Transcrevemos um extracto (do início) de um artigo de opinião de Guilherme Valente no "Expresso" de hoje sobre a educação nacional:
1. José Sócrates parece-me ter o enorme mérito de ser o primeiro chefe de governo a identificar e a querer enfrentar o problema central da educação, a ideologia e o obscurantismo pedagógico verificadamente geradores de ignorância, desigualdade e miséria, algo que o eduquês não lhe perdoará. O seu erro foi o "casting".
Na sua primeira declaração (numa escola de Guimarães) –significativamente dissonante da intervenção do Primeiro-Ministro na mesma ocasião – a Ministra, desvalorizando os exames, logo revelou ao que vinha.
Formada no caldo do eduquês, nunca lhe vimos manifestações de distanciamento crítico do flagelo. A tese que adoptou não era nova, mas fez dela o programa do Ministério: a tragédia educativa não se deveria ao eduquês, mas ao modo como foi aplicado. Ou seja, aos professores, que não o aplicam bem, e aos sindicatos, que não deixam pôr os docentes na ordem.
2. Ora, não foi o eduquês, em todos os Governos, que criou, nestes trinta anos, a legislação que «rege» o sistema, formou, infectou, intimidou os professores, comandou as servis direcções das escolas, usou o oportunismo dos sindicatos, que continuam a contribuir para a degradação da escola pública, penalizando, sobretudo, os estratos sociais mais desfavorecidos?
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26 comentários:
Não faço ideia onde foram buscar esta teoria de que o Primeiro Ministro pretende enfrentar o problema do obscurantismo pedagógico e que teve apenas o azar de seleccionar mal os protagonistas do seu filme.
Alguém me pode apresentar um indício que seja, que possa sustentar esta hipótese? Não vale a candura devota de tentar santificar o idolatrado líder em visões que mais ninguém descortinar.
Concordo com João Oliveira, também penso que José Sócrates não tem conhecimentos (formais, não é uma questão de estupidez) para pensar a questão da educação fora ou dentro de uma qualquer teoria pedagógica.
Por outro lado, creio que o termo "eduquês" começa a operar como uma espécie de bode expiatório, todos os erros são lançados em cima de um termo que procura, sem o conseguir, aglutinar as teorias pedagógicas que pelo menos desde Jean-Jacques Rousseau defendem um ensino menos magestático (simplifiquei muito).
Neste momento, eu que também me manifesto contra o eduquês, sugiro que se identifique com mais precisão os inimigos reais (força de expressão, a educação é demasiado complexa para ter inimigos ingenuamente figurativos) da educação escolar. Porque não elegermos durante algum tempo o "capital cultural" (a falta dele, bem entendido)? Mostramos, por exemplo, que é difícil educar bem numa sociedade orgulhosamente iletrada.
Caro Dioniso,
Vamos lá colocar em pratos limpos o que significa «eduquês»: laxismo, desprezo pelos conteúdos, aprendizagem centrada no aluno, aprendizagem diferenciada, desprezo pelos exames, desprezo pelo rigor e pela ciência, falta de respeito pelas capacidades dos menos favorecidos socialmente.
Creio que está mais claro.
Perdoe-me a ironia. Ela não é directamente com o Dioniso, mas com o próprio «eduquês». Na verdade compreendo que quem não esteja dentro do sistema educativo tenha dificuldade em compreender o laxismo que as políticas educativas tem alimentado.
Abraço
Rolando A
Meu caro Rolando
Gostaria que me explicasse como consegue fazer um ensino em que haja "respeito pelos defavorecidos socialmente" sem "pedagogia diferenciada" e "ensino centrado no aluno".
É que gostava mesmo de ter a receita!
O eduquês é como o demónio. Ninguém sabe bem onde está, como é, quem é que o defende, etc. Mas quando achamos que uma coisa é má garantimos que é por influência do eduquês. E quem faz isto gosta de ser visto como cientista de grande rigor intelectual.
Para o anónimo anterior.
Parece-me haver da sua parte uma pequena confusão. Rolando Almeida falou em desfavorecidos socialmente, não referiu desfavorecidos intelectualmente. Entre pobres de rendimentos e pobres de espírito ainda vai uma pequenina distância.
