claro que a ASAE deve actuar...

Não é depois de se pegar a SIDA e outras doenças que se vão chamar os "bombeiros"...»


Aqui ninguém se pronunciou quanto ao facto de os meios serem controlados. O que não deve ser controlado é estado dizer que " proibirá que gente adulta aplique piercings em certas partes do corpo".

A palavra chave é adulta. Já percebeu?

A LIBERDADE COMO CONSTRUÇÃO HUMANA E FINALIDADE ÚLTIMA DA EDUCAÇÃO

"O Homem é incapaz de gerir a sua liberdade por natureza.  É preciso educar-se a si mesmo.  Disciplinar-se, instruir-se e finalmente, ...