sábado, 15 de março de 2008

As bananas da discórdia: novos pecados

Imagem: Deliver us from evil, documentário estreado nos Estados Unidos em 13 de Outubro de 2006 que conta a história do padre Oliver O'Grady.

Em Dezembro do ano passado, considerando que as relações entre ciência e religião são muitas vezes abordadas no De Rerum Natura, convidámos o padre jesuíta Alfredo Dinis a expor as suas ideias sobre estes temas. No primeiro post, em que apontava igualmente «Imagens incorrectas do cristianismo», Alfredo Dinis referiu que «A teologia deve retirar das teorias científicas suficientemente fundamentadas as implicações que introduzam modificações no próprio discurso teológico e na autocompreensão que o cristianismo tem de si mesmo. De outra forma, os teólogos poderão estar a fazer um discurso cada vez mais irrelevante».

Esta semana fomos agraciados com uma emanação do Vaticano que embora não corresponda ao que muitos noticiaram, que uma nova lista de pecados mortais tinha sido publicada, é muito interessante de analisar por não só confirmar que existe de facto um conflito ciência-religião mas igualmente por nos permitir a percepção das origens dos «preceitos» morais religiosos.

A Zenit publica na íntegra a entrevista na origem das notícias, uma entrevista ao «L’Osservatore Romano», com data de 9 de março, de Gianfranco Girotti, bispo regente do tribunal da Penitenciaria Apostólica* - o penitenciário-mor é o cardeal James Francis Stafford que escreveu num decreto há cerca de 1 ano: «O homem, ao ter caído no pecado original, que o privou dos dons quer sobrenaturais quer preternaturais» «está submetido às doenças e aos sofrimentos que as seguem», sofrimentos esses «que têm índole penal». O decreto em si valeria uma análise aprofundada mas não é esse o objectivo deste post e assim continuemos com a análise da entrevista, cujo conteúdo tanta tinta fez correr e que obrigou ao esclarecimento por parte da Igreja de que «O Vaticano não publicou uma nova lista dos sete pecados capitais».

Embora toda a entrevista seja digna de nota, nomeadamente a parte referente ao pecado dentro da Igreja - a pedofilia que, segundo o penitenciário, embora seja um problema real o escândalo que suscitou deve-se a uma campanha contra a Igreja Católica por parte dos meios de comunicação social-, no cerne do alvoroço está a resposta de Girotti à pergunta do jornalista Nicola Gori: «Quais são, segundo o senhor, os novos pecados?». Transcrevo a resposta completa:

«Há várias áreas dentro das quais hoje percebemos atitudes pecaminosas em relação aos direitos individuais e sociais. Antes de tudo a área da bioética, dentro da qual não podemos deixar de denunciar algumas violações dos direitos fundamentais da natureza humana, através de experiências, manipulações genéticas, cujos efeitos é difícil prever e controlar.

Outra área, propriamente social, é a área das drogas, com a qual a psique se enfraquece e a inteligência obscurece, deixando muitos jovens fora do circuito eclesial.

Há ainda: a área das desigualdades sociais e económicas, pelas quais os pobres se tornam cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos, alimentando uma insustentável justiça social; a área da ecologia, que se reveste hoje de um importante interesse».

Para além de achar muito divertido que, neste mundo conturbado em que vivemos, o pecado mais grave para o dignitário católico, e podemos apenas supor para a Igreja também, seja a manipulação genética, achei interessante o facto de considerar que o problema principal das drogas seja deixar muitos jovens fora do circuito eclesial. Mas o que realmente me fez pensar neste excerto foi o facto de, tirando a parte da investigação genética, os «pecados» actuais apontados neste ponto pelo dignitário não passarem de banalidades de senso comum.

Isto é, é mais ou menos consensual que as drogas e a injustiça social são um mal e que todos devemos despertar a nossa consciência ecológica. Estas declarações de Gianfranco Girotti não trouxeram nada de novo, são simplesmente generalidades com que a maioria de nós concorda - a não ser na parte da investigação genética. Mas o facto de considerarmos que o penitenciário-regente ecoa muitas das nossas preocupações não implica que nos revejamos em tudo o que diz.

Ou seja, se eu resolvesse criar uma religião nova, afirmasse regras de bom senso como «revelações» ou quejandos e declarasse um pecado não seguir regras que todos concordariam ser sensatas, isso não tornaria legítimas regras arbitrárias que resolvesse incluir no «pacote». Eu detesto bananas e reajo ao cheiro do acetato de isoamilo que lhe confere a fragrância característica quasi como as abelhas, mas não poderia responder se não achava que lavar as mãos depois de ir à casa de banho é uma boa coisa a quem me perguntasse porque razão incluira comer bananas nos pecados e decretara ser proibido sintetisar acetato de isoamilo. E as minhas regras arbitrárias não seriam justificadas pela longa retórica contra os malefícios das bananas que poderia elaborar, por exemplo dissertando sobre o facto de o acetato de amilo, uma feromona que integra o veneno das abelhas e funciona como uma mensagem de alarme, induzir um estado de excitação e agressividade nestes insectos. (Esta é a razão porque um desgraçado que seja picado por uma abelha nas imediações de uma colmeia é perseguido pelas restantes).

