Há uns meses, o Jorge escrevia a propósito do novo livro de Frank Tipler, «O curioso Prémio Templeton, no valor de 1,2 milhões de euros (há quem diga que o valor foi escolhido para ser superior ao Nobel) premeia individualidades que consigam a curiosa proeza de aproximar a ciência da religião. Em 1995, Tipler esteve quase a ganhar com o seu Physics of Immortality. Agora, com Physics of Christianity, deve ser o eleito».
O prémio Templeton, que até 2001 era o prémio Templeton para o Progresso da Religião, foi atribuído há uns dias e Tipler não foi o galardoado. De facto, o prémio foi este ano uma verdadeira surpresa já que o trabalho do polaco Michal Heller, com uma vasta obra científica de mérito reconhecido, não tem nada a ver com religião a não ser pelo facto de Heller para além de físico ser sacerdote católico.
Bem, como afirmou o seu colega Karol Musiol «É evidente que, para Heller, a natureza matemática do mundo e sua inteligibilidade por parte do ser humano constitui a evidência circunstancial da existência de Deus». Assim como considera que «A ciência não é senão um esforço colectivo da mente humana para ler a mente de Deus». Ou seja, com a sua postura honesta e aberta em relação à ciência Heller talvez aproxime a religião da ciência (embora não aproxime a ciência da religião) no sentido em que mostra que é possível ser-se profundamente religioso e não ter qualquer conflito com a ciência.
A propósito do prémio, a New Scientist tem um artigo muito interessante denominado «A ética de misturar ciência e religião», que vale a pena ler. Amanda Gefter considera que Heller é «um homem contemplativo, simpático e brilhante com um impressionante ecletismo intelectual» mas não tem grande impressão da Fundação Templeton, uma «estranha coisa» cujo «principal objectivo é usar a ciência para promover uma agenda religiosa».
A Fundação Templeton tenta desde há uns três anos distanciar-se dos movimentos neo-criacionistas, nomeadamente do Desenho Inteligente, movimento de que esteve próxima num passado não muito distante. Charles L. Harper Jr., vice-presidente da fundação, disse mesmo ao NYT que embora alguns dos seus colegas da Fundação estivessem inicialmente intrigados (e tenham apoiado financeiramente) com o Desenho Inteligente rapidamente se desiludiram, especialmente quando viram que nenhum dos neo-criacionistas estava de facto interessado em fazer ciência (apenas agitação política e social).
Harper afirmou que «Do ponto de vista do rigor e da honestidade intelectual, as pessoas do desenho inteligente não se saem muito bem». E talvez o prémio atribuído a Heller sirva para vincar o distanciamento da fundação em relação ao «criacionismo num smoking barato».
Como um artigo das «Notícias Católicas» indica, o padre Heller tem uma posição muito próxima da posição actual de Harper. Heller considera ainda que o desenho Inteligente enferma de um «erro teológico grave e sério» que «revive as velhas heresias maniqueístas que clamam existirem dois grandes princípios - o princípio de Deus, que é bom, e o princípio do mal - que estão em luta entre si».
Embora partilhe as reservas da editora de opinião da New Scientist em relação aos esforços da Templeton para «comprar» cientistas que sirvam os seus propósitos - e como tal em relação à bondade do prémio -, pelo menos as previsões do Jorge não se realizaram e a verdade não foi sacrificada na escolha do premiado deste ano.
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4 comentários:
Não há nada a dizer a não ser ainda bem que não foi o Tipler que ganhou o prémio!
Se calhar não foi só para se distanciar dos IDiotas que a Templeton não deu o prémio ao Tipler: o sujeito é louco varrido. O Buescu tem razão mas ele já estava totalmente passado antes de escrever o último livro.
Estava a ler um post no Pharyngula que linkava o post "Watch and Weep" do Moran sobre uns retardados que levaram umas crianças a um museu e apontando para os dentes do T. rex diziam: não se vê mesmo que eram vegetarianos que a queda transformou em carnívoros?
e deparei com esta citação, fabulosa de Isaac Asimov:
However much the creationist leaders might hammer away at their “scientific” and “philosophical“ points, they would be helpless and a laughing-stock if that were all they had. It is religion that recruits their squadrons. Tens of millions of Americans, who neither know nor understand the actual arguments for – or even against – evolution, march in the army of the night with their Bibles held high. And they are a strong and frightening force, impervious to, and immunized against, the feeble lance of mere reason.
Isaac Asimov, 1981; quoted in Futuyma, p. 175.
[Futuyma, D. J. (1983): Science on Trial: The Case for Evolution. Pantheon Books, New York, 251 pp.
O problema do Padre Heller é que a sua posição não faz qualquer sentido, tanto do ponto de vista científico, como do ponto de vista teológico.
O Prémio Templeton acabou por premiar um mau cientista e um mau teólogo.
O Padre Heller acusa os criacionistas de cometerem um "grave erro teológico", quando afinal ele é que reinterpreta a Bíblia com base na ciência (falível e provisória) do seu tempo.
Dessa forma ele coloca as teorias falíveis de homens falíveis e precárias acima da revelação de Deus.
Os seres humanos baseiam o seu conhecimento numa informação limitada.
Deus tem uma informação ilimitada.
Nenhum cientista observou a origem do Universo e da Vida.
Diferentemente, Deus estava presente a criar um e outra.
Pode perguntar-se ao Padre Heller: se a ciência tem razão em matéria de origens também terá razão quando nega a ressurreição de Jesus Cristo?
Então o que sobraria do Cristianismo?
