quinta-feira, 8 de novembro de 2012

AS REFORMAS EM PORTUGAL E NO PAÍS VIZINHO


Outrora a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso” (François Chateaubriand, 1768-1848)
Do meu post, intitulado “Mas os velhos e doentes, Senhor Ministro Vitor Gaspar, porque lhes dais tanta dor?” (24/10/2012), transcrevo os dois parágrafos iniciais:

“As deduções para efeitos de IRS, plasmadas na Proposta de Orçamento de Estado / 2013, dão expressão a nuvens que se vinham a acastelar no horizonte de um País em evidente descalabro económico e social e onde boa parte da factura está a recair sobre os reformados achacados pela velhice e pela doença que, normalmente, lhe subjaz.

Não é de agora a minha crítica a este
statu quo! Competindo-me o ónus da prova, detenho-me nas deduções com despesas de saúde em vigor até 2011, último ano em que os portugueses podiam deduzir sem limite 30% das despesas com a saúde no seu IRS. Porém, se for aprovado o actual Orçamento de Estado, os doentes, em alguns escalões da classe média, apenas poderão deduzir 10% destas despesas até um valor de 838,44 euros. Ou seja, em Portugal, a condição de velho e doente crónico, com “pesares que os ralam na aridez e na secura da sua desconsolada velhice” (Garrett), em vez de ser havida como uma desgraça, passa a ser taxada como um luxo de quem costuma passar férias nas Bahamas”
Cotejo estes meus parágrafos com um texto que corre na Net, merecendo-me  o desconsolado comentário de em Portugal se protegerem  os milhafres  e se perseguirem  os indefesos pardais. Transcrevo-o:

“O 1.º Ministro de Espanha em declarações à TVE, sobre a apresentação do OE-2013, referindo-se aos reformados, disse:
“A primeira prioridade é tratar os pensionistas da melhor maneira possível. A minha primeira instrução ao ministro das Finanças é de que as pessoas que não se devem prejudicar são os pensionistas.

No Orçamento de Estado deste ano só há dois sectores que sobem: os juros da dívida e as pensões. Não tenho nenhum interesse e se há algo em que não tocarei são as pensões, o pensionista é a pessoa mais indefesa, que tem a situação mais difícil, porque não pode ir procurar outro posto de trabalho aos 75 ou 80 anos, tendo uma situação muito mais difícil…”
Em Portugal, são excepção os aposentados de certos (e elevados) cargos políticos que acumulam pensões e funções no próprio Estado. Depois deste parêntese, os velhos reformados “aos 75 ou oitenta anos”, se, para mais, como é regra geral, sofrerem de achaques próprios  da sua provecta idade  tiverem, por exemplo, doenças crónicas com risco da própria  vida, são, por vezes,  obrigados a correrem de farmácia em farmácia à procura de medicamentos que escasseiam ou mesmo não existem nos respectivos estoques. Ou seja,  com uma certa dose de cinismo, o  próprio doente  corre perigo iminente de morte, com vantagem  para a fazenda pública:  é uma pensão a menos a ser paga pelo Estado.

 É tão doloroso falar destes assuntos que apenas acrescento o ditado popular: “De Espanha nem bom vento, nem bom casamento”. Mas desta vez, o vento que chega de Espanha deveria servir de exemplo, abalando as consciências dos responsáveis nacionais mais preocupados em libertar os cofres do Estado com aposentações e reformas  e menos preocupados com a  má administração (para utilizar um eufemismo) de determinado sistema bancário nacional .cobrindo os seus prejuízos com os altos impostos da população em geral  e, particularmente, de velhos e doentes em execrável desumanidade. Refiro-me, concretamente, ao caso do BPN, segundo o “Público” (12/06/2012), “com um prejuízo para o Estado que pode atingir 5,8 mil milhões de euros”.
Ou seja, tal como em França  de séculos passados, em  nossos dias, em Portugal,  mesmo para a classe média (novos pobres?), a velhice continua a ser um peso em vez  de ser uma dignidade. Este, portanto,  o nosso  País neste dealbar, simultâneo, de século e milénio em que a crise europeia serve de álibi para situações destas em que, como diz o povo, se poupa vergonhosamente no farelo para se gastar na farinha! Exageração minha, caro leitor? Como escreveu Eça, "exageração era pintar a cobra e depois pôr-lhe quatro pernas!"

9 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Dedicado a terceira idade e em nome de vosso embate, professor Rui Baptista.




