quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O sucesso escolar com base em evidências

Foi publicado e divulgado em Julho passado um relatório que dá conta dos resultados alcançados pelo "Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar" (PNPSE), iniciado em 2016, no início da actual legislatura, por resolução do Conselho de Ministros. Assina-o a Direcção Geral da Educação e a Estrutura de Missão do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (EM-PNPSE),

Este programa, como se diz no Prefácio, teve como fim sobretudo o "combate ao insucesso e abandono escolares". Trata-se, portanto, de uma luta, se não de uma guerra, contra um inimigo ancestral que tem parecido invencível... até agora.

Digo até agora, porque da extensa e exigente leitura que o documento implica - são mais de duzentas páginas repletos de expressões que formam a "narrativa" da Educação do século XXI / Educação do futuro -, deduz-se que, "com base em evidências", o inimigo bate em retirada.

No texto são usados complexos conceitos e descritas ousadas "intervenções em escolas" a que se juntam tabelas, quadros, gráficos, esquemas e, até, uma nuvem. A conclusão é inequívoca: estamos no caminho certo! E se dúvidas restassem o "Dossiê de projetos", tirava-as, bastaria olhar para os resultados positivos ou muito positivos que se apresentam. Rendo-me às "evidências".

A conclusão é de que com a "definição e ensaio de soluções locais ao nível de cada escola e comunidade", a tutela está mesmo no caminho certo no que respeita à "construção de respostas educativas adequadas à diversidade de situações e à melhoria da qualidade das aprendizagens de todos e de cada um dos alunos". Isto significa que:
"colocou as escolas e as comunidades educativas no centro da decisão, encorajou-as a desenhar e incrementar planos de ação estratégica dirigidos a problemas educativos concretos, prioridades e necessidades específicas, inspirou soluções locais criativas ancoradas em lógicas de ação bottom-up, induziu o desenvolvimento de culturas escolares de cooperação e colaboração territorialmente comprometidas, deu espaço e sentido estratégico ao estabelecimento de redes e parcerias, vinculando escolas e autarquias locais a compromissos de convergência escolar e alinhamento nas metas educativas a alcançar."
E como acima dizia:
"Os resultados alcançados, após três anos do lançamento do PNPSE, evidenciam uma significativa redução das taxas de retenção e de abandono escolar precoce, tendo-se registado em 2017/18 os valores mais baixos de sempre (...).
Isto porque:
As medidas de política educativa sucessivamente adotadas (nomeadamente, o próprio Programa, o Apoio Tutorial Específico, a Formação Contínua de Professores, o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, a Autonomia e Flexibilidade Curricular) e o grande enfoque dado às escolas e aos seus profissionais, estimulando a capacidade de se auto-organizarem na resolução dos seus próprios problemas, aos centros de formação e instituições de ensino superior, entidades intermunicipais e municípios, comissões de coordenação e desenvolvimento regional e respetivas autoridades de gestão, pais e outros atores sociais com impacto educativo na comunidade, abriu espaço à produção local de respostas globalmente articuladas e complementares, explorando caminhos de possibilidades para novas ordens educativas que inscrevem o sucesso escolar das suas populações como condição natural da escola e desígnio permanente de cada comunidade educativa, explicarão em boa parte estes resultados
Neste ecossistema educacional emergente - em que o local tende a afirmar-se não como mero lugar de aplicação de políticas educativas ou de regulação pós-burocrática, mas sim como território educativo de definição de políticas e espaço público multirregulado - o plano de ação estratégica ganhou uma centralidade estruturante enquanto instrumento de operacionalização da missão e visão do projeto educativo de cada Escola, ao refletir quer as necessidades de desenvolvimento profissional docente quer as prioridades e estratégias de desenvolvimento da escola face às vulnerabilidades identificadas. 
Exercícios abertos e participados que privilegiaram a dimensão incremental da ação pública educativa e ensaiaram modos de regulação tendencialmente colaborativos, indutivos e partilhados, fizeram acontecer em muitos dos territórios a descentralização educativa, dando significado e sentido ao princípio da subsidiariedade, numa configuração de novas redes de relações e interdependências que terá tido nos processos desencadeados para a reelaboração dos planos municipais e intermunicipais avanços significativos na naturalização de parcerias territoriais de convergência escolar na base de compromissos educacionais comuns e que ampliariam consideravelmente as relações de confiança e as possibilidades de intervenção articulada e complementar em contexto escolar."
O financiamento do PNPSE, e os fins que lhe estão adstritos, justificam substancialmente o supra dito e transcrito: as medidas adoptadas e os resultados destacados. De facto, ele é co-financiado pelo Programa Operacional Capital Humano (POCH) com o apoio do Fundo Social Europeu (FSE) enquadrado no seu Eixo Prioritário 4 (Qualidade e inovação no sistema de educação e formação), onde se destaca 4.1 - Qualidade e eficiência do sistema (para promoção do sucesso escolar).