Além disso, o Padre Heller ignora uma enorme quantidade de argumentos científicos positivos (v.g. informação codificada no DNA; códigos epigenéticos; complexidade irredutível; entropia genética; ausência de fósseis de transição; evidência de catastrofismo na geologia; sintonia do Universo) que corroboram inteiramente uma visão bíblica da criação, da queda e do dilúvio.
É claro que Deus podia ter usado a evolução para criar o homem. Mas não usou, e disse-o expressamente.
Deus tinha toda a informação necessária e todo o poder para criar todas as espécies, pelo que não necessitou de biliões de anos de tentativas e erros para fazer uma coisa que Ele poderia fazer imediatamente e perfeitanente.
O conceito de evolução não era ininteligível para os antigos.
Muitos na antiguidade tinham concepções evolucionistas, como é o caso de Epicuro.
A noção de evolução era talvez mais fácil de entender do que a de criação a partir do nada.
Se a Bíblia fala da criação especial não é para utilizar uma linguagem mais acessível aos leigos. É apenas porque foi a criação especial que aconteceu, e não a evolução.
A verdade bíblica é esta:
Assim como a ressurreição de Cristo não foi o resultado das leis naturais, mas do poder de Deus, também a criação do Universo não foi o resultado da operação das leis naturais, mas do poder de Deus (por sinal o Legislador que esteve na origem das leis naturais".
Ao ignorar esta verdade é o Padre Heller, e não os criacionistas, que comete um grave erro teológico(e científico).
Em vez de confiar na evolução a partir de um hipotético e desconhecido ancestral comum, o Padre Heller devia começar por aceitar a criação a partir de um real e auto-revelado Criador comum.
A Bíblia, com a sua história da criação, da queda, da corrupção da crialão, do dilúvio, da eleição do povo judeu, da incarnação, morte e ressurreição de Cristo e com a sua promessa da restauração de toda a Criação, continua a ser a melhor e mais segura fonte de conhecimento acerca da origem, do sentido e do destino do Universo e do Homem.
Lamento perspectiva, pela falta de perspectiva. O que afirmas do Pde Heller mostra que desconheces o que ele pensa.
Quando se fazem afirmações como "O Prémio Templeton acabou por premiar um mau cientista e um mau teólogo." leva-me a questionar se quem a fez tem trabalho científico feito e comprovado, ou trabalho teológico feito e comprovado. Uma das características base de qualquer cientista, teólogo ou qualquer um de nós é a humildade. A humildade ajuda-nos a evitar este tipo de afirmações.
Vejamos o contributo do Pde Heller e alguns trechos do seu livro (Creative Tension, as páginas citadas reportam a este livro) que ilustram bem como o diálogo entre ciência e fé é um atractivo dos tempos modernos.
O trabalho científico que tem realizado é, sobretudo, na aplicação da geometria não-comutativa em problemas do domínio da cosmologia. Um dos resultados principais desta abordagem no âmbito do diálogo entre ciência e fé é a sua interpretação filosófica quanto à origem do Universo. Usualmente, pensamos no Big Bang e na ocorrência de uma singularidade inicial, para onde convergem as soluções da equações da teoria da relatividade, ou então, o início da história de cada partícula existente no Universo. Ou seja, esse limite implica que essas partículas emergiram "matematicamente" do nada. Muitos afirmaram que essa prova o momento em que Deus criou este Universo (creatio ex nihilo). Diz-nos o Pde Heller:
«Existem também fortes razões que impedem-nos de identificar a singularidade inicial com o "momento da criação". O nada a partir do qual emergem as histórias das partículas ou observadores, não tem nada em comum com o "não-ser metafísico" dos filósofos e teólogos. ...É verdade que, no caso da singularidade inicial, estas histórias emergem a partir do nada, mas é um nada do ponto de vista do modelo. Neste sentido, esse nada é apenas aquele sobre o qual o modelo nada sabe dizer. O que está fora do modelo, o próprio modelo não especifica.» (pp. 84-85)
Além deste aspecto, os modelos cosmológicos actuais são válidos até às escalas de tempo de espaço de Planck. Ou seja, o t = 0 do Universo não tem qualquer sentido! Mas sim, t > 1E-44 segundos. Para além da escala de tempo de Planck temos o que se designou por era quântica. Segundo Heller, de acordo com a geometria não-comutativa, essa era é "a-temporal" e "a-espacial", isto é, as noções de tempo e de espaço não fazem sentido. Daí que Heller tenha afirmado que «seria inconsistente tomar a criação como um processo imerso no tempo, enquanto simultaneamente se afirma que os começos do Universo são atemporais» (p.96). Por isso sugere que «seria interessante voltar à doutrina tradicional, fortemente defendida por S.Tomás de Aquino, que ... a criação do Universo está apenas dependente do Universo quanto à sua existência na Causa Primeira.... A dependência na existência não precisa da iniciação da existência.»(pp.97-98)
Posto isto, percebe-se melhor como não é trivial ligar directamente o momento da Criação com o Big Bang. Como afirma o teólogo John Haught, existem diferentes níveis de explicação. O leitor deste comentário pode explicar o facto de estar a lê-lo porque existe um computador que o permite, ou então, que eu senti-me impelido a fazer este comentário e por isso é que esteja a lê-lo. São dois níveis diferentes de explicação da mesma realidade.
Por fim, para todos os criacionistas Católicos que respeito, e pensam estar em comunhão com a Igreja quando defendem o criacionismo, queria apenas recordar que em 1893, o Papa Leão XIII na sua encíclica Providentissimus Deus instruiu os Católicos a nunca procurar por informações cientícias na Bíblia. Por isso, talvez valesse a pena pensar nisto ...
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