domingo, 27 de outubro de 2019

É um enojado que se retira definitivamente!

“A Justiça é o vínculo das sociedades humanas, as leis emanadas da justiça são a alma de um povo” (Juan Vives, humanista).

Começo por agradecer ao engenheiro Ildefonso Dias o seu comentário ao meu post, aqui publicado anteontem: “Um silêncio que dói” (25 de Outubro).

E isto é tanto mais de louvar perante o mutismo generalizado sobre uma temática que diz respeito à velhice e ao respeito que ela devia merecer. E não merece! 

Esta constatação leva-me a crer que os jovens e pessoas de meia-idade vivem, a exemplo de Fausto, personagem de Goethe, esperançados numa vida pletórica de saúde e beleza, que os salvaguarde da realidade do idoso que é maltratado qual trapo velho que serve para os manda-chuva dele fazerem bola para ser chutada por garotelhos.

Com paciência de Job, ponho a hipótese do silêncio sobre esta temática (com respaldo na retirada de benefícios para os cônjuges de familiares da ADSE) residir na decepção que encontra razão no princípio de que não vale a pena lutar contra os poderosos de S. Bento que prenunciam encontrar solução para o peso  que a velhice representa para a economia na morte assistida, adoçando a pílula com o eufemismo de eutanásia! Aliás, em reminiscência da Grécia Antiga em que os velhos e deficientes eram lançados de altas ravinas que lhes acabava com a vida resolvendo, como tal, o problema.

Minha falecida Mãe criticava o princípio de "poupar no farelo para gastar na farinha”! Trago à colação este ditado que bem se aplica à poupança com gastos com idosos para gastar com sinecuras em benefício próprio ou de familiares.

Sobre este flagelo que corrói os caboucos do edifício lusitano, transcrevi, num meu artigo de opinião, titulado “Portugal e a corrupção”  (“Público”, 26. Set. 2005), a análise crítica de Daniel Kaufmann, na revista “Finance & Development”,editada pelo Fundo Monetário Internacional: “Portugal podia estar ao nível da Finlândia, se melhorasse a sua posição no ranking de controlo da corrupção”.

Este “status quo”, no país mais ocidental da Europa, continua a ser uma espécie de “Hidra de sete cabeças”, com corpo de dragão e sete cabeças de serpente em que, segundo reza a lenda, cada vez que lhe era cortada uma cabeça nasciam duas em seu lugar.

Basta ler os jornais diários  ou abrir a televisão para esta lenda se tornar realidade. A solução? Bastaria  controlar a corrupção para que as despesas com a velhice se não tornassem um peso para o orçamento do Estado, permitindo, até, actualizações de pensões degradadas que acompanhassem os vencimentos da vida activa.
  
Escreveu Guerra Junqueiro: ”Somos um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando paulada, sacos de vergonha, feixes de miséria, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia  de um coice, pois nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas”.

É bem certo, parafraseando, Antero de Quental, a nossa história continua a ser a nossa fatalidade! Desisto, portanto, de tiradas quixotescas, mas não serei um vencido pelo desânimo. Apenas um enojado que se retira definitivamente com a dignidade que preza num país em que esta palavra deixou de ser valorizada no  léxico nacional.

