sexta-feira, 14 de março de 2008

EM LOUVOR DAS BIBLIOTECAS


Minha crónica do "Público" de hoje:

Escrevo de Nova Orleães, no sul da América do Norte. Foi aqui que vivi em 1990-1991 ao tempo da guerra do Golfo. Lembro-me da excitação que era ler o “Público”, na altura recém-nascido (parabéns “Público” pelos 18 anos!), apesar de demorar cinco dias a chegar. À época não havia World Wide Web (a Internet era muito primitiva, com “emails” só de texto). Nem portáteis ultra-leves. Nem “wireless”. Hoje escrevo de uma esplanada à beira do imponente Mississipi, num “laptop” de onde posso consultar sem fios, em fracções de segundo, o “Público on-line”. O progresso da tecnologia sempre foi um bom indicador da passagem do tempo.

Ao ler o “New York Times” (o melhor jornal do mundo, o “Público” que me perdoe) de terça-feira, encontro o assunto para esta crónica. Não, não é a notícia da recusa de Obama em ser o número dois da senhora Clinton, o que é natural porque a proposta veio de quem está, agora, em segundo lugar na corrida democrata à presidência. Também não é o título, infelizmente banal, de mais mortos na guerra do Iraque. E também não é a caixa da primeira página sobre o governador do estado de Nova Iorque: o “Cliente 9” de uma rede de prostituição de luxo era ele. De facto, não sei como casos desses ainda são notícia, depois de tantas notícias parecidas (neste caso, o mais picante é que o governador se tenha distinguido a perseguir redes desse tipo...).

A minha atenção ficou presa num outro destaque, que aqui destaco: o anúncio da dádiva de cem milhões de dólares à Biblioteca Pública de Nova Iorque por Stephen Schwarzman, um magnate que fez fortuna na Wall Street. Esta grande biblioteca, com sede num prédio histórico da Quinta Avenida, tem um ambicioso projecto de mil milhões de dólares, o “billion” americano, para ampliar e renovar completamente as suas instalações, estando a recolher donativos individuais. Cem milhões de dólares de um só indivíduo, mesmo com o euro alto, são muitos euros! Mas esse valor mostra o prestígio que o mecenato de uma biblioteca pública dá a uma pessoa rica, no país mais rico do mundo. Que as bibliotecas são dos bens mais estimados nos EUA mostra-o o facto de os ex-presidentes serem honrados com uma biblioteca com o seu nome. Hillary quer, justamente, uma biblioteca com o seu nome, tal como tem o marido. E Obama não quer ser segundo bibliotecário.

Com o progresso das tecnologias da informação, as bibliotecas mudaram muito nos últimos 18 anos. Agora são também virtuais. Daqui consigo entrar não só nos catálogos da Biblioteca de Nova Iorque como também dentro de muitas das suas obras. Mas as bibliotecas não deixaram por isso de ser reais: palácios à espera de quem entre neles para descobrir os seus tesouros. Hoje como ontem as bibliotecas são indispensáveis ao nosso enriquecimento. As melhores universidades americanas distinguem-se precisamente por terem as maiores e melhores bibliotecas. Tendo sobrevivido à fúria do Katrina, a Howard-Tilton Library (o nome é de dois dos seus maiores beneméritos) da Tulane University continua aqui, hoje como ontem, a fazer-me feliz.

Um outro bom indicador da passagem do tempo é o aumento do número de livros publicados. A Biblioteca de Nova Iorque quer, por isso, “soterrar” uma porção das suas enormíssimas colecções, em parte acessíveis sob forma digital, e abrir mais espaços ao público. Como biblioteca da cidade quer servir melhor um número maior de cidadãos. Combinando o real e o virtual, quer ser um sítio agradável para toda a comunidade, a começar pelas crianças e jovens. Porque são as bibliotecas públicas tão importantes? Porque são tão louváveis? Porque, tal como as escolas, são espaços de inclusão. São sítios onde se cresce intelectual, académica e profissionalmente. Por exemplo, 60 por cento do público de um dos ramos da Biblioteca de Nova Iorque, no Bronx, são afro-americanos desfavorecidos. Declarou Schwarzman ao jornal: “A biblioteca ajuda pessoas de baixo e médio rendimento – emigrantes – a realizar o sonho americano”. Uma lição para todos!

3 comentários:

Anónimo disse...

Sr. Prof. Carlos Fiolhais

Às vezes acho que o tratam mal, tem uma colecção de inimigos que não lhe largam os calcanhares, falta-lhe uma Rita que cuide de si, mas desculpe-me dizer-lhe que também não faz nada pela vida.

Então o Professor vem aqui para o blogue gabar-se de estar numa esplanada, à beira do Mississipi, em Nova Orleães, a escrever no seu portátil, a ler o New York Times e possivelmente com duas loiras sentadas nos seus joelhos! Não se fazem muitos amigos assim, Professor! O povo português é por natureza invejoso (não é por acaso que todos criticamos os nossos deputados por terem direito à reforma ao fim de 8 penosos anos de trabalho e tédio) e não perdoa as mordomias que o Senhor Professor apresenta no blogue.

E depois sonha junto do Mississipi. Por acaso um sonho pobrezinho porque sonha em dólares. Quando acordar do sonho tem as mãos vazias porque os dólares já se evaporaram com a crise do subprime mas o professor não perceberá isso.

Depois de reunir a comissão científica do De Rerum Natura para determinar as causas do fenómeno físico ou químico que provocou o desaparecimentos dos dólares (sem conclusões porque entre um novo big bang ou um desenvolvimento quântico não chegarão a lado nenhum), consultará o professor convidado de economia que escreverá um post brilhante sem acertar na causa da evaporação dolística, passará pelo Desidério que dissertará sobre a ontologia do dólar e concluirá, metafisicamente, que a questão do dólar não é uma questão fechada filosoficamente e acabará num apartamento da almirante reis a consultar uma astróloga.

Finalmente, resignar-se-à: os dólares desapareceram devido ao acaso. Nem lhe passará pela cabeça que foi um sonho.

Mas antes sofrer numa esplanada à beira do Mississipi do que ser bombardeado com caca de pombo à beira do lago da jardim da Estrela.

Anónimo disse...

Oh Parente, � s� dor de cotovelo, meu!

Ana disse...

Carlos,
excelente texto, MESMO! Se calhar, "puxo a brasa à minha sardinha" porque sou bibliotecária mas é por demais importante sublinhar o carácter democrático e inclusivo das bibliotecas públicas.
Cumprimentos
Ana T.

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