Não é muito difícil pensar que a maioria dos códigos morais das religiões correspondem às regras de bom senso e às regras de convivência das comunidades onde surgiram, temperadas com as bananas de quem as coligiu. Quem já assistiu a uma matança de porco no Alentejo em pleno Agosto e verifica a velocidade com que a carne se torna imprópria para consumo se não for imediatamente refrigerada percebe a proibição de comer carne de porco em religiões originárias de climas mais quentes. Assim como percebe porque essa regra nunca constou dos códices morais de países nórdicos. Mas se essa regra fazia sentido antes do advento dos frigoríficos, hoje em dia é completamente absurda.

Algumas das regras dos códigos religiosos continuam actuais e muito do que os representantes de todas as religiões dizem é pacífico, as primeiras porque ou são redundantes, ou seja, são regras de convivência básicas que a maioria de nós seguiria mesmo que não fossem formuladas como regras, ou são normas de senso comum que todos aceitamos sem problemas. Mas há muitas que são simplesmente absurdas ou pior, como a execração do uso de preservativo mesmo como medida profiláctica da contaminação com o HIV em casos em que um dos membros de um casal está infectado.

Respondendo à questão de uma das nossas leitoras, pessoalmente nunca «só para contrariar, tomei a posição contrária [a uma posição da Igreja]». Simplesmente dou-me ao trabalho de analisar criticamente essas posições e tentar perceber quais as bananas envolvidas.

O que torna o discurso dos teólogos cada vez mais irrelevante e transmite a imagem que o Alfredo considera errada do catolicismo são as muitas bananas que subjazem a esse discurso e que se traduzem muitas vezes em conflitos com a ciência - a que a Igreja ao longo dos séculos impôs proibições absurdas de acetatos de isoamilo sortidos. A ciência descascou algumas dessas bananas mas o caroço do conflito é ilustrado com o anátema que a Igreja lançou em relação à investigação em células estaminais.

Este conflito é muito difícil de resolver já que assenta nas bananas dos chamados pais da Igreja, responsáveis em grande parte pela definição das doutrinas cristãs e em cujo pensamento assentam séculos de elaborações teológicas. Estas bananas da discórdia são analisadas pela teóloga Uta Ranke-Heinemann, colega de Ratzinger nos tempos em que ambos eram estudantes de doutoramento em Munique, no livro «Eunuchs for the Kingdom of Heaven: Women, Sexuality, and the Catholic Church». Uta foi a primeira mulher a quem foi permitido um doutoramento em teologia católica.

E já que o tema do post são os «pecados», é interessante recordar as lucubrações de Gregório Magno (540-604), o papa que inventou os sete pecados capitais ainda em vigor. Em plena concordância com o que pregaram os padres da Igreja, no seu Responsum Gregório Magno afirmou «O prazer sexual nunca ocorre sem pecado» e nas suas reflexões sobre o prazer sexual realçava «não basta dizer que o prazer não é meta lícita nas relações sexuais, mas que, quando ocorre, há transgressão das leis do matrimónio».


*Na Europa dos governantes por direito divino, o apogeu e queda da hegemonia da Igreja Católica pode ser acompanhada na evolução do Direito Penal que foi durante séculos apenas o castigo imposto a quem violava a «lei divina», um castigo retributivo, «ao mal do crime, o mal da pena».

Nem todos os pecados podiam ser passíveis de remissão e assim eram previstas penas de morte para os pecados imperdoáveis, como a heresia. As execuções eram conduzidas na praça pública, utilizando a fogueira, forca, guilhotina ou outros instrumentos, isto é, a morte de hereges era um espectáculo popular.

A Igreja considerava a pena como uma penitência para a remissão dos pecados, a um pecado mais grave correspondia uma penitência maior. Aliás, daí o termo ainda hoje alternativo a prisão, penitenciária, que designava os locais de reclusão para onde eram enviados os que transgrediam as «leis divinas» e não tinham posses para remir a penitência com indulgências. Os penitenciários medievais regulavam os pecados e aconselhavam as penas. É interessante ler o Poenitentiale Theodori, de Teodoro di Tarso especialmente o capítulo II, que dá pelo título De Fornicatione.