Se o eduquês prejudicar as aprendizagens de todos, como parece ser facto, prejudica mais os pobres, para os quais a escola ainda poderia constituir um meio de mobilidade social ascendente; os ricos, mesmo que a escola não os prepare convenientemente ou não lhes permita singrar no sistema de ensino ou através dele, não precisam da mobilidade ascendente para nada: estão à partida colocados noutro patamar da escala social.
Na procela em que se transformou o sistema educativo, as ondas alterosas provocadas por certa acção sindical ao serviço de ideologias políticas têm passado um tanto ou quanto despercebidas. E isto é tanto ou mais estranho porquanto, na opinião de Alexander Soljenitzyn, "o relógio do comunismo já soou todas as badaladas".
Não é de hoje esta minha posição. Deixei-a expressa no meu livro "O Leito de Procusta" (Outubro, 2006, p. 119): "Neste livro, em cronologia de artigos publicados que permitem um historiar do que ocorreu no universo educativo (apenas em década e meia), pus, diversas vezes, em causa posições vindas do mundo sindical quando defende capelinhas de interesses dos seus dirigentes ou associados. Descurando, nos corredores do poder, a Catedral do Conhecimento e seus devotos, maior número de vezes do que é tolerável! Outras tantas, em manifestações de rua pautadas por um comportamento pouco digno de aplauso".
Ora estas manifestações muito se agravam quando são feitas às portas das próprias escolas, em dias de aulas e na presença dos alunos! Costuma dizer-se "escola de pais, escola de filhos". "Mutatis mutandi", não será lícito dizer escola de professores, escola de alunos? Quando os alunos transportam para as salas de aulas as situações que presenciaram à porta das escolas não se estará em presença de uma situação promotora de indisciplina? Ou mesmo de violência?
Por tudo isto, compreendo e aplaudo, até por uma questão de coerência pessoal, uma pergunta do Dr. Guilherme Valente, personalidade que tem dedicado muito da sua atenção aos problemas educativos, através de uma extensa participação em artigos de jornais e na publicação de livros, através da sua editora “Gradiva”, marcos na discussão desta temática. A pergunta, feita no seu artigo de opinião do “Expresso” (29.Março.2008), é esta: “Ora, não foi o eduquês, em todos os Governos, que criou, nestes trinta anos, a legislação que 'rege' o sistema, formou, infectou, intimidou os professores, comandou as servis direcções das escolas, usou o oportunismo dos sindicatos, que continuam a contribuir para a degradação da escola pública, penalizando, sobretudo, os estratos sociais mais desfavorecidos?”
Esta uma pergunta que não pode ficar sem resposta, por parte de quem se interessa verdadeiramente pelo sistema educativo e pelo destino de uma escola pública devidamente valorizada e não como simples recurso para quem não tem posses para frequentar um ensino privado de qualidade. Aliás, poucos se atreverão, em boa consciência, a dizer que não foi, até há pouco tempo, essa a função bem cumprida pelo ensino oficial, frequentado por alunos de poucas ou muitas posses. Mas para isso, é condição "sine qua non" que o corpo docente das escolas oficiais seja de grande qualidade e exigência no que respeita à respectiva formação científica e pedagógica, sem romantismos.
Alguém acredita que antes da existência das escolas superiores de educação a formação dos professores de Matemática tivesse estado a cargo de uma licenciatura universitária para o ciclo preparatório (actual 2.º ciclo do ensino básico) e hoje esteja a cargo de licenciaturas dessas ecolas politécnicas não só para o ensino da Matemática como, em simultâneo, das Ciências da Natureza. Ou seja, diminuindo a qualidade da formação dos professores e atribuindo-lhes a docência de 2 disciplinas em vez de uma está-se a promover a qualidade do ensino? Que milagre é este, em que a qualidade do ensino está na razão inversa da formação dos respectivos professores? A resposta é dada pela fraca preparação dos alunos saídos do ensino básico. E contra factos não há argumentos. Ou melhor, não deve ser admitido qualquer argumento falacioso ou até menos sério.
De onde tirou este pio devoto de Sócrates esta peregrina ideia redentora da desgraça sem nome em que se tornou o nosso mui democrático Ensino ?
E logo Sócrates, com o currículo da Independente!
Parece anómalo que gente adulta acredite realmente em fábulas e em apólogos, fora do âmbito estritamente literário-filosófico...
Tudo, menos o primeiro parágrafo.
