Está de parabéns o Agrupamento de
Escolas de Alcanena, no distrito de Santarém, por ter recebido o selo de STEM School Proficiency, que é atribuído
pelo projecto STEM School label (https://www.stemschoollabel.eu/),
que beneficia do apoio da União Europeia através do programa Erasmus+. A sigla
STEM significa Science, Technology,
Engineering and Mathematics, isto é, um agrupamento de áreas relacionadas
com as ciências. Nos Estados Unidos, de onde vem o termo, distingue-se
matemáticas de ciências, tendo a designação STEM sido adoptada no início deste
século pelas instituições nacionais. A promoção das STEM atravessou o
Atlântico, existindo vários projectos europeus com essa ênfase, Como o STEM School label que procura estimular
o gosto pelas ciências de um modo interdisciplinar e aplicado. Quando se pensa
em STEM pensa-se em problemas reais e na necessidade de conjugar várias
disciplinas para os enfrentar, uma atitude que deve desde cedo ser cultivada na
escola. A grande preocupação dos Estados Unidos com o ensino das STEM tem a ver
com o afastamento dos alunos em relação à ciência e com a falta de professores
com formação adequada nas áreas científicas. Existe, de facto, um problema
quando, numa sociedade de base científico-tecnológica, faltam pessoas, treinadas
no método científico, que sejam capazes de usar a matemática, a experimentação
e a computação para resolver problemas. Na Europa, embora a fuga dos alunos das
áreas STEM não seja tão grande como nos Estados Unidos (em Portugal não é), o STEM School label procura ser
inspirador. Nele estão associados, além da European
Schoolnet (consórcio de 34 ministérios da Educação europeus), o programa
Ciência Viva português, a Maison pour la
Science da Alsácia, o Center for the
Promotion of Science da Sérvia, e o Education
Development Center da Lituânia.
O feito da Escola de Alcanena é
de assinalar, pois, num exercício de avaliação alargado à escala europeia, foi
a única a alcançar o grau de proficiency,
acima das três centenas de outras, algumas delas portuguesas, que alcançaram o
patamar de competent. O grau superior
de expert, que corresponde a uma
prática extraordinária por todos os critérios da estratégia da Escola STEM,
ficou nesta primeira edição por atribuir.
Quais têm sido as boas práticas
em Alcanena que levaram à distinção? Pois tem sido o cultivo de uma cultura de
projectos, que procuram fazer interessar os alunos por problemas locais, como é
o caso na região da reconversão dos desperdícios dos curtumes (as descargas dessa
indústria causam problemas sérios de poluição). Desde o pré-escolar até ao
final do secundário o Agrupamento de Escolas tem promovido o interesse pela
ciência, procurando desenvolver práticas inovadoras tanto nas salas de aula e
laboratórios escolares como no terreno (uma dessas iniciativas são os Clubes de
Ciência). Existem colaborações com escolas de ensino superior, como a
Universidade de Coimbra, a Universidade Nova de Lisboa e os Institutos
Politécnicos mais próximos (Leiria e Santarém). Elvira Fortunato, especialista
em Ciência de Materiais da Universidade de Lisboa, apesar de ser natural de
Almada, tem família oriunda de Alcanena. Eu próprio tive na Universidade de
Coimbra uma doutoranda de Alcanena que hoje é professora na Universidade Nova
de Lisboa, e tiva, há alguns anos, a oportunidade de visitar a escola
secundária local e de falar para os alunos.