Gente honesta


Por esta terra, há tanto fazer...
Por esta terra, geme o infinito!
Sim! Sim a bem e se reflito?!
Da clave escura surgira a nascer.

Vos que haveis nele escrito
o de grafado e se repito
que sentidos ão em tecer,
havias no sim em vos o ser.

Então, ser-lho-ia oh' monólito
teu germem o trigo bendicto
a paz sem receio, vos aurora

e nem tarda a quem d'ora
fora fonte o concebido calor
a face humana, imagem do amor.

José Batista disse...

"com um prejuízo para o Estado que pode atingir 5,8 milhões de euros”.

Os zeros são muitos, meu caro Rui Baptista. E nós temos alguma dificuldade em lidar com certas montas.

Mas, se não me engano, a ordem de grandeza é outra: 5,8 mil milhões de euros...

Digo que nós temos dificuldade em lidar, mas não me parece que a tenham os nossos políticos e governantes: Para eles milhares, milhões, milhares de milhões ou milhões de milhões são tudo contas para os humildes pagarem.

E eles (nós) pagam(mos).
Enquanto (nos) restar alguma migalha.
Depois... o manto extenso da miséria a (quase) todos cobrirá.

Rui Baptista disse...

Prezada Cláudia: Grato pelo soneto.

Rui Baptista disse...

Caríssimo Professor José Batista: Tem toda a razão. Não se tratou de uma dose de optimismo da minha parte. Obrigado. Já emendei. Acontece, apenas, que isto de euros, em quantias astronómicas, causa-me bastante confusão habituado que estou à magra cifra da minha reforma. Cada vez mais magérrima! E a procissão, pelos vistos, ainda vai no adro...

Aliás, habituado que fui,outrossim, durante anos e anos, aos escudos, tenho dificuldade acrescida em converter euros em edscudos e vice-versa. Ou seja, a idade não perdoa e não é perdoada... por quem nos (des)governa.

Rui Baptista disse...

Com o pedido de publicação, transcrevo, com o maior prazer, este comentário que me foi enviado pelo meu estimadíssimo Amigo Eugénio Lisboa:

"O tratamento dado por este governo aos pensionistas é, além de uma grave infracção à lei, uma ofensa gigantesca à sensibilidade social. Esta proposta de orçamento, que agora se "discute" no Parlamento, na parte que toca os pensionistas, ficará como um dos atentados mais vergonhosos perpetrados por algum governo europeu aos já de si frágeis direitos dos idosos. É uma verdadeira vergonha.

Agradeço, pois, ao meu velho Amigo, Rui Baptista, o modo preciso, justiceiro e eloquente como alerta para esta violenta agressão perpetrada pelo governo de Passos Coelho e desse robot falante, que é o seu chanceler das Finanças. É uma história triste que a História há-de tristemente contar. Disso, podem estar certos!"

Eugénio Lisboa

José Batista disse...

Meu caro Rui Baptista

Os nossos governantes é que não perdoam a idade. Qualquer idade. Por isso não prezam (ou desprezam) os mais idosos, esquecendo que estão a "deitar fora" o muito que nos deram, a conspurcar o exemplo que nos deixam e a macular a sabedoria que generosamente connosco compartilham. Já nem falo do prazer e do privilégio da convivência, algo que não tem preço...
E também não perdoam as idades tenras, pelo futuro que insensível e insensatamentte lhes coarctam.
Pois que são "robôs actuantes", com bem ensina Eugénio Lisboa.
Que será deles próprios, quando só conviverem com outros como eles?
Estranho mundo...

Rui Baptista disse...

Meu prezado José Batista: Julgo eu que os nossos governantes bem sabem (a manterem-se as coisas como estão) que quando se reformarem, com muitos ou poucos anos de "dedicação" à coisa pública, terão direito a chorudas reformas que poderão acumular com cargos privados ou, mesmo, públicos.

Mas o que, deveras, me preocupa é o facto do "mundo salve-se quem puder" que se prepara para os nossos filhos e netos e contra o qual eu me revolto contra silêncios cúnplices, por cobardia ou não querer fazer ondas, que mereceu a execração de Miguel Torga: "Maldito seja quem se nega aos seus nas horas apertadas!"

Rui Baptista disse...

Cúnplices, não; cúmplices, sim!

Rui Baptista disse...

Meu bom Amigo Eugénio: Enquanto a História não registar e relatar todos estes atropelos à "dignidade da velhice", vozes como a tua, Eugénio, trarão incomodidade (nma réstia de esperança minha!) aos seus fautores...

Um abraço grato pelo teu comentário.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...