Ao convidar a Ministra não me passa pela cabeça que o P. Ministro não tivesse ficado com uma ideia das principais linhas de força sobre o que a Ministra pensava sobre o assunto.
Pelos vistos o P.Ministro achava que o principal problema eram os professores. Assim juntou-se a fome com a vontade de comer.
Inspirado num ditado popular, poder-se-á dizer que os professores dançaram conforme a música que tocou e no essêncial tocou uma versão Hard do Eduquês.
E porque falo de versão, em relação à forma infelizmente muito mal também haveria para dizer, lembremo-nos, apenas, de que foram polícias às escolas antes da marcha (há um inquérito a decorrer), os alunos queixam-se de que algumas associações de estudantes andam a ser observadas por informadores e entre muitas outras, refiro ainda que o Bloco de Esqerda (senão estou em erro) aquando da greve do pessoal auxiliar, denunciou que o governo pediu aos Conselhos Directivos listas nominais dos grevistas.
Nuno Calisto
Gostava de saber o que é exactamente o eduquês? É que para mim parece-me daquelas definições populares que são criadas para desestabilizar um qualquer sistema ou tentativa de progresso. Enquanto centrar-mos a discussão da educação em conceitos como eduquês não vamos a lado nenhum. Mas o que me espanta, é que este conceito tenha vindo à baila num blog no qual uma grande maioria dos textos pretende exactamente desmascaras estes conceitos. Onde está a Dra. Palmira Silva para vir dar uma tareia neste tipo de pseudo-ciencia que anda a infectar a discussão do sistema educativo Português? Parece que quando se trata deste assunto, as pessoas do De Rerum Natura tornam-se incrivelmente supersticiosos. Será que é por serem eles próprios professores (universitários) e terem medo que a avaliação de professores se estende a eles? Se são tão competentes, têm medo de quê?
O termo “eduquês” designa as ideias de muitas pessoas (mas não de todas) ligadas às ditas “Ciências” da Educação.
Os críticos do “eduquês” não dizem que este é a causa de todos os males do ensino. Pretender que dizem isso constitui a chamada falácia do espantalho: “distorcer o ponto de vista do oponente e depois atacar o argumento distorcido” (Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, Gradiva).
Bibliografia esclarecedora acerca do tema “eduquês”:
- “Os professores e as ciências da educação”, de Aires Almeida, na revista Crítica: http://criticanarede.com/html/fil_ce.html.
- O último capítulo de “Está a brincar, Sr. Feynman!”(Gradiva), do próprio. Esse capítulo chama-se “A ciência do culto da carga” e explica muito bem porque é que no primeiro parágrafo escrevi Ciências entre aspas.
- O estatuto do aluno. Que mostra bem que as críticas ao “eduquês” pecam por defeito.
Bom fim-de-semana!
Carlos Pires
De facto, não podia concordar mais com as intervenções do "ca" neste e no artigo anterior. E pegando na definição de eduquês do Rolando Almeida, vê-se bem que este é um demónio de quem se pode culpar tudo. Eu até começo a achar que os problemas do Benfica são resultado destas pedagogias obscurantistas - talvez o Queiroz seja "anti-eduquês" e venha salvar a época. E não vejo o é que a pedagogia centrada no aluno tem a ver com laxismo, falta de rigor e outras coisas que tais. Alguém já leu as coisas com atenção? É que o "Eduquês em discurso directo" não basta, pelo contrário. E depois, o que falha nestas análises dos "anti-eduqueses radicais" (como o Guiherme Valente) é uma resposta para os actuais desafios da educação. É fácil clamar pelos métodos que existiam noutros tempos, e que davam outros resultados, quando não se pensa no problema da universalização do ensino (é muito diferente ter a população toda na escola ou ter só as elites, como acontecia por cá quando as outras pedagogias funcionavam), ou é muito fácil ignorar a constante batalha entre exigência educativa e abandono escolar - que, para quem não saiba, ainda é um problema muito grave em Portugal - atrever-me-ia mesmo a dizer que é mais grave que o pernicioso eduquês. O que os téoricos do eduquês esquecem constantemente - e que de resto é o que acontece no citado livro do Nuno Crato - é que, porque a escola é um instrumento político, de democracia e de desenvolvimento, é preciso apresentar as soluções para esses problemas, e não apenas apontar os defeitos e agitar o saudosismo dos tempos em que isto era tudo mais simples...
