quarta-feira, 12 de março de 2008

O ESSENCIAL SOBRE CAMILO PESSANHA


No ano passado assinalaram-se os 140 anos do nascimento, em Coimbra, do poeta Camilo Pessanha. A Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra teve patente uma exposição sobre a sua vida e obra, intitulada “Um poeta ao longe”, criada pela Associação Wenscelau de Morais e apoiada pela Fundação Oriente. Um pequeno livro acabado de sair, na muito útil colecção “Essencial” da Imprensa Nacional, da pena do crítico literário, escritor e professor brasileiro Paulo Franchetti, faz um resumo da vida do poeta e comenta brevemente a sua obra. Franchetti, que é professor na Universidade de Campinas, já tinha sido o autor da edição crítica da “Clepsydra”, o único livro de Pessanha, na editora Relógio d’Água. O livro-resumo sobre Pessoa está na grafia e sintaxe do português europeu.

O livro “O Essencial sobre Camilo Pessanha” está mais ou menos dividido ao meio, com os três capítulos iniciais dedicados à vida e três capítulos finais dedicados à obra. A vida de Pessanha tem estado envolta em lenda. Tal se deve, por um lado, à escassez de fontes fidedignas e, por outro lado, ao “exotismo” da sua biografia, que se presta às mais variadas efabulações, desde o seu nascimento como filho de uma governanta de uma casa de estudantes em Coimbra e de “pai incógnito” que era afinal um estudante de Direito aí residente até à sua concubinagem com duas chinesas na distante cidade de Macau. Esse exotismo ajudou sobremaneira à sua aura de poeta-vagabundo, à la Verlaine, buscando inspiração nas brumas do ópio e também na antiga poesia chinesa, uma vez que conhecia a língua. Na primeira parte Franchetti tenta, com conhecimento de causa, desmontar alguns dos mitos que têm circulado sobre Pessanha, entre os quais:

- que teria abandonado a Metrópole em direcção a Macau devido a um desgosto amoroso; recém-licenciado em Direito por Coimbra como o pai, ele foi simplesmente em busca de emprego, depois de ter ganho um concurso para professor de Filosofia Elementar no recém fundado Liceu de Macau.

- que depreciava o filho, aquem chamava “malau” (macaco em chinês) e até o teria expulso de casa em Macau por o ter apanhado a cortejar a chinesa com quem vivia; de facto, teve uma questão com o filho, mas razões mais prosaicas.

- que seria um poeta oral, pois, em vez de escrever ele próprio os seus poemas, os recitava, deixando a outros o trabalho de transcrição; de facto, vários manuscritos que chegaram até nós mostram a preocupação do autor com a sua escrita, existindo amiúde várias versões do mesmo poema antes de chegar à versão limpa, depois publicada por amigos.

O autor salienta a falta de confiança de algumas fontes, mesmo as contemporâneas do poeta. Outros relatos além dos que foram atrás referidos são distorcidos. E conclui que o nosso conhecimento da vida do escritor é ainda fragmentado e precário.

Na segunda parte é o crítico literário apaixonado pela obra de Pessanha quem escreve. Ele recorda que Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro foram, ainda em vida de Pessanha, grandes admiradores da sua obra. Pessoa pediu-lhe versos para a revista “Orpheu”. E em 1934, oito anos depois da morte de Pessanha no Oriente (vitimado pela tuberculose, de que se tinha vindo tratar por temporadas ao Continente; além disso, Pessanha também devia sofrer da doença bipolar), Pessoa escrevia: “A cada um de só três poetas, no Portugal dos séculos XIX a XX, se pode aplicar o nome de ‘Mestre’. São eles Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha” (...) O terceiro ensinou a sentir veladamente; descobriu-nos a verdade de que para ser poeta não é mister trazer o coração nas mãos, senão que basta trazer nelas os simples sonhos dele.” Para que o leitor, eventualmente deslembrado da leitura de “Clepsydra”, possa dar razão a Pessoa, reconhecendo a maestria de Pessanha, deixo no post seguinte dois sonetos simbolistas (“Passagens de Inverno”) escolhidos e comentados por Franchetti no seu livrinho. Talvez a leitura lhe permita também compreender o total deslumbramento de Mário de Sá Carneiro ao ler Pessanha: “Os seus poemas engastam mágicas pedrarias que transmudam cores e músicas, estilizando-as em ritmos de sortilégio – cadências misterosas, leoninas de miragem, oscilantes de vago, incertas de Íris.” Os versos vão com a grafia da edição original de 1920, na editora Lusitânia de Luís Montalvor, embora haja várias edições posteriores, nomeadamente da Ática. Assim, o leitor poderá ver que outras convenções ortográficas não prejudicam nem a leitura nem a magia poética, que é imune à erosão do tempo.

- Paulo Franchetti, “O Essencial sobre Camilo Pessanha”, Imprensa Nacional /Casa da Moeda, 2008.

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