quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Terapias alternativas com um pé no SNS

O meu texto publicado no jornal da 14ª Reunião Anual do Núcleo de Estudos de Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, na qual participei no dia 18 de Outubro.

Numa música de 2009 o artista e comediante australiano Tim Minchin relata uma conversa ao jantar, entre amigos e conhecidos, num apartamento em Londres. Uma das comensais chama-se “Storm” e dá o nome à música. Uma encantadora activista do pensamento anti-científico que regurgita disparates pouco originais (o conhecimento é apenas opinião, está na altura de deixar os “químicos” e voltar aos remédios naturais). Tim tenta controlar-se, para não estragar o ambiente, mas acaba por responder:

By definition, (I begin),
alternative medicine (I continue) 
has either not been proved to work, 
or has been proved not to work. 
You know what they call alternative medicine that has been proved to work? 
Medicine.

No entanto, no que diz respeito ao efeito junto do poder político, a eficácia dos terapeutas alternativos é inquestionável. Em Portugal, a partir de 2013, foi publicada legislação que assume as terapias alternativas como práticas legítimas na área da saúde, designadamente a acupuntura, homeopatia, osteopatia, medicinal tradicional chinesa, naturopatia, fitoterapia e quiropraxia. Uma avalanche de leis, portarias e despachos determina que a Admnistração Central do Sistema de Saúde conceda cédulas profissionais aos seus praticantes. Isso cria obviamente confusão no público, levando a crer que estas práticas têm fundamento científico. As cédulas requerem uma licenciatura na respectiva área e aí o poder político também deu uma ajuda, publicando os requisitos para as licenciaturas em terapias não convencionais, cujo conteúdo é confrangedor. Por exemplo, as licenciaturas em naturopatia devem ensinar auriculoterapia (a ideia de que a orelha é uma espécie de boneca vodu em que a cada pontinho corresponde um órgão ou parte do corpo) e iridologia (a mesma coisa, com olhos). Recentemente, na nova Lei de Bases da Saúde, as terapias alternativas são reconhecidas como práticas de saúde, abrindo a porta à sua entrada no SNS.

O problema não é exclusivamente português. A Organização Mundial de Saúde tem vindo a dar respaldo às terapias alternativas. E o registo simplificado dos remédios homeopáticos, que permite a sua aprovação pelo Infarmed mediante apenas a demonstração de que são inócuos (o que não é difícil, são apenas água e açúcar) emana de uma directiva europeia. No plano internacional já se verificam alguns recuos, por exemplo no caso dos remédios homeopáticos, que irão em breve deixar de ser comparticipados em França. Em Espanha, o governo avançou recentemente com uma campanha contra a pseudociência na saúde. 

Nós continuamos em sentido contrário. Há neste momento jovens que investem o seu tempo e dinheiro em licenciaturas em banha da cobra, na expectativa que isso lhes permita exercer terapias que não funcionam, com a cumplicidade do Estado. Será necessária uma mobilização eficaz junto do poder político para travar e reverter este absurdo legislativo. Será difícil, é certo. Mas imprescindível, em defesa da medicina e da saúde dos cidadãos.

2 comentários:

Cisfranco disse...

A aprovação de todo esse pacote de leis que viabilizam essas medicinas ditas alternativas (medicinas da treta) diz bem do nível geral dos deputados que as votaram. Verdadeiros burgessos, sem ofensa para os que votaram contra. Mas a democracia é assim … o pior de todos os sistemas à excepção de todos os outros.

Pancinhas disse...

Ao contrário da Constituição de 1933/Salazarenta, em que em se negava o direito a se "enganar", havendo uma amplo corpos (PIDE/DGS, CENSURA, etc) que "impediam enganos", a de 1975, deu-nos o Direito Engano, o que obviamente tem um preço.

Contudo, não nos deu o direito de achincalhar quem está enganado,porque, este, tem esse Direito Constitucional.

Sendo assim, e repetindo-me, não é ridicularizando os enganados que se resolve o problema, mas sim desmontando pelo Método Cientifico aplicável a cada caso, mantendo uma dúvida critica.
Nunca esquecer Sancho Pança "Não creio em bruxas, mas que as há, há."

Dito isto, haverá sempre um grupo de irredutíveis enganados, mais ou menos militante, cuja a principal função é obrigar a dita Ciência a não ser burgessa, e a trabalhar activamente no seu desmascaramento e na sua divulgação.

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