Por uma questão de timing, só um pequeno comentário à última intervenção do Carlos Pires: o novo estatuto do aluno não tem absolutamente nada a ver com teorias pedagógicas. Tem apenas a ver com manipulação de estatísticas e contentamento da CONFAP (felizmente começam a aparecer entidades alternativas para a representação dos pais).
O «Retrato da Semana», de António Barreto no «Público» de hoje, intitula-se «A balbúrdia na escola» e, na sua maior parte, é dedicado a "descascar" o famigerado ESTATUTO DO ALUNO.
Está no blogue dele, [aqui], e vale a pena ler.
Rui Baptista escreveu:
"Alguém acredita que antes da existência das escolas superiores de educação a formação dos professores de Matemática tivesse estado a cargo de uma licenciatura universitária para o ciclo preparatório (actual 2.º ciclo do ensino básico) e hoje esteja a cargo de licenciaturas dessas ecolas politécnicas não só para o ensino da Matemática como, em simultâneo, das Ciências da Natureza. Ou seja, diminuindo a qualidade da formação dos professores e atribuindo-lhes a docência de 2 disciplinas em vez de uma está-se a promover a qualidade do ensino? (...)"
Ainda lhe faltou outra: a do 1º ciclo!
De qualquer forma, não se esqueça que o grupo de Mat e CN do 2º ciclo sempre foi único. Era o antigo 4º grupo, actual 230. E que sempre esteve nas mãos de gente que ou vinha das Biologias, ou das Engenharias ou das Matemáticas ou das Economias. O que não falta para aí é gente à beira da reforma, das mais diversas licenciaturas, que deu sempre ou durante muto tempo as duas disciplinas. Este grupo foi sempre assim. Não há grupo para a matemática e grupo para as Ciencias no 2º ciclo.
eu tenho esse curso.
E concordo com o senhor.
Mas isso sou eu, que já não sou nehuma miúda e tenho uma licenciatura em Agronomia anterior.
Mas, mais terrífico ainda é o facto de os formados nas outras variantes como Educação Física, Música, Francês ou Inglês darem aulas ao 1º ciclo. A matemática como fica?
Maria, talvez seja conveniente elucidar os leitores menos conhecedores do processo da formação de professores que a preparação dos professores para o 2.º ciclo do básico, pelas escolas superiores de educação, se processa da seguinte forma: um tronco comum para os 3 primeiros anos do curso (bacharelato), quer se destine a professores generalistas do antigo ensino primário (actual 1.º ciclo do básico), quer se dirija a professores do 2.º ciclo do ensino básco (antigo ciclo preparatório). Por outras palavras, quer isto dizer que a formação específica pelas escolas superiores de educação para ensinar matemática e ciências da natureza para o 2.º ciclo do ensino básico se fica apenas e só por um ano lectivo. O que, convenhamos, é bastante pouco! Quanto aos professores das outras variantes a que refere, a formação inicial dos 3 anos iniciais de curso é precisamente igual à dos professores que se prepararam para leccionar no 1.º ciclo (antigo ensino primário), estanto, portanto,neste caso, em idêntica situação!
Mas este facto levar-nos-ia a outra espécie de discussão: a boa ou má formação dos actuais professores do 1.º ciclo, agora com uma licenciatura d.B (depois de Bolonha), mas que foge ao âmbito desta troca de impressões. A sua derradeira pergunta ("a matemática como fica?") responde por ela própria: a continuar com até aqui, fica muito mal se nos basearmos no reconhecimento institucional e público deste "statu quo" e, consequentemente, do muito que há a fazer para melhorar a formação dos alunos dos 1.ºe 2.º ciclos do ensino básico neste particular. Como sabe, a aprendizagem da matemática ( e da língua materna) implica patamares de conhecimentos encadeados: basta que um elo dessa aprendizagem se quebre, ou apenas se fragilize, para que o aluno caminhe coxo nos sequentes anos de aprendizado desta matéria.
Reconhecerá que, em situações normais de dedicação e gosto pelo ensino, um professor como uma licenciatura universitária em Matemática estará melhor preparado cientificamente para leccionar esta matéria no 2.º ciclo do básico do que um professor saído das escolas superiores de educação. As excepções, também aqui, só servem para confirmar a regra! Aliás, o nosso sistema educativo é useiro e vezeiro em superar momentos de crise de falta de professores com soluções de emergência que, "à la longue", se mostram desastrosas. O seu caso, devido à sua licenciatura em Agronomia e à sua paixão pelo ensino, não me custa nada a crer que se trate de uma dessas excepções.
