domingo, 9 de novembro de 2008

Ant-intelectualismo e política


A Newsweek disponibilizou online um resumo do seu Special Election Project e o primeiro capítulo das «batalhas secretas e medos privados» recolhidos por uma equipa de jornalistas embbed nas campanhas dos dois candidatos. Alguns dos pontos abordados não são muito lisonjeiros para a candidata a VP Sarah Palin e confirmam o que desde a sua nomeação temos escrito no De Rerum Natura.

Aparentemente a completa ignorância da senhora foi reconhecida desde muito cedo pelos jornalistas que a acompanharam, que por uma razão que não se percebe, apenas após a eleição ter terminado resolveram vir a público com o que lhes foi óbvio desde os primeiros momentos: Sarah Palin é uma ignorante que não está (nem estará) minimamente preparada para as responsabilidades da Casa Branca. Por exemplo, jornalistas tão insuspeitos como Dana Bash da CNN e especialmente Carl Cameron, o Chief Political Correspondent da Fox News - uma estação que tradicionalmente tende (muito) para o lado mais conservador dos republicanos - relatam coisas que nos deixam muitas dúvidas sobre se a imprensa cumpriu o seu papel nestas eleições. De facto, não deveria ter sido sua obrigação cívica transmitir informação como o excerto que se segue ao público em geral? Porque razão concordaram em participar na farsa durante dois meses e só agora trouxeram a verdade a público?

According to Fox News Chief Political Correspondent Carl Cameron, there was great concern within the McCain campaign that Palin lacked "a degree of knowledgeability necessary to be a running mate, a vice president, a heartbeat away from the presidency," in part because she didn't know which countries were in NAFTA, and she "didn't understand that Africa was a continent, rather than a country just in itself."

Palin was apparently a nightmare for her campaign staff to deal with. She refused preparation help for her interview with Katie Couric and then blamed her staff, specifically Nicole Wallace, when the interview was panned as a disaster. After the Couric interview, Fox News reported, Palin turned nasty with her staff and began to accuse them of mishandling her. Palin would view press clippings of herself in the morning and throw "tantrums" over the negative coverage. There were times when she would be so nasty and angry that her staff was reduced to tears.

O problema é que o erro de palmatória de McCain na sua escolha de VP deixou Sarah Palin convencida de que será a candidata republicana à presidência em 2012. Esta perspectiva, que me deixou há dias com pesadelos, parece absolutamente remota especialmente agora que a imprensa norte.americana se recordou de qual é a sua missão. Aliás, podemos pensar no divertimento que seriam umas primárias republicanas com «bons rapazes» como Mitt Romney, Rudy Giuliani (que já tem página e tudo), Bobby Jindal ou Tim Pawlenty a fazerem a Sarah Palin o merecido vetting que McCain se esqueceu de fazer e que os democratas tiveram pudor de desvendar em todo o seu pavor...

O assunto foi abordado por um artigo do Público que responde à pergunta:

«Agora que a campanha acabou, por que é que a eventual ignorância da candidata ainda é notícia? A questão está na guerra pelo poder que rebentou no seio do Partido Republicano, depois de falhada a candidatura de McCain e Palin à Casa Branca».

Eu suponho que a questão é bem respondida pelo excerto da entrevista reproduzida. Isto é, parece que para o GOP dos religious right bem representados por Pat Buchanan, não interessa que a candidata seja uma autêntica anedota em termos de conhecimentos. Aliás, para os fundamentalistas essa parece ser uma condição sine qua non para apoiarem um eventual candidato para 2012. Como escreveu Jerry Coyne no Philadelphia Inquirer num artigo que vale a pena ler na íntegra:
This year's Republican campaign has consistently attacked the values of reason and logic that undergird our democracy.

A questão a seguir é se o GOP se reinventará apoiado em republicanos racionais como Lawrence Eagleburger, Anne Applebaum e os outros Obamacons que o foram devido ao que Coyne aponta neste artigo ou se será definido por gente como Pat Buchanan que nos últimos segundos da entrevista responde à pergunta sobre evolução de Lawrence O'Donnell com um insulto misturado com a habitual falácia do macaco, dizendo que compreende que O'Donnell acredite que descende um macaco.

7 comentários:

António Parente disse...

Só por a Sarah a ter deixado com pesadelos deixei de gostar dela.

Fernando Gouveia disse...

Faltou a Lawrence O'Donnell explicar a Pat Buchanan por que é que Sarah Palin fez (inicialmente) disparar o apoio à campanha de John McCain: podia tê-lo feito recorrendo a um filme musical clássico, «Singin' in the Rain».

Nesse filme há uma personagem, Lina Lamont, que é a grande estrela do cinema mudo. Mas Lina Lamont tem um problema: não só tem uma voz esganiçada, como quando abre a boca só diz asneiras. Por isso Lina Lamont está proibida pelos patrões de falar em público. Em todas as suas aparições, limita-se a acenar e sorrir, havendo sempre alguém que fale por ela. (Lina Lamont não tem noção do desastre que é, tentando por vezes falar, apesar de proibida.)

E um dia, a catástrofe: surge o cinema sonoro...