9 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Os valores da política são os valores do poder e este é tendencialmente venal, iníquo e usurpador. Se ao menos fossem os valores do jogo, com regras e ética desportiva...
Mas, pelo contrário, o poder é tendencialmente absoluto e totalitário e tende a ser subversivo dos valores (propriamente ditos) do Direito, que o poder tudo faz para respeitar apenas na medida em que lhe interessa e, muito frequentemente, desrespeita porque o direito do poder não é Direito. Experimente-se dar o poder às massas. À medida que as massas ganham poder e liberdade, os pratos da balança vão-se inclinando mais para outro lado. Os partidos de massas, porém, têm "a razão das maiorias". Dificilmente se concebe que as massas usurpem, mas facilmente se defende que são usurpadas.
É tudo um problema de equilíbrios de poder.
Os velhos, os inválidos, os deficientes graves...os parasitas..., do ponto de vista de uma economia capitalista, até podem ser uma fonte de rendimento superior a qualquer outra. Valem muito enquanto vivos e muito menos, depois de mortos.
Nenhum governo tem interesse, antes pelo contrário, nesses grupos. Numa situação de guerra, tornam-se mesmo um estorvo e um peso, ou seja, um inimigo.
Uma economia de tipo socialista não tem suporte ideológico, doutrinário ou sistemático, credível para valorizar ou suportar esses grupos.
Tão pouco uma economia de tipo capitalista. Esta ainda menos do que aquela.
O problema é mesmo de ordem prática, de poder económico.
Quem pode estar interessado nos doentes? Em que vivam os velhos? Em que se prolongue a vida por todos os meios? Em que se acompanhem os deficientes?
Quem pode ganhar com isso. Todo o sistema de saúde e de cuidados às pessoas que deles necessitam.
É este o "partido" e o "exército" que nos interessam, quando falamos de defesa dos direitos de quem precisa mais do que conduzir um tanque de guerra, ou de tê-lo estacionado à porta de casa.
Mas os governos têm imensa dificuldade em respeitar uma regra muito simples: o dever de afectar a esse "partido" e "exército" as verbas que lhes são devidas, por conta dos beneficiários.
Ou, por outra, afectar aos beneficiários as verbas necessárias, que lhes forem devidas, para que possam pagar aos referidos "partido" e "exército" cuja razão de ser é protegê-los e cuidar deles.

Rui Baptista disse...

Obrigado pelo comentário a que não respondo por ter ponto final a esta questão para não continuar a dar confiança aos dirigentes da ADSE que cumpre ordens de textos jurídicos em que a vida humana não vale um caracol. Ponto final parágrafo, portanto!

Rui Baptista disse...

Em aditamento ao meu comentário anterior: com isto não pretendo, de forma alguma, que os leitores deixem de fazer comentários a favor ou contra esta situação.

Rui Baptista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Baptista disse...


Tendo transcrito este post no meu facebook deu ele aso aos comentários e respostaa que transcrevo:.

Maria Madalena Baptista O mutismo generalizado sobre uma temática que diz respeito à velhice e aos direitos fundamentais dos idosos deixa-me triste, muito triste, não apenas por viver de perto, enquanto filha, uma injustiça brutal - um direito adquirido há mais de 50 anos repentinamente retirado a uma cidadã de 82 anos. Retirado o direito de poder continuar a beneficiar dos serviços do ADSE por, alegadamente, usufruir de uma magra pensão que não chega aos 300 euros mensais. Revolta-me ver que o meu Pai vem travando, desde há 3 anos, um "debate unilateral" com as instâncias que dizem governar o nosso país de forma democrática e alinhados com os direitos humanos. Sempre pensei que o Provedor da Justiça conseguia fazer alterar leis injustas, enganei-me. Hoje, a lei que impera é a lei dos cortes financeiros aos mais vulneráveis, sem reconhecer o seu valor, sabedoria e valioso contributo na educação dos jovens. Mas, o que me entristece ainda mais é a falta de solidariedade das pessoas, o facto de não dizerem nada, o facto de não se aliarem a esta "luta". As leis foram feitas para serem alteradas, quando necessário e justo. Será que não existem mais cidadãos nestas circunstâncias? Será que devemos esperar que os membros do governo, quando tiverem familiares nestas circunstância, se lembrem de levar ao parlamento uma proposta de alteração de lei? O EU hoje é o NÓS hoje e não o NÓS amanhã

Rui Baptista Querida filha: Começo por esclarecer que a minha queixa à Provedoria de Justiça ainda não teve resposta o que me deixa na esperança de vir a ser feita Justiça. Não quero acreditar que estejamos a viver em tempo antidemocrático em que vigora" o barbarismo estarrecedor de tanto gente não ficar realmente estarrecida", em palavras de Teilhard de Chardin. Um beijinho e o orgulho de ter duas filhas com grande amor filial com suporte no comentário de tua irmã Sofia, que transcrevo a seguir..