A diferença entre estas penitenciárias e conventos e mosteiros era inexistente para muitos dos internados nestas instituições, a principal diferença residia no facto de que nas penitenciárias os reclusos remiam-se numa estadia temporária, cuja duração era determinada pela gravidade do pecado.

Erving Goffman, no seu livro de 1987 «Manicómios, Prisões e Conventos» analisa o que denomina de Instituições Totais e trata das características de cada uma dessas instituições e dos internos que delas faziam parte. É interessante notar nesta obra as semelhanças encontradas pelo autor entre estas instituições e sob que justificativas foram criadas e mantidas.

20 comentários:

Anónimo disse...

Creio que toma a Igreja Católica como uma organização laica. Não é e os seus documentos falam primeiro do que tudo aos seus crentes, destinatários delas. Para um católico a crise das vocações religiosas é um problema maior, gravíssimo e seria ilógico que fosse de outro modo. O interessante é que este artigo parte, afinal, de uma visão que coloca a Igreja Católica como guardiã de valores para crentes e não crentes. A Igreja fala ao mundo, é verdade, mas fala primeiro aos seus crentes e as suas verdades não são do menus dos restaurantes éticos de hoje, mas as que para a Igreja são eternas, estejam ou não na moda.

Palmira F. da Silva disse...

Caro anónimo:

Ao ler a parte do comentário em que diz que o meu post parte de uma visão «que coloca a Igreja Católica como guardiã de valores para crentes e não crentes» fez-me lembrar o último Prós&Contras em que um monárquico afirmava que o facto de os presidentes eleitos terem sido reconfirmados para um segundo mandato é a prova provadinha de que os portugueses são na sua maioria monárquicos :-)

Dejá vu àparte, o meu único problema é que a Igreja não se contenta em falar aos seus crentes. Por mim pode decretar pecados (para os seus crentes) à vontade mesmo os assentes em banalidades ou nas bananalidades mais ridículas.

O problema é que a Igreja quer que o que considera pecado seja ou considerado crime, como o aborto, ou proibido, como a investigação em células estaminais.

Isto é, a Igreja não fala apenas para os crentes, se o fizesse este post não teria sido escrito. A Igreja quer determinar normas que todos sejam obrigados a seguir.

O que me obriga, que não reconheço verdades «reveladas» e não quero viver numa república regida por lei de bananas, a analisar em detalhe o que explica esses dogmas, pecados ou o que seja.

Anónimo disse...

Palmira
Continuo a apreciar a elevada qualidade dos seus textos. Mas por outro lado aparecem comentários, normalmente anónimos, que são disparates e consistem em metafóricos tiros no pé.
Isso só prova que neste blog existe a liberdade de expressão que não existia durante a inquisição, aparentemente tão defendida e amada por esse tipo de "anónimos" comentadores.
Espero que não desista.

assinado
O Embuçado

Anónimo disse...

Escrevi: parece colocar. Embora perceba que é difícil não colocar, já que a vida intelectual europeia foi, séculos e séculos, a vida intelectual da Igreja.
No mundo laico de hoje, a Igreja Católica não está, todavia, proíbida de propor a toda a sociedade os seus valores e tem toda a legitimidade para o fazer.
Também não vejo uma oposição entre fé e ciência. Pasteur, católico ferrenho, que rezava o rosário diariamente não deixou de ser um cientista com alguma relevância.
Uma papavra para o Comentador Embuçado: pense que a existência da inquisição não travou nem impossibilitou aquela coisita sem importância que foi o renascimento em Itália. A Inquisição portuguesa, arrancada a ferros À Santa Sé, foi mais tarde muito estimada pelo iluminista Marques de Pombal, que lhe alargou o poder: era uma polícia do estado, sem a qual, parece sermos incapazes de viver.
Aproveito para dar os meus parabéns pelo blog.

Victor Gonçalves disse...

Gostei bastante do post, tem essa rara virtude da leveza rigorosa. Mas toda esta história dos novos pecados mortais se pôs a jeito.

De qualquer forma, parece-me que o fim das religiões sustentadas no transcendente e das suas substitutas ligadas a ideologias de massas (as religiões civis do final do século XIX), resultou num estranho e perigoso vazio, numa falta que não sendo pecaminosa pode arruinar algumas conquistas ético-espirituais essenciais à constituição da humanidade do homem.

Unknown disse...

Adorei, adorei, adorei este outro post cinquenta estrelas :)

Já tinha saudades destas análises da Palmira a enciclicas e outras coisas da ICAR. E valeu a pena o tempo de espera: este post é simplesmente fantástico.

Com a linguagem leve que o tema merece descasca as bananas da ICAR.

Os pais da Igreja são mesmo uma bota difícil de descascar.

Pegando assim de repente só nalguns temos

Clemente de Alexandria (~150-215), que escreveu no livro Paedagogus que "a consciência da sua própria natureza deve evocar sentimentos de vergonha" às mulheres.

O contemporâneo Tertuliano, chamava às mulheres "a porta do Diabo",

Outro contemporâneo, Orígenes (~185-254), o patriarca de Alexandria, tinha tal ódio às mulheres e ao sexo que se castrou de forma a atingir "perfeição cristã".

E não podemos esquecer outros misóginos que odiavam o sexo, Gregório de Nazianzum (329-389), bispo de Constantinopla, outro Gregório (~330-395), bispo de Nyassa, Ambrósio (~339-397), bispo de Milão que se destacou pela indicação da virgindade e castidade como as virtudes cristãs máximas, Jerónimo (~342-420)(que traduziu a Bíblia para latim) e o patriarca de Constantinopla ou João Crisóstomo (340-407).

Mas o misógino mor é Agostinho de Hipona, que se interrogava sobre as razões misteriosas que levaram deus a criar a mulher e que achava:

"Mulheres não deveriam ser educadas ou ensinadas de nenhum modo. Deveriam, na verdade, ser segregadas já que são causa de horrendas e involuntárias erecções em santos homens"

Alef disse...

É uma pena que quando fala de religião a Palmira cometa o mesmo erro que justamente imputa ao Jónatas Machado quando este escreve sobre ciência.

Na verdade, este «post» é muito infeliz. Mistura conceitos diferentes, faz afirmações gratuitas, tudo misturado numa valente dose de preconceito e bastante fel anticatólico. O tema (ou temas) poderia ser bem tratado, mesmo num contexto «laico», mas aqui o resultado é um texto que não tem ponta por onde se lhe pegue. O mesmo que acontecia a muitos comentários «científicos» do Jónatas Machado… Justifico o que digo, apontando apenas algumas «amostras» das rarezas deste «post».

Em primeiro lugar, confunde pecados capitais com pecados mortais, o que leva a que todo o artigo esteja automaticamente «torcido» e não tenha remédio. Só isto leva a que o «post» esteja ferido de morte, do princípio ao fim.

Em segundo lugar, a Palmira trata de um conceito que é teológico como se ele fosse uma espécie de noção meramente jurídica, resultando daqui uma confusão curiosa, interessante, no entanto, para «compreender» a razão por que o tema do pecado tanto «preocupa» uma pessoa que se diz ateia. Quanto ao primeiro aspecto, poderia ser uma boa ajuda o que nota Heidegger, quando diz que o correlato não religioso do conceito estritamente teológico de «pecado» é o de «culpa». Quanto ao segundo, mesmo que o pecado possa ser visto teologicamente numa perspectiva «jurídica», como aparece nos textos da Penitenciaria, o pecado não se reduz a isso e não pode ser isolado do seu contexto religioso e «teo-lógico». A confusão nestes dois aspectos leva a um discurso assanhado, apetecível às mentes anticatólicas, mas não deixa de usar um recurso intelectualmente desonesto.

Entre as várias pérolas avulsas que vi aqui, achei curiosa essa de que foi Gregório Magno o papa que inventou os sete pecados mortais!
Também gostava de saber mais sobre pecados não remíveis ou não perdoáveis que levaram à guilhotina. Enfim…

Alef

Unknown disse...

A doutrina dos vícios capitais é fruto de um empenho de organizar a experiência antropológica cujas origens remontam a João Cassiano e Gregório Magno, que têm em comum precisamente esse voltar-se para a realidade concreta.

Cassiano - bem poderia ser escolhido o padroeiro dos jornalistas - é o homem que, em torno do ano 400, percorreu os desertos do Oriente para recolher - em "reportagens" e entrevistas - as experiências radicais vividas pelos primeiros monges; já o papa Gregório (não por acaso cognominado Magno), cuja morte em 604 marca o fim do período patrístico, é um dos maiores gênios da pastoral de todos os tempos.

Ambos tratam de fazer uma tomografia da alma humana e, no que diz respeito aos vícios, surge a doutrina dos pecados capitais, que encontra sua máxima profundidade e sua forma acabada no tratamento que lhe dá Tomás.

Unknown disse...

Tadinho do Alef, a raivinha católica deu-lhe para o insulto soez.

Ainda não o tinha visto perder a cabeça desta maneira :) É giro ver que mesmo um teólogo perde tramontana e vê tudo ... a bananas.. :))

Só falta dizer que ninguém ardeu na fogueira ou que tal para «remir» pecados.

Unknown disse...