Voltando a um texto anterior (ver aqui) tenho de reconhecer que na lógica da eficácia/eficiência de produção de "capital humano", que é a da União Europeia, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e de entidades afins, com marcado carácter financeiro-político, Portugal está no bom caminho. Insisto na clarividente declaração do nosso Comissário Europeu da Educação, Cultura, Juventude e Desporto.
"A educação regressou ao topo das prioridades políticas da União Europeia. E com razão: a educação é fundamental para que a nossa economia continue a ser competitiva, e tem uma importância crítica na construção de uma sociedade coesa e justa".
Acontece que este desígnio imputado à educação escolar está longe, muito longe, de ser um desígnio  que, com legitimidade, se deva imputar à educação que os sistemas de ensino públicos de países democráticos, como o nosso, têm obrigação (constitucional) de proporcionar a todos. Confrontar ambos os desígnios é, reconheço, uma impossibilidade, pelo menos de momento. De modo que nos vamos contentando com a eficácia que a tutela diz que conseguimos na produção de capital humano fundamental para a competição económica destinada a beneficiar alguém. Alguém que não os alunos, já se vê.

2 comentários:

Anónimo disse...

O sucesso escolar com base na fraude!
A verborreia que exala dos pequenos excertos do PNPSE que Helena Damião aqui expõe publicamente ao ridículo, pondo em risco a sua saúde física e psíquica, se alguma coisa evidencia é o estado putrefacto de corrupção a que chegou o nosso sistema de ensino. As Novas Oportunidades do "engenheiro" Sócrates, agora são a escola flexível e inclusiva do Costa, da Martins e das ex-professoras primárias, agora Professoras Doutoras, Arquitetas e Engenheiras, que são quem escreve os textos gongóricos do ministério.
As orientações mais simples, a nível local e municipal, são mais do tipo:
- Vejam lá isso! Passem-nos a todos, normais e profissionais, senão ficamos sem os fundos financeiros do POCH e do FSE...

Helena Damião disse...

Caro Leitor
Agradeço o seu comentário. Como presumo que saiba, o relatório em causa dá conta dos resultados de aprendizagem (talvez com aspas) obtidos do sistema de ensino público. Resultados decorrentes do "modelo" de educação (certamente com aspas) decorrente de exigências económico-financeiras (de quem tem poder para as fazer), estabelecido no plano internacional e replicado no plano nacional (dos mais diversos países).
Duas questões se me coloca, de imediato: 1) a ideia de aprendizagem patente neste "modelo" não é a mesmo que encontramos na filosofia da educação, base de toda a decisão educativa; 2) o financiamento externo aos países (e às escolas) com base nessa ideia, perverte toda e qualquer decisão que se distancie do tal "modelo" e se aproxime de uma reflexão consistente sobre o que deve ser a aprendizagem.
Estas duas questões (e as respostas a que elas conduzem), admito, não fazem bem à saúde. Só quem é (ou se tornou) indiferente à responsabilidade inerente à educação pode conviver pacificamente com o evidente desvio do "educativo" para o "deseducativo".
Não é uma situação nova nos sistemas de ensino mas não deixa de ser muitíssimo preocupante.
O que diz no final do seu comentário já o ouvi muitas vezes: é preciso passar os alunos (sem os educar) pois é a sobrevivência (financeira) da escola, do sistema que está em causa. Este foi o estado a que chegámos!
Cordialmente,
MHDamião

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