Sofia Baptista Deixa-me triste que nos sintamos de tal forma impotentes que decidamos deixar de lutar porque não passa de um pesadelo que se repete vezes sem conta. Talvez a única solução para manter a nossa sanidade mental seja mesmo virar as costas enojados !!!

Rui Baptista Foi esta a solução (?) por mim seguida para manter, se possível, a minha sanidade mental que bem preciso na esperança de "achar que não se pode criar em nome do antifascismo um novo fascismo" (Sophia de Mello Breyner) para engordar as algibeiras dos poderosos que vivem à sombra da corrupção. Um beijinho e Deus me dê força para sobreviver a tanta maldade!!

Manuel M Pinto disse...

Prezado Sr. Prof. Rui Baptista:
Não foi José Régio (1901-1969) o autor do excerto literário supra transcrito, mas sim Guerra Junqueiro (1850-1923) que o escreveu em 1896, em "Anotações (Balanço patriótico)" na obra "Pátria".
Cordiais cumprimentos do leitor
Manuel M. Pinto

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista, respeitando naturalmente a sua vontade de não voltar assunto, permita-me que diga o seguinte:

Os democratas, assim bem como os nossos socialistas inculcam no povo a ideia falsa de que o sufrágio universal, «no Estado actual» tem a capacidade para traduzir a vontade da maioria e para assegurar o cumprimento dessa mesma vontade.

Ora, se assim fosse a ADSE não seria, com as suas injustiças, aquilo que é hoje.

Eu tenho para mim, uma atitude de indiferença e até desprezo para com certas individualidades politicas deste país.

Sabe, revolta-me ver o sr. Ferro Rodrigues como presidente da assembleia da república e a sra Edite Estrela como vice-presidente, a sra Elisa Ferreira como comissária, mas uma coisa eu tenho a certeza, é que mesmo estando lá, eles estão pela vontade de um povo com fraca maturidade da classe maioritária a operária.

Engels dizia que o sufrágio universal é «... o índice que permite medir a maturidade da classe operária. Não pode ser outra coisa, não será nunca outra coisa no Estado actual.» (referia-se ao Estado na social-democracia alemã).

António Costa é primeiro ministro num Estado, que tem como escreveu Régio ”... um povo imbecilizado e resignado..." e isso não é um grande feito, e ele sabe isso, e numa atitude de frustração sai-se com aquela frase que o Professor Galopim de Carvalho transcreveu várias vezes acerca da ignorância dos portugueses. Essa frase é bem a medida da sua FRUSTRAÇÃO, a de ser primeiro ministro num país imbecilizado eh,eh,eh.

São uns infelizes e pior são FRUSTRADOS, com dinheiro e poder que fazem a miséria de fazer sofrer o povo que vota neles. Mas é melhor, antes aturá-los que ser como eles.

Cumprimentos cordiais,

Rui Baptista disse...

Gratíssimo pela sua correcção. Vou já corrigir. Cumprimentos amistosos.

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias: A minha promessa era eu não escrever novos textos sobre a ADSE, logo ela mantém-se. Quanto aos poucos comentários que eles têm merecido é com muito agrado - o agrado de saber que a gente deste pobre país que se revolta, não tem telhados de vidro, ao invés dos nossos políticos para quem os idosos são o lixo descarregado nas lixeiras. Será que são filhos de pai incógnito não assistindo, como tal, ao seu envelhecer com as agruras que a doença traz? São estes políticos que se "sentam de cócoras em S. Bento!", que inspiraram certamente a ironia cáustica de Eça que transcrevi. Terei muito gosto em continuar a ler os seus comentários de homem livre não endeusado a uma política de politiqueiros. Envio-lhe as minhas saudações e gratidão sinceras pelos seus comentários que muito prezaria continuar a deles ser merecedor. A minhas saudações gratas e amigas.

Direitos e dever(es)

Texto gentilmente oferecido por Carlos Fernandes Maia, professor de Ética.   O tema dos direitos e deveres desperta uma série de interrogaçõ...