The discipline of the Catholic church is based on the power of the keys intrusted to the apostles and their successors, and includes the excommunication and restoration of delinquent members. It was originally a purely spiritual jurisdiction, but after the establishment of Christianity as the national religion, it began to affect also the civil and temporal condition of the subjects of punishment. It obtained a powerful hold upon the public mind from the universal belief of the middle ages that the visible church, centering in the Roman papacy, was by divine appointment the dispenser of eternal salvation, and that expulsion from her communion, unless followed by repentance and restoration, meant eternal damnation.(...)

Offences both ecclesiastical and civil were punished at once with fines, fasting, pilgrimages, scourging, imprisonment. The civil authorities aided the bishops in the exercise of discipline.(...)

The discipline of the Latin church in the middle ages is laid down in the so-called “Penitential Books.”

They regulate the order of penitence, and prescribe specific punishments for certain sins, as drunkenness, fornication, avarice, perjury, homicide, heresy, idolatry. The material is mostly derived from the writings of the fathers, and from the synodical canons of Ancyra (314), Neocaesarea (314), Nicaea (325), Gangra (362), and of the North African, Frankish, and Spanish councils down to the seventh century.

The common object of these Penitentials is to enforce practical duties and to extirpate the ferocious and licentious passions of heathenism. They present a very dark picture of the sins of the flesh.

They kept alive the sense of a moral government of God, who punishes every violation of his law, but they lowered the sense of guilt by fostering the pernicious notion that sin may be expiated by mechanical exercises and by the payment of a sum of money.


History of the Christian Church, Volume IV: Mediaeval Christianity. A.D. 590-1073.

Unknown disse...

Mais uma coisa a ler: a Ad Extirpanda de Inocêncio IV de 1252 que santifica a tortura, o assassínio de "hereges", encoraja a delação, "pois a delação os faz obedientes à fé divina (parte II,B,6).

Mobiliza todas as autoridades civis para que prestem juramento, sob pena de excomunhão, caso não dêem “assistência em tudo ao inquisidor, aplicando todas as leis canônicas contra os hereges, seus defensores, filhos e netos” (parte II,A,2). "

Um mimo de arbitrariedades a que o Manual dos Inquisidores, o Directorum Inquisitorum (escrito em 1376 por Nicolau Eymerich e revisto e ampliado em 1576 por Francisco de la Peña) vem pôr termo.

No Manual é especificado quem são os hereges, coisa que o Ad Extirpanda deixa oa critério do inquisidor.

"Aplicar-se-á, do ponto de vista jurídico, o adjectivo de herético em oito situações bem definidas. São heréticos:
a) Os excomungados;
b) Os simoníacos;
c) Quem se opuser à Igreja de Roma e contestar a autoridade que ela recebeu de Deus;
d) Quem cometer erros na interpretação das Sagradas Escrituras;
e) Quem criar uma nova seita ou aderir a uma seita já existente;
f) Quem não aceitar a doutrina romana no que se refere aos sacramentos;
g) Quem tiver opinião diferente da Igreja Romana sobre um ou vários artigos da fé;
h) Quem duvidar da fé cristã."

Afinal parece que o Alef está um bocadinho baralhado no pecado que é na realidade jurídico (e continua a poder ser remido com indulgências, pelo menos na Madeira) e que o Alef está convencido que é teológico :)))

Aliás, se fosse mesmo teológico e não jurídico não se percebe porque tanto ulula a beatada pela criminalização dos "pecados" !!!!!!

Palmira F. da Silva disse...

Caro Alef:

Ainda estou um pouco baralhada e sem saber que texto comentou o Alef porque pela prosa este não foi certamente.

Mas já agora aproveito para lhe explicar que um não crente não está minimamente interessado nas longas e ocas tiradas teológicas/religiosas que justificam porque razão deve ser proibida a síntese de acetato de neoamilo :-)

Só preciso de as ler uma vez para perceber que no fundo está a aversão a bananas dos pais da Igreja :-)

Se os pecados fossem uma questão puramente teológica, fantástico. Todos agradeceríamos que o Alef e demais assim inclinados se dedicassem ardua e exclusivamente a lucubrar sobre esses temas. Mas infelizmente todos estamos sujeitos às consequências da sua versão mais importante para a Igreja: a jurídica.

Não há nenhuma razão para continuarmos todos juridicamente amarrados às fobias de uns senhores que morreram há umas centenas largas de anos.

PS: Tenho a certeza que não foi este texto que o Alef comentou, mas já agora recomendo que leia de novo a parte em que menciono os pecados mortais o que, segundo o Alef, «leva a que todo o artigo esteja automaticamente «torcido» e não tenha remédio».

É aquela parte que diz:

«Esta semana fomos agraciados com uma emanação do Vaticano que embora não corresponda ao que muitos noticiaram, que uma nova lista de pecados mortais tinha sido publicada,»

Abobrinha disse...

