Carta de um leitor no jornal As Beiras de hoje, contra o Acordo Ortográfico:
Para dar a vitalidade
devida a esta resenha, quero partir do
princípio de que a língua, na verdadeira
acepção da palavra, é a identificação de
um povo. É a sua alma que lhe dá essência
e que promove a sua união, o elo do seu
entendimento e o catalisador e transmissor dos seus usos, costumes e tradições,
dentro de uma mesma pátria.
Não estou em desacordo com a evolução linguística, pois esta deve-se à
inserção de novos termos, intitulados
de neologismos, que são naturalmente captados por osmose, procedentes
de outras culturas, de outras gentes. Já
não poderei estar em inteira anuência
quando são cavacadas ou enxertadas
nas palavras alterações na sua estrutura
gráfica susceptíveis de mudar parcial ou
radicalmente o seu sentido em relação
ao que era usual e que a muitos tanto
custou a aprender – com recurso, por
vezes abusivo, à prestimosa ajuda de
uma abnegada e austera “professora“,
apelidada de, palmatória.
A “alporquia” confeccionada na nossa
língua e escriturada no Novo Acordo
Ortográfico, a meu ver, é tida como uma
metamorfose que resultou numa evolução no sentido inverso da palavra, “involução”, contribuindo deste modo para
fraccionar determinada credibilidade
no espírito linguístico, com recurso à coerção de uma injecção de hibridismo no
ADN da tradição do nosso povo. A língua.
Posso não entender patavina da língua
portuguesa, mas julgo saber o bastante,
para proceder à tecelagem da presente
crítica, onde a minha revolta, agreste
e ironicamente se manifesta. Neste alvalade, que congrega o educacional, e
consequentemente o cultural, procuro
ser um intransigente puritano.
Afinal, não houve acréscimo de novos vocábulos, porém, uma alteração
substancial na estructura dos já existentes, que, em vez promover uma suposta facilidade no leccionamento e no
aprendizado, veio gerar uma barafunda
tempestuosa, que por sua vez provocou
um aluimento nas práticas doutrinais
há muitos anos ministradas, para a formação das palavras, que ficaram a boiar
em terreno lodacento, perdendo algum
vínculo entre si.
Chamo à colação alguns exemplos, que
só os “puristas”, obreiros das alterações
alusivas ao referido acordo podem justificar, e não eu, um simples e artesanal
arranhador do nosso idioma, a quem o
moderno “polimento” abastardou o seu
parco saber e abanou o seu orgulho, no
que concerne à ortografia e fiel interpretação da Língua Portuguesa:
Acto = Ato - (Se te apanho outra vez no
acto, ato-te todo!).
Facto = Fato - (Pelo facto de o fato ter
sido executado por um bom alfaiate, até
assenta bem!).
Pára = Para - (Pára aí! Para onde vais?!)
Pêlo = Pelo - (Olha que eu passo-te a
mão pelo pêlo!).
Espectador = Espetador (Sou um espectador condoído, pelo triste e sádico
espectáculo que está a ofertar o espetador, ao espetar o animal).
Pacto = Pato - (Arroz de pacto, nunca
provei; mas de pato, até é muito bom.
Falámos = Falamos - (Já falámos uma
vez, ou falamos novamente?).
Pôde= Pode - (Se não pôde, é porque
não pôde; mas já que pode, vamos a isso).
Pôr = Por - (Será um verbo, ou uma preposição? São tão idênticos, que fico a
oscilar entre a certeza e a dúvida de como
pôr o por, no seu devido lugar).
Prática = Pratica - (Quem não tem prática, pratica; só tem prática quem pratica).
É engraçado, “atão num” é?! É “dificientemente difrente e tamém devertido”.
Antes de ultimar, e a título de caçoada,
vou expor ainda os dois minúsculos parágrafos sequentes, que, apesar do seu
reduzido espaço, poderão albergar um
enorme significado nas entrelinhas:
Estava eu sentado sobre um calhau a
matutar na porca da vida com a minha
observação direcionada para as águas
borbulhantes de um riacho, quando,
um quase imperceptível ruído de qualquer coisa que se arrastava me chegou
aos tímpanos, “clamando” pela minha
atenção; procurei localizar a sua proveniência, e, para meu espanto, observei
que era um cagado; olhei bem, e era um
cagado de fato, acabado de sair da correnteza ribeirinha.
Muito engraçado por sinal, lá ia ele vagarosamente vencendo a inércia da sua
dura e luzidia carapaça, como se tivesse
todo o tempo do mundo para chegar ao
seu destino. Após minuciosa observação,
concluí que era de facto um cágado, e
por causa das dúvidas, pude certificar
também, que o seu “fato” não ia nada
borrado (cagado).
Para muitos que mal sabem escrever,
como eu, surgiram agora no céu estrelado da linguística, uns “iluminados” que,
com a imposição de novas regras, vieram
“infernizar” o universo da existência literária com palavras, cuja estrutura foi
alterada, ou por forma “distinta”, adulterada, na sua “fisionomia” gráfica e fonética, cunhando algumas, dos díspares
significados.
Logo, como ainda estamos com as mãos
na massa e o estrugido para arroz de
pato, ou de pacto (ortográfico), ainda
não está bem apurado, poder-se-ia – sugestão minha – proceder à substituição
da palavra linguistas por linguiças; claro
que não têm o mesmo significado nem
a mesma ortografia, contudo, como na
língua lusófona o seu timbre é aproximado, este, requintado por congeminada
analogia adulterada, lá irá dar ao mesmo.
Quero manifestar a minha discordância
inerente ao Novo Acordo Ortográfico,
sublinhando a revogação do mesmo.
António Figueiredo
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3 comentários:
"Ridendo castigat mores", parabéns!
Acabo de subscrever a petição para a derrogação deste aborto:Novo Acordo Ortográfico.
Pena ter introduzido várias inverdades que não estão contempladas no Acordo e alguns erros, como "estructura". Só prejudica a efectiva luta contra o dito.
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