O Sindicalismo dos professores permanece como uma metáfora do sindicalismo operário porque a escola funcionava nos mesmos termos de uma fábrica, para manter a disciplina e o rendimento.
Em recente debate sobre o "Livro Branco das Relações Laborais",o presidente da CGTP declarou que «É impensável obter um quadro de relações laborais eficaz numa lógica de combate ao sindicalismo e às organizações dos trabalhadores», a diabolização do sindicalismo.
Transposta esta ideia para o presidente do Sindicato dos Professores, não por declaração idêntica, mas por comportamentos exaltados, gritados, e permanentes, chegaremos à conclusão que a FENPROF partilha da ideia peregrina de que os professores constituem, no tempo actual, os metafóricos operários de antanho, aos quais as agressivas vociferações, e as putativas manifestações, com frases exaltadas, bandeiras desfraldadas, seriam melhor interpretadas e entendidas pelo operariado, do que argumentos inteligíveis, e ao nível do professorado. Esse tempo deveria permanecer na história, e não revivê-lo como D. Quixote, a imitar as façanhas da cavalaria medieval.
Quanto à diabolização do sindicalismo ela situa-se ao mesmo nível da diabolização da ministra. E neste jogo de palavras, acabamos por igualar o que não seria aconselhável igualar, em termos comportamentais. Isto para dizer que, quanto maior a nau, maior a tormenta, nesta navegação carregada de signos, onde os desencontros permanecem, sem ponto de chegada, por desnivelado.
Por muita razão que assista ao professorado (magister=mais), e assiste, sem sombra de dúvida, contra a ministra(=menos), parece que o processo se inquinou logo que esta se tornou, como Atila, o flagelo de Deus, no flagelo do professorado. Enquanto um arrasava a Europa, a ministra devastou o território escolar desconhecido para que nenhuma erva voltasse a crescer. Despoletou a crise e acordou o sindicalismo para a afronta. E a escola que deveria ser um “instrumento” educativo calmo, onde os professores actuassem concentrados, tornou-se numa “instituição” onde o professor se desconcentrou para focar as suas preocupações em coisas outras que o afectam psicológica e socialmente, em especial o descrédito. Como foi possível, o impensável?
Professor do Secundário, isto é, do que é secundário e não interessa
Rui baptista disse:
"Por outras palavras, quer isto dizer que a formação específica pelas escolas superiores de educação para ensinar matemática e ciências da natureza para o 2.º ciclo do ensino básico se fica apenas e só por um ano lectivo. O que, convenhamos, é bastante pouco! "
É mais ou menos isso. Há uma ou outra cadeira com laivos de matemáticas e ciências, um pouquito pretensiosas mas.. muito pouco... vantajosas em termos de real formação científica ou mesmo de utilidade para uso posterior.
"Como sabe, a aprendizagem da matemática (e da língua materna) implica patamares de conhecimentos encadeados: basta que um elo dessa aprendizagem se quebre, ou apenas se fragilize, para que o aluno caminhe coxo nos sequentes anos de aprendizado desta matéria."
heresia...Rui Baptista .. heresia..Essa sua concepção da língua e da matemática entram na concepção do "edifício pronto".
Vou tentar explicar:
Perdoe-me alguma falta de atenção ou tempo ou absoluto rigor, mas a ideia é basicamente esta:
" a matemática ser um edifício, uma visão de arquitectura ou engenharia civil, que se "apresente" ao aluno e que ele estude desde os alicerces até ao telhado, para descubrir como se faz(fez).." foi-me foi apresentado como uma ideia maldita. Não é preciso ser tão redutor, tão reduzida a apresentação da matemática ao aluno. Não é preciso nem aconselhavel. Eu sei disso.
Mas, há famílias que comem congelados,pizzas e take away por sistema. Há famílias onde o jantar é sempre cozinhado. E há famílias onde, quando há futebol ou pouco tempo, ou pouca paciência, de vez em quando, uma vez por semana ou por quinzena, se compra uma lasanha e se mete no forno ou se vai jantar fora. E , de quando em vez, come-se leitão.