Palmira

Acho o post equilibrado e nem acho que possa dizer que discorde frontalmente de nada. Sobretudo, do que discordo não é por ser a sua posição contra ou a favor da igreja mas porque discordamos doa factos ou ideias em si mesmos.

Quando cita o cardeal James Francis Stafford há que ter em conta que o discurso é um discurso teológico e com a terminologia própria. Dito isto, este discurso recorrente do pecado e da justificação dos males do homem como castigo pelo pecado original (e aqui a mulher é que se trama mais ainda!) já justificou atrocidades. Contudo, atrocidades diversas foram justificadas por discursos diversos. Não sendo desculpa, o discurso do pecado está sob vigilância de cristãos e não cristãos e tem uma mensagem de amor e perdão associada (se bem que muitos crentes se esqueçam desta parte, o que é um disparate).

Na resposta à questão dos novos pecados, se substituirmos “pecados” por “questões éticas e sociais” e “deixando muitos jovens fora do circuito eclesial” por “deixando muitos jovens fora do circuito social”, qualquer sociólogo lhe poderia dar a mesma resposta ou semelhante. Não há aqui bananas.

Quando diz que “[para a igreja] neste mundo conturbado em que vivemos, o pecado mais grave [...] [é] a manipulação genética”, não é bem assim: todos os outros pecados já estão contemplados na “outra” lista. E repare que a manipulação genética é uma preocupação ética importantíssima. Tão importante que cientistas e cidadãos querem esclarecimentos e discussão acerca do assunto. Eu sei que eu quero! Não diga é que a maioria das pessoas não concorda com a posição da igreja, porque não sabe isso. E há os que estão confusos, como eu. E ainda os não informados e os que nem querem saber.

Os “pecados apontados” podem ser considerados banalidades de senso comum. Porque são senso comum (não creio que sejam banalidades, mas isso é a minha opinião). O bispo não reinventou a roda e a igreja está tão atenta como outras forças sociais à sociedade em que vivemos. Não vejo espanto nenhum nestas declarações (as outras estou com dificuldades em compreender na totalidade por estarem em italiano).

O paralelo com o aroma da banana é que não entendo de onde veio, porque se justifica com regras arbitrárias. A Palmira não pode pensar que toda a gente vê como um dado adquirido que a manipulação genética, a clonagem e a contracepção são éticas e a posição da igreja resulta só de arbitrariedade e poder pelo poder. A posição da igreja está justificada com argumentos. Atacáveis e não válidos, a meu ver, na questão da contracepção; ainda tenho que pensar no assunto no caso da clonagem e manipulação genética. Mas não arbitrários.

Por último, não tenho ideia das opiniões que aqui escreve que contrarie a posição da igreja só para contrariar. Acho que de facto justifica as suas opiniões. Mas tem que admitir que as posições da igreja só não são sustentadas em factos no que diz respeito a fé pura (Deus, Cristo e companhia limitada). Bom senso, senso comum ou outros, com mais ou menos discurso teológico, as posições da igreja apresentam sempre justificação. A igreja justificar-se é uma coisa, ser infalível é outra inteiramente diferente. Eu não os tomo por infalíveis nem de perto nem de longe, pelo que é necessário analisar criticamente (e aqui estamos de acordo).

Quanto ao que disse o Gregório Magno sobre o prazer no acto sexual... ele que fique com a opinião dele! Anacrónica e mal fundamentada (mesmo para a altura), porque sem o prazer no acto sexual pela parte (pelo menos) do homem não há criação. Por uma questão de cortesia, a mulher também deve participar no prazer. A igreja sempre teve uma posição estranha em relação ao sexo e infelizmente ainda persiste. A tragédia é que no caso da contracepção isso tem implicações a nível de perda de vidas, mas as pessoas têm que fazer uso da sua capacidade crítica.

BLUESMILE disse...

Cara Palmira:
Quero felicitá-la, por mais um belíssimo texto, que exprime, paradoxalmente, o que milhões de católicos pensam.
È que, mesmo para os crentes, há que fazer o discernimento entre o que são "as bananas" e o que é verdadeiramenre relevante, que normalmente é partilhado pelos não crentes, ou seja coincide com um ethos comum, inteligível pela maioria.
Por exemplo, existirá um consenso comunitário alargado de que o tráfico de drogas é um mal social ( ou um pecado, em linguagem teológica)mas milhões de católicos terão dúvidas em considerar que a investigação na área da genética será um pecado.A crispação ontológica da Igreja face á ciência é ancestral e explicável, com repurcussões dramáticas em algumas áreas. Não é por acaso que a Igreja considerou pecado grave a dissecação de cadáveres e acolheu com profunda desconfiança o uso de anestésicos.
Mas os católicos são, apesar de tudo, uns animais de esperança.
E por isso, para os milhões de católicos que se sentem perplexos com a demonização da ciência - particularmente da genética - há a notícia desta semana de que uma estátua de Galieu vai ser colocada em pelos jrdins do Vaticano.

