segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Debate sobre ambiente e economia em Coimbra

Foi na quinta-feira passada no Seminário Maior de Coimbra este debate, em que partipei com João Vila-Chã SJ e Helena Freitas:

https://observador.pt/2019/10/21/entidade-para-investigar-e-punir-crimes-ambientais-proposta-em-coimbra/

Eis o documento de reflexão apresentado nessa reunião pela Comissão de Justiça e Paz:



Na efervescência dos dias que correm, é cada vez maior atenção e a consciência, assim se espera, da Humanidade sobre o estado do ambiente, a crise climática e a necessidade de, com urgência, enfrentar as suas consequências. Como afirmou o Secretário-Geral da ONU tudo indica que a realidade é pior do que as piores previsões feitas e as metas sobre as alterações climáticas definidas no Acordo de Paris já não são suficientes. "Se forem cumpridas, chegaremos ao final do século com mais três graus, o que é uma catástrofe absoluta", salienta António Guterres.

Também o Papa Francisco denunciou a situação actual ao referir que “criámos uma emergência climática, que ameaça gravemente a natureza e a vida, inclusive a nossa” e que, portanto, nos deve mobilizar para a imperiosa necessidade duma transformação global orientada para uma ecologia integral ao serviço do Homem, como já tinha expressado na Carta Encíclica LAUDATO SI’, datada de 24 de maio de 2015, sobre “O Cuidado da Causa Comum[1]”.

Carta que, aliás, recorda as palavras e alertas do Papa Paulo VI no discurso à FAO, no seu XXV aniversário (16 de Novembro de 1970), chamando a atenção para a “possibilidade duma «catástrofe ecológica sob o efeito da explosão da civilização industrial» e «necessidade urgente duma mudança radical no comportamento da humanidade», porque «os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem» ”;

-A resolução desta «crise ecológica e emergência climática» é essencial – importa sempre recordar - para assegurar a justiça e a paz no mundo.

É neste contexto e porque “nada deste mundo nos é [pode ser] indiferente” que, no âmbito da preparação e objectivos que se pretendem com este colóquio tendo por tema “Um Planeta Doente-Uma Economia que Mata”, os organizadores-Comissão Diocesana Justiça e Paz; Coimbra Business School/ISCAC e ACEGE colocam à discussão no espaço público e na sociedade civil os seguintes pontos e propostas de/para reflexão:

I-                    Elaboração e aplicação duma Lei-quadro de combate à Alteração Climática e Transição Energética que permitam efectivar[2] medidas e politicas integradas (e não meras boas intenções) e garantam medidas de adaptação, conservação e gestão de recursos (seja á água, o solo, agricultura, energéticos não fósseis …) e adequado enquadramento social.
II-                  Necessidade duma urgente implementação do de um Plano Estratégico de Combate Desertificação humana e física, com relevo para a prevista penúria da água e a necessidade duma gestão eficaz do sistema hídrico nacional (reconhecendo a água como um recurso e bem publico essencial à vida e que exige o cuidado de todos) e protecção dos solos, coberto vegetal e ecossistemas.
III-                 O que exige a efectivação de uma estratégia de fixação de pessoas nas áreas de menor densidade e mesmo a seu reconhecimento como os primeiros agentes de protecção e valorização dos valores e património natural existente Considera-se relevante a necessidade duma política integrada de protecção do solo e gestão sustentada, modernizada e eficaz da agricultura e da floresta, privilegiando (prioritariamente) as zonas mais desfavorecidas e desertificadas, física e humanamente, assegurando um impacto positivo no ambiente; apoiar e executar um plano de reflorestação que assegure o reforço de áreas florestadas com espécies autóctones (p.e. assumindo desde já o objectivo de plantar 10 árvores autóctones por cada português até 2025.
IV-                Promoção da “saúde” do mar e dos rios com um plano de protecção, limpeza e despoluição adequado, eliminando descargas descontroladas e recolhendo os resíduos e detritos acumulados, nomeadamente com origem no plástico.
V-                  Implementação duma economia circular com vista à adequada utilização dos recursos naturais locais e redução ao mínimo os resíduos não recicláveis.
VI-                Realça-se a importância de as medidas fiscais apoio que visam o incentivo à eficiência energética na edificação (formas passivas de conservação de energia) e reabilitação urbana, bem como de planos de desenvolvimento e qualificação urbana, fundados num urbanismo de rosto humano, que introduzam objectivamente medidas e soluções de gestão adequada de recursos (em particular água e solo) e mobilidade sustentada; bem como à transição para sistemas de energia renovável de pequena escala, focados localmente e ecologicamente sustentáveis.
VII-              Julga-se relevante a promoção da utilização do transporte público e a mobilidade suave e a penalização do transporte motorizado privado.
VIII-            Apoiar (incluindo financeiramente) e difundir projectos industriais que promovam a investigação tecnológica e soluções práticas de adaptação do sector aos desafios da digitalização da descarbonização, da transição ecológica e da globalização.
IX-                É igualmente necessária a criação duma entidade capaz de cobrir eficazmente a integralidade do território do país[3] e de cada região, dotada de adequados recursos humanos e materiais, altamente especializada, vocacionada para a investigação e punição dos delitos e desperdícios ambientais (incluindo energéticos), protegendo o solo, o ar e a água, tornando efectivo os princípios do utilizador-pagador e do poluidor-pagador.
X-                  Salienta-se a importância da inclusão, em todas as escolas secundárias, profissionais e superiores de “uma unidade curricular” obrigatória dedicada à emergência ambiental e à transição energética, ajudando a preparar cidadãos informados e quadros de todas as áreas do saber para dar uma resposta global a este desafio.

Em última análise,

Todas as ideias e iniciativas são importantes desde que falem e se centrem na solidariedade entre todos os seres humanos e da responsabilidade geracional, convocados pelo bem comum e respeitando o planeta em que vivemos.

Os desafios são conhecidos e exigem respostas e acções imediatas.

A resolução desta «crise ecológica e emergência climática» é essencial – importa sempre recordar - para assegurar a justiça e a paz no mundo.

Todos nós, cidadãos e comunidades, temos um papel fundamental a desempenhar, mas a situação actual reforça o sentir de que os nossos esforços só serão eficazes com uma mudança global sistémica, apoiada por políticas transformadoras globais, integradas e “orientada para uma ecologia integral ao serviço do Homem” e aplicadas de forma persistente.

Na esteira da declaração da Declaração Conjunta para a Cimeira de Alteração Climática das Nações Unidas da CIDSE temos inteira consciência de que 75% do esforço necessário para cumprir o Acordo de Paris advém da acção dos governos e 25% de iniciativas individuais. Essa circunstância deve-nos interpelar para o papel fundamental dos cidadãos e das comunidades, mas também da importância da exigência de acção aos governantes. Importa que estes assumam as suas responsabilidades históricas e, entre estas, é fundamental que as emissões de carbono sejam reduzidas para, pelo menos 65% até 2030, para permanecer no caminho do aumento da temperatura até 1,5°.

Como refere aquela Declaração não basta organizar uma Cimeira, fazer alguns apelos e reconhecer a emergência, enquanto pouco se faz para resolvê-la. O compromisso real é demonstrado, pela nossa acção pessoal e colectiva concreta e pelas metas políticas, financeiras e pela implementação de medidas de emissões reduzidas.

A real integridade é demonstrada na coerência na implementação de políticas socialmente justas, requisito básico para alcançar os objectivos necessários e a paz.

O dever moral de agir é sem precedentes.

                       
 NOTAS:


[1] “A nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços”, como São Francisco de Assis no início do século XIII se referia num gracioso cântico.
[2]   A questão essencial a nosso ver é efectivar e medidas e políticas, sem prejuízo de se conhecerem e referir os Programas mais recentes, como se refere abaixo (entre outras). Exigem-se acções integradas, horizontais e menos sectoriais.
Na verdade, não será por falta de diagnóstico e identificação de cenário e medidas. A questão está mesmo na forma de decisão e concretização, nos meios de regulação, técnicos e de investimento disponíveis.
Agenda 2030.
A RCM 130/2019 aprova o Programa de Acção para a Adaptação às Alterações Climáticas (P-3AC) com objectivos de curto e médio prazo para 2020 e 2030,resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2012,; Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/2010, de 1 de Abril, sustentada nos primeiros estudos sobre esta matéria em Portugal (projectos SIAM I e SIAM II) posteriormente revista pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2015, de 30 de Julho, que aprovou a ENAAC 2020,
O Fundo Ambiental criado pelo Decreto-Lei n.º 42-A/2016 de 12 de agosto (que sucede e procede à extinção do Fundo Português de Carbono, do Fundo de Intervenção Ambiental, do Fundo de Protecção dos Recursos Hídricos e do Fundo para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, criados pelo Decreto-Lei n.º 71/2006, de 24 de Março, pelo artigo 69.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 172/2009, de 3 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 171/2009, de 3 de agosto, respectivamente).
[3] Defende-se que os seus serviços centrais se devam localizar fora das áreas metropolitanas.

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