(estas minhas metáforas estão cada vez mais tolas) :).
Mas que sei eu da lavoura?
Olhe, sei fazer batota. Decidi, e hoje já o comecei a fazer, que os meus alunos do apoio a matemática vão começar a avançar na matéria antes do resto da turma, que estes não têm pais com $ para explicações ou centros de estudo e eles estão entaladinhos de todo.
Como em 45' por semana não tenho muito tempo para andar com flores, vai mesmo tipo Mcdonalds e depois a professora (com quem eu me dou muito bem, aliás) que lhe meta os ingredientes à frente ( ou será que eles ainda os têm que os ir escolher e comprar, aproveitando para verificarem a razoabilidade dos preços em , pelo menos, 3 sítios diferentes?), que os oriente para que acendam eles o fogão ( sem se queimarem, mas que não o faça ela, que eles têm que aprender sozinhos), que lhes dê a receita muito bem explicada (ou eles terão ainda que ir à procura de uma receita que se faça com aqueles ingredientes?) Ou será ao contrário? Será que primeiro deveriam ter escolhido a receita? Não sei.. (não, pois, primeiro deveriam ter escolhido a receita).
Continuando, dada a receita muito bem explicada, com instruções muito precisas( ou eles deveriam já começar a experimentar novos pratos, novas concepções daquela receita, uma alternativa à receita institucional e imposta por um quadro de paladares vigentes e tradicionalistas..?) Procurando padrões, regularidades, Ah, mas então são precisas pelo menos duas receitas, para aferir essas regularidades e as irregularidades..Não, já sei, metade da turma cozinha a receita tradicional, a outra cozinha uma alternativa. Mas por que só duas receitas? Não, vamos ter 5 maneiras diferentes de conjugar, cozinhar, temperar aquele prato. E se fossem 20 receitas? Não, já sei, vamos tirar o sal aquela, vamos por pimenta nesta e vamos juntar paprika à outra. E se só cozesse 20' em vez dos 10' que a receita tradicional sugere? E se o tempo de cozedura de cada prato fosse diferente em cada receita? Umas cozem 10', outras 12', outras 30'. Adiante; a professora cala-se e eles cozinham. Ao fim dos 90' ou 45', pode ser que alguém coma alguma coisa..ou perceba que raio de receita andou para ali a fazer.
Como sei que depois deste post vou ser crucificada, julgo que tão cedo não voltarei a escrever aqui.
Tudo de bom a todos.
Cara Maria: Não seja tão pessimista a ponto de julgar (ou mesmo saber) que vai ser crucificada. Tece comentários num blogue que prima por dar voz a várias correntes de opinião pois da discussão nasce a luz. Escreva, ecreva sempre, e comente, comente sempre, os meus comentários. É uma maneira de me ajudar a rectificar os pontos fracos da minha argumentação. Não esta de defender que a construção de uma casa não pode começar pelo telhado e que quanto mais sólidos forem os seus caboucos mais ela poderá crescer em altura e solidez! Até breve. Faço votos por isso.
O problema da Maria é não saber se foi o ovo que apareceu primeiro, ou a galinha mai-lo galo.
Até agora... insolúvel.
Quanto às metáforas da cozinha perdeu muito tempo para desexplicar (perdoe o neologismo)o que era inteligível se se remetesse ao método, que, pela tergiversante explicação se me afigurou o "método mútuo", dos séculos XVIII e XIX, e enterrado no século XX.
Como desiste de continuar a participar, desista também do método culinário, porque os ingredientes saíram todos truncados.
Sem heresias, nem maldade, creia.
O Professor do Secundário, isto é, do que é secundário e não interessa
Obrigada Rui e Secundário.
Obrigada pelas vossas palavras. Simpáticas e generosas.
Rui,
"(..)a construção de uma casa não pode começar pelo telhado e que quanto mais sólidos forem os seus caboucos mais ela poderá crescer em altura e solidez(..)"
Claro, é o que eu acho. Provavelmente não consegui passar bem é que a tal ideia maldita, da matemática arquitectónica, me foi passada por uma docente da ESE, que achava que a matemática não era um edifício que o aluno desconstruia. Não se pode dar a casa acabada ao aluno para ele ir perceber depois como é que a casa foi construída.