Quanto às acusações de "falta de honestidade intelectual" - é um chavão recorrente utilizado pelos pretensos defensores da igreja, quando confrontados com outros pontos de vista que não conseguem rebater.

Palmira F. da Silva disse...

Caros leitores:

Obrigado pelos comentários.

Abobrinha,

em relação ao decreto dos penitenciários, embora o actual Papa, então ainda cardeal Ratzinger, tenha escrito no documento que declarava herética a obra do padre Roger Haight, Jesus Symbol of God, que «continha afirmações erróneas, cuja divulgação constituía grave dano para os fiéis», tenha escrito ser inadmíssivel a «subordinação dos conteúdos da fé à sua plausibilidade e inteligibilidade», não estou a ver que outra interpretação dar ao prólogo do dito decreto que não seja o que lá está escrito:

que «O homem, ao ter caído no pecado original» é punido com doenças e sofrimento.

Mas dou de barato que haja alguma subtileza que me escape :-)

Em relação às questões genéticas, o que está em causa é a sanha com que alguns grupos tentam proibir a investigação em células estaminais. Ou seja, não me referia a aplicações de ciência, que não compete aos cientistas determinar, mas à ciência propriamente dita.

Ou seja ainda, não compete à Igreja determinar o que a ciência pode ou não estudar. Nem a regulação do código ético e deontológico dos cientistas é competência da Igreja.

Caro Bluesmile:

Tenho a certeza que a esmagadora maioria dos católicos, que não aceita de cruz e acriticamente tudo o que é debitado pelo Vaticano -basta ver que devem ser muito poucos os católicos que seguem a proibição de contraceptivos, p.e. - sorriram e abanaram a cabeça quando leram a história de ser pecado a investigação genética assim como sorriram quando leram que o Trujillo queria excomunhão automática para todos os cientistas que trabalhassem com células estaminais.

Concordo plenamente que, não obstante o anátema que alguns tentam lançar sobre os ateus, não há diferenças significativas, crenças religiosas àparte, entre o que pensam e como se comportam ateus e a maioria dos católicos.

Ponto_de_Interrogação [?] disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ponto_de_Interrogação [?] disse...

Cara Palmira,
Gostava de deixar algumas reflexões que poderão ou não ajudar:

Não existe comunidade humana que não conheça regras e não distinga o bem do mal. O ser humano é um ser moral. Todas as culturas têm regras, segundo se nasce, vive, morre humanamente.
“A moral é um sistema de normas, princípios e valores, de acordo com os quais se regulam as relações mútuas entre indivíduos, ou entre eles e a comunidade, de tal maneira que as ditas normas, que têm um carácter histórico e social, se acatam livre e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de um modo mecânico, exterior e impessoal” (Cf. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez – “Moral”).
A ética é a reflexão sobre a dimensão moral, tendo a função de clarificar, precisar, fundamentar, aplicar, e promover a moral. Existem dois tipos de ética, a de máximos que se refere a uma moral superior que determinado indivíduo possui, e a de mínimos refere-se a uma moral que é aceite por toda a comunidade, por isso mesmo é mais básica.
A bioética é o estudo sistemático das dimensões morais, é um saber transdisciplinar, que planeia as atitudes que a humanidade deve tomar ao interferir com o nascer, morrer, a qualidade de vida e a interdependência de todos os seres vivos. É decisão da sociedade sobre as tecnologias que lhe convém. A bioética deve ser uma ética civil ou secular, não directamente religiosa; deve ser uma ética pluralista, autónoma, e não heterónoma. Tem de ser racional, aspira a ser universal, e deve possuir uma atitude crítica.
A bioética teológica é uma reflexão que dá atenção especial aos contributos da fé crista: aos dados da revelação, e à tradição da Igreja.
Parece, então, que a bioética religiosa é incompatível com a bioética secular. Pois, na bioética religiosa a lei não vem do homem, mas de fora dele, ou seja, de Deus. Poderá parecer uma imposição de Deus, que obriga o ser humano a cumprir os mandamentos caso queira ser “salvo”. Não é o ser humano por sua iniciativa que reflecte aquilo que é bom ou mau para ele, mas é Deus que faz o conjunto de normas que o ser humano tem que cumprir acriticamente. Fazendo uma experiência prática, podemos perguntar a um cristão tradicional porque é que determinada acção é pecado, é provável que responda que Deus disse que era pecado, e a argumentação encerra aí. Podemos ver possivelmente que o cristão tradicional não age devido a uma reflexão pessoal com sentido, mas limita-se a “não pensar”, assimilando acriticamente tudo o que Deus disse, ou que os sacerdotes disseram que Deus disse. Deste modo, o cristianismo poderá estar a adulterar aquilo que é o ser humano e a sua moral natural, onde muitas vezes se aplica a designação de “pecado” a uma acção que pode ser moralmente boa a nível da bioética secular.
Será que a religião cristã, não atendendo às demais reflexões humanas, poderá fazer uma reflexão moral sobre o aborto, a procriação medicamente assistida, os contraceptivos, a eutanásia, entre outros, sem ter em vista a situação concreta? Há o grande perigo de generalizar. Cada situação é única, e deve ser bem reflectida pelo Homem consciente. Não será que a religião anda a atrapalhar a acção e agir humano?

A religião cristã propõe um ideal de vida, uma moral. Contudo, o cristianismo não é primeiramente um sistema moral, mas um sistema religioso. Caracteriza-se sobretudo pela adesão a Cristo, que não sendo uma moral, inclui uma moral, ou seja, o amor ao próximo, e o amor a Deus.
Reflectindo ingenuamente pode-nos parecer incompatível a ética religiosa com a ética secular ou humana, uma vez que a lei não vem do homem, mas sim fora dele. Esta concepção é errada, pois, o criador apesar de ser outro, não é exterior ao homem, mas antes radicalmente imanente. Deus não é de alguma forma exterior ou rival. Assim, a Sua lei não é outra lei do mesmo nível. A lei moral natural é a participação formal da lei divina na criatura.
O cristianismo não quer de maneira nenhuma aniquilar a moral secular. O cristianismo deixa subsistir a moral humana, mas transfigura esta moral. Deste modo, o cristianismo assume a lei moral, funde a autonomia humana e põe-na no seu lugar quando esta tende a idolatrar-se.
A moral de uma acção não tem primariamente a ver com verdades da fé, mas com Direitos Humano. Pois, o sentido moral é anterior a qualquer revelação divina. E a moral religiosa pressupõe, como indispensável condição de possibilidade, a moral humana. Deste modo, qualquer norma moral que se possa considerar como presente na revelação, só o será para o crente se este em consciência a considerar como tal. Concomitantemente, é preciso atender que não podem ser objecto de definição dogmática opiniões morais operativas concretas.
Constamos, então, que a moral religiosa não invalidada a moral racional. Pois, mesmo uma ordem directamente recebida de Deus só se apresentará como vinculante para quem perceba que deve obedecer-lhe; isto é, perceber que isso é que é bem e o contrário mal, sendo o bem para se fazer e o mal para evitar.

Unknown disse...

“Novos Pecados”

A forma de lidar com a "globalização desenfreada" adotada pelo Vaticano me parece às vezes paradoxa e cada vez mais repressiva. A elite eclesiástica se vê no papel de definir o senso comum da sociedade, daí a criação dos novos pecados capitais (e também dos antigos).
Ok. Concordo que a igreja precisa de uma atualização em seu modo de ver o mundo. O ser humano mudou muito desde a época em que a gula ou a luxúria, de acordo com o senso cumum, eram discriminadas. Hoje em dia, ninguém pàra pra pensar se comeu demais ou se fez sexo demais.
Muito bem, como as atualizações mundiais estão sendo feitas em toda e qualquer instituição que se preze, a igreja não poderia ficar de fora.
Porém, existe um problema, a igreja só consegue criticar negativamente as evoluções e revoluções do homem. Não digo que concordo com o uso e tráfico de drogas, e muito menos que apóio a desigualdade social. Falo dos avanços científicos que foram alcançados ao longo dos anos. Colocar os estudos com células tronco ao lado e com mesmo valor do uso de drogas e do apoio à pobreza é um sinal de que o Vaticano permanece fiel aos antigos conceitos, o que nos faz concluir que essa “renovação de pecados” nada mais é que o retrato de um Vaticano que tenta implantar a máscara da modernidade e fica devendo uma visão consciente da sociedade.
Infelizmente, os novos pecados capitais publicados pelo Vaticano vão ficar doendo na alma dos fiéis por muito mais tempo.
A não ser que o Vaticano queira “bancar” o Planeta Terra Comunista, fato que eliminaria a pobreza, automaticamente exterminaria o tráfico de drogas e quem sabe, daqui alguns anos, faria com que cientistas e médicos desistissem de curar doenças crônicas.


(Andréa Bratillis)

Anónimo disse...

Palmira,
como sempre, muitos parabéns pela militância do esclarecimento e pela atenção, que nem todos podemos ter, aos caminhos mesquinhos do poder. Obrigada.

Cláudia S. Tomazi disse...

Vitamina "e" entusiasmo.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...