Sendo indiscutível o mérito do
trabalho realizado em Alcanena por alunos e professores. ´´e óbvio que são
exagerados alguns títulos aparecidos nos jornais como “a melhor escola de
ciência na Europa”. Só uma amostra muito pequena das escolas europeias tentaram
obter o selo em causa e não faz sequer muito sentido essa designação, por não
haver nenhuma maneira objectiva de estabelecer um ranking da qualidade do ensino das ciências. Na minha opinião, é
mesmo impossível dizer qual é a melhor escola em ciências na Europa ou mesmo em
Portugal. Nem os famigerados rankings
baseados nas classificações nacionais ajudam muito, dada a conhecida relevância
da origem socioeconómica dos alunos. A distinção é apenas o reconhecimento
internacional dos louváveis esforços da escola em interessar os seus alunos
pela ciências e tecnologias. Permito-me, entre todos esses esforços, que são impulsionados
pelo corpo docente dos departamentos de ciências com o indispensável apoio da direcção
da escola, destacar o trabalho que o Centro Ciência Viva do Alviela – situado
nos Olhos de Água do Alviela, perto de Alcanena – no sentido de levar a ciência
a crianças do pré-escolar. Vale a pena visitar o referido centro, que mostra os
morcegos e outros aspectos das grutas da região calcária. E espera-se que abra
para visitas regulares o há muito anunciado Museu dos Curtumes, cujo edifício
já está construído e cujo fito é divulgar o facto de Alcanena ser a “capital da
pele” portuguesa.
O reconhecimento internacional de
Alcanena oferece uma boa oportunidade para nos interrogarmos sobre o ensino das
ciência em Portugal. Uma comparação internacional feita a alunos de 15 anos nas
áreas da leitura, da matemática e ciências é proporcionada pelos testes PISA - Programme for International Student
Assessment da OCDE. Portugal, que estava muito em baixo, tem melhorado
nestes testes. No PISA de 2015, que se centrou nas ciências, o nosso país obteve
resultados médios um pouco superiores à média da OCDE tanto na literacia
científica como na de leitura, ficando a literacia matemática na média da da
OCDE. Em ciências Portugal ficou no 17.º lugar, entre os 35 países da OCDE. Estando
agora longe dos últimos, onde já estivemos, estamos porém ainda longe dos
primeiros lugares, que são ocupados por Singapura, Japão, Estónia, Taiwan e Finlândia.
Portugal aparece próximo da Suíça, Irlanda, Bélgica, Dinamarca e Polónia, que
estão um pouco acima de nós, e da Noruega, Estados Unidos, Áustria, França e
Suécia, que estão um pouco abaixo.
Num recente estudo da Fundação
Francisco Manuel dos Santos, “Porque
melhoraram os resultados PISA em Portugal?”. dirigido por David Justino,
tentou-se perceber melhor os resultados nacionais. Entre os pontos positivos
fala-se de investimento em linha com outros países comparáveis, frequência
quase universal do pré-escolar, adequada dimensão das turmas, boa formação dos
professores e boa motivação dos alunos. É salientada a existência de escolas
com bons resultados em meios carenciados do ponto de vista socioeconómico. Nos
aspectos negativos, figuram o excesso de reprovações, o conhecido défice de
educação dos pais (um dos maiores problemas nacionais), o envelhecimento dos
professores e a sua resistência à mudança (é incrível a falta entre nós de
professores com menos de 30 anos), a falta de autonomia das escolas e o excesso
de trabalho escolar, a carência de infraestruturas escolares, e a falta de
actividade física dos alunos.
Em Portugal, apesar de Alcanena,
não se pode dizer que o ensino das ciências tenha evoluído significativamente nos
últimos quatro anos. Se me perguntarem como melhorar o ensino das ciência em
Portugal, faria duas propostas:
1) Renovação urgente do corpo
docente, permitindo que surja uma nova geração de professores, mais preparada
para o uso das novas tecnologias, e que ela seja de início devidamente
acompanhada pelos colegas mais experientes.
2) Aposta muito forte no ensino experimental
das ciências nas idades mais baixa. O RÓMULO – Centro Ciência Viva da
Universidade de Coimbra abriu há um ano uma escola por onde passam durante uma
semana todos os alunos do 4.º ano do município de Cantanhede e os resultados
têm sido muito encorajadores. Pode-se fazer mais no ensino experimental no
ensino básico. Além disso, havendo já em Portugal uma boa cobertura do
pré-escolar, ainda falta generalizar a iniciação à ciência nessas idades. A
ciência a brincar é – deve ser – o início da ciência a sério.
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