Pessoalmente, sempre tive as minhas reservas quanto a esta visão e por isso, estava a ser simpaticamente irónica quando proclamei Heresia! :).
lembro-me sempre de um cirurgião, nestas coisas. Será que alguém quer ser operado por um médico a quem ponham os bisturis na mão e a quem lancem o desafio de ir "construindo", "descobrindo como" se faz a operação..?
Ainda por cima na era do Simplex? :)
E em que tempo, mais do que nunca é $$. E em que uma operação custa uns milhares valentes?
Secundário,
Pois, não se percebe nada de cozinha!
Mal imaginava eu que o que eu entendi do matemateduquês ( outro neologismo?)ie, aquele meu arroazado de culinária era (..)"método mútuo", dos séculos XVIII e XIX, e enterrado no século XX."
Pois acredite que a minha percepção do matemateduqês é a da aula de culinária... A inteligilibilidade que tenho da coisa é aquilo que escrevi. Será problema meu, porventura. Afinal, enterrei-me no Séc XX! :)))
ps: hoje apanhei uma catraia a mandar um sms numa aula:).
Cara Maria:
Ainda bem que vejo cumpridos os meus votos! É com sincero prazer que li o seu comentário. Na verdade, suscitou em mim uns laivos de dúvida se a opinião que defendi, de não se poder progredir na aprendizagem da matemática deixando para trás matéria não assimilada (ou colada com cuspo, na giria académica), teria merecido da sua parte o epíteto de heresia. Mas não, houve apenas precipitação da minha parte!
Desfeito este pequeno engano, dividamos, portanto, a meias as culpas de um diálogo de surdos entre si, a emissora, e entre mim, o receptor. Não me parece muito ortodoxo falar em diálogo de surdos quando se trata de mensagens escritas. Mas que quer, "soou-me" bem o que escrevi!
Já agora, como reagiu perante o facto da aluna estar a mandar mensagens pelo telemóvel?
Onde está "É com sincero prazer que li", deve ler-se "Foi com sincero prazer que li"...
Cara Maria
Fez bem em voltar. Afinal estamos todos metidos numa alhada da qual pretendemos sair.
E a ministra, em vez de compartilhar os problemas e as sua soluções, meteu-nos numa camisa de sete varas, e matraqueou-nos a cabeça, como se fôssemos atrasados mentais.
Por isso, temos que falar nestas coisas muito sérias mas, de tão sérias que, faço como o meu pai me ensinou: a melhor maneira de levar as coisas a sério, é levá-las a rir.
Não há outra fuga para não nos constrangermos.
O Professor do Secundário, ou seja, do que é secundário e não interessa, porque é assim que nos trata a ministra
Caríssimos Rui e Secundário,
estragam-me com mimo! :)
Secundário,
pois, no dia em que perder a capacidade de me ir divertindo, mesmo com as rebaldarias e rebeliões dos miúdos, estarei perdida. E graças a Deus fui parar este ano a uma escola TEIP, muito mazinha, mas em que os professores têm um extraordinario sentido de humor. E isso ajuda.
E se o Secundário é secundário, eu ainda sou uma preenchedora de "necessidades residuais do sistema", que como já uma vez afirmei, é uma expressão
( necessidades residuais) que a mim me parece um eufemismo de "merda". Ou não parece?
Leia bem: preencher necessidades residuais de sistema. Sistema, canalização, esgotos, resíduos, detritos= merda. Eu acho que há aqui uma ligação.
Rui,
desfeito o equívoco que tenho a certeza ter sido culpa da emissora, vou-lhe responder á pergunta acerca da minha reacção.
Eu apanhei-a, ela olhou para mim, bastante ancalacrada, eu olhei para ela, ar de má e de "PARECE IMPOSSÍVEL!" mas nenhuma de nós disse uma palavra no momento.
Depois eu disse-lhe: dá-me isso, F.
Ela deu-mo, com ar assustado. Eu voltei a entregar-lho e disse-lhe: desliga-o.
Ela desligou-o. Peguei no tlm e coloquei-o em cima da minha secretária. Depois, continuei a trabalhar, fui ter com quem me solicitava e esqueci o assunto.
Há coisas que se calhar não merecem mais de um instante da nossa atenção..
nota: F. é a inicial do nome da aluna.
errata: encalacrada, e não "ancalacrada"
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