Sarah Palin foi a Lina Lamont desta campanha eleitoral. O seu visual trouxe uma lufada de ar fresco ao cinzentismo da política. Nas suas intervenções em público, safou-se enquanto se limitou a ler os discursos escritos com três ou quatro soundbytes (o correspondente do playback de Lina Lamont) -- mas quando foi deixada à solta (como nas entrevistas com Katie Couric), e mesmo quando teve alguma preparação prévia (entrevista com Charles Gibson e debate com Biden), Sarah Palin deixou claro que não ia além desses lugares-comuns, pelo que fosse qual fosse a pergunta, a resposta acabava lá...

Sarah Palin ajudou a campanha de McCain enquanto o embrulho não revelou o vazio interior. Infelizmente para ela, o vazio acabou sendo exposto...

Fernando Gouveia disse...

Em abono da verdade, não foi só depois da derrota que muitos comentadores republicanos se levantaram contra Palin.

Num artigo («Palin Problem») publicado na National Review (revista conservadora ligada ao Partido Republicano) a 26 de Setembro, Kathleen Parker, referindo a notória falta de conhecimentos da Sarah Palin, diz que a a governadora do Alasca está a jogar fora do seu campeonato. Acusa-a (correctamente) de encher as suas intervenções de «palha» («deadwood»), limitando-se a repetir meia dúzia de lugares-comuns. Uma frase é particularmente retumbante: «Se a conversa da treta fosse dinheiro, Palin resolveria sozinha o problema de falta de liquidez de Wall Street» («If BS [bullshit] were currency, Palin could bail out Wall Street herself.»)

Parker termina pedindo à governadora que saia da campanha (estávamos em Setembro) enquanto é tempo, invocando motivos pessoais (o filho recém-nascido).

Luís Oliveira disse...

"A questão a seguir é se o GOP se reinventará apoiado em republicanos racionais como Lawrence Eagleburger, Anne Applebaum e os outros Obamacons"


É claro que só os republicanos que votaram Obama se podem considerar racionais.

perspectiva disse...

A Palmira Silva tem um ódio de estimação à Sarah Palin.

Mas o que é que há de intelectualmente honesto e competente na equiparação de cubos de gelo a DNA?


No DNA encontramos armazenada e codificada toda a a informação necessária à produção, reprodução, sobrevivência e adaptação de múltiplos seres vivos.

Os cientistas falam hoje na existência de múltiplos códigos paralos existentes no DNA.

No entanto, ninguém fala da existência de códigos nos cubos de gelo.

Nos cubos de gelo só encontramos a molécula da água e os efeitos que sobre ela tem a baixa temperatura.

Diferentemente, no DNA as sequências de nucleótidos representam informação sobre aminoácidos, proteínas, células, órgãos e organismos.

Nos cubos de gelo, as moléculas são estruturas arbitrárias que não armazenam informação nenhuma.

Seria muito bom que a Palmira Silva desse uma única evidência neste blogue de que o macaco e o ser humano descendem de um ancestral comum (que se não era uma forma de macaco, o que era?).

Talvez pudesse começar com uma explicação evolucionista sobre a origem de informação coldificada no DNA.

Só tem uma problema. Os nucleótodos são de facto uma realidade material.

Mas a informação, como dizia Norbert Wiener, não é matéria e energia.

Os nucleótidos são uma realidade física. A informação que está contida nas suas sequências é uma realidade imaterial, ou, se quiser, metafísica.

A natureza humana tem um elemento físico (v.g. matéria e energia) e um elemento metafísico (v.g. informação e código).

Essa realidade escapa totalmente a uma teoria da evolução puramente materialista.

perspectiva disse...

Os evolucionistas ficam muito zangados quando são confrontados com o carácter não humano dos seus supostos "ancestrais", quando, afinal, o problema se resolve muito facilmente aceitando que todos fomos criados como seres humanos à imagem e semelhança de Deus.

O evolucionismo é uma forma de tratamento desumano e degradante.

O criacionismo dá ao ser humano a máxima signidade e valor intrínseco.


As contas evolucionistas andam complicadas, nos tempos que correm.


A revista National Geographic de Outubro de 2008 (edição em inglês) refere-se aos Neandertais como os "outros humanos".

Os criacionistas há muito vinham dizendo que sempre, como hoje, os seres humanos e os macacos são contemporâneos. Por este facto, os Neandertais só poderiam ser seres humanos.


Curiosamente, mesmo o artista que faz a capa da National Geographic já dá uma versão muito menos "amacacada" dos Neandertais, o que mostra como os artistas podem construir imagens totalmente diferentes a partir dos mesmos ossos, de acordo com as suas conveniências.


Os Neandertais são verdadeiros seres humanos porque:

a) Viviam em cabanas de madeira e peles

b) Enterravam cerimonialmente os mortos

c) Tocavam instrumentos musicais

d) Cozinhavam com fogo, utensílios e especiarias

e) Fabricavam utensílios de caça sofisticados

f) Comercializavam adornos

g) Cruzavam-se com outros seres humanos

h) as diferenças genéticas que os separam dos demais seres humanos não são maiores do que as que existem entre as mesmas espécies de macacos.

Fernando Martins disse...

Caro perspectiva (ou posso dizer Doutor Jónatas...?):

Fico contente por saber que os neandertais eram "verdadeiros seres humanos", pois isto vindo de um Doutor de Leis sabe muito bem...

Esqueceu-se de dizer se viveram antes ou depois do dilúvio e se caçavam dinossáurios e de que tamanho eram as estalactites das grutas onde eles viviam, mas certamente foi por falta de tempo e numa próxima oportunidade irá explicar (profusamente, se encontrar um texto que valha a pena verter para português) aqui local onde se fala de Ciência.

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