sábado, 21 de abril de 2012

Testes intermédios de filosofia

O professor Aires Almeida faz aqui e aqui uma análise mais pormenorizada do que a minha de outros aspectos do teste intermédio de filosofia.

Volto a insistir: o melhor que hoje podemos fazer pela educação em Portugal é acabar com os exames nacionais e com toda a interferência do Ministério nas escolas, dando-lhes completa liberdade de programas, métodos e avaliações. Isto permitiria que os melhores professores desenvolvessem um trabalho ainda melhor, sem a interferência do Ministério.

Ao contrário do que é comum pensar, há muitos professores muitíssimo competentes no país - e talvez muitos mais ainda muitíssimo incompetentes. Mas se forem estes últimos, como tem acontecido quase sempre, a fazer exames nacionais, directrizes educativas e programas, a situação é desastrosa porque prejudicam o trabalho dos professores que prezam o profissionalismo e a competência, que gostam de ensinar e de estudar. Na verdade, há até uma tendência para que sejam os piores professores a trabalhar para o Ministério, pois a razão disso é que são precisamente eles que estão dispostos a fazer tudo para fugir do que menos gostam, que é ensinar os alunos e estudar para poderem ensinar melhor. De modo que numa situação centralista, como a que temos, é quase inevitável que quase tudo o que emana do Ministério da Educação seja o reflexo não do melhor que temos no país, mas precisamente do pior. Ou será que estou a ver mal?

19 comentários:

luiz carvalho disse...

só não 'sei' se concordo com a 'abolição' absoluta dos exames nacionais... quanto ao resto... amén...!

Desidério Murcho disse...

Vale a pena ler a opinião da professora Sara Raposo, aqui.

Sara Raposo disse...

Desidério,

Das questões que coloquei no post que referiste anteriormente, há duas delas que gostava de ver respondidas pelos autores das orientações do programa para o exame nacional (Alexandre Sá, Manuela Bastos, Maria do Carmo Themudo, Pedro Alves e Ricardo Santos), enquanto representantes de instituições ligadas à Filosofia e ao seu ensino:
1º O que pensam do teste intermédio que foi feito ontem?
2º O exame nacional será elaborado nos mesmos moldes que o teste intermédio?
Julgo que era importante existirem esclarecimentos públicos acerca destas duas questões.

Quanto às ideias que defendes no post, acho que estás de facto a ver muito mal, é necessário que existam testes e exames corretamente elaborados a nível nacional. A ideia de dar autonomia às escolas seria uma fonte de arbitrariedades e de injustiças, ainda maior, para os alunos e para os professores. A verdade é nada garante que o trabalho dos melhores professores seja reconhecido pelos seus pares e não o é muitas vezes, pois há nas escolas interesses e relações de poder que se sobrepõem ao reconhecimento do mérito. Aliás, este é secundário em muitos contextos e situações: os professores fazem parte de grupos disciplinares, onde muitas vezes o mais relevante são as relações pessoais e não a qualidade científica e pedagógica do trabalho que desenvolvem. E se a maioria das pessoas de um grupo disciplinar e mesmo da escola decidir ignorar o trabalho meritório que alguém possa fazer? De que é que serviria nesse caso ser competente se os outros se tivessem nas tintas (por motivos como não querem mudar os seus hábitos ou trabalhar mais) e o professor em causa não conseguisse impor o seu ponto de vista (como acontece muitas vezes)?
Um abraço.

Desidério Murcho disse...

Compreendo o teu ponto de vista. Mas devolvo-te as perguntas: e o que acontece se quem é responsável pelas directrizes do Ministério, incluindo programas, orientações e exames, for exactamente esse género de professor sem qualquer interesse na excelência do ensino de que falas? Quando se fala em exames, pensa-se em exames bem feitos; o mesmo com respeito a programas. Mas isto é sonhar alto. Nunca teremos tal coisa, Sara, pela simples razão de que não são professores como tu ou o Carlos ou o Aires que terão uma palavra a dizer nessas matérias, mas antes pessoas que nem sequer estão a tentar genuinamente fazer o melhor -- quando, mesmo que o tentassem, não conhecem as bibliografias para poderem fazê-lo.

Se houvesse plena liberdade, os professores teriam plena liberdade também nas próprias escolas. Cada qual faria o trabalho como bem entendesse. Ao menos, tu poderias fazer bem o teu trabalho sem que ser atropelada pelos outros, quer dentro da escola, quer os que têm poder por meio do Ministério da (des)Educação.

José Batista da Ascenção disse...

Relativamente a este texto não acompanho Desidério

Murcho.

Desde os tempos da loucura e cegueira "rodriguinas" as

escolas, a que não faltavam motivos para melhorarem a

sua ação, ficaram depauperadas de muitos professores

bons, que fugiram incrédulos com o que se passava...

E agora estão (ainda) piores. Claro que é preciso

extinguir infinitas estruturas intermédias, as quais

servi(r)am (e servem) essencialmente para acomodar

gente que não gosta do contacto direto com os alunos.

Mas os exames nacionais são, a meu ver, necessários.

Porém, bastava uma estrutura mínima que fizesse as

provas com as respetivas propostas de correção e

definição de critérios. Nada de complicações, nem de

matrizes milimétricas abstrusas nem de testes

intermédios, nem de "(de)formação" obrigatória para

professores classificadores (candidatos a "mártires",

por violentação repetida...), nem bolandas, nem sessões

estéreis de horas a fio para complicar o que se faz de

maneira óbvia, até por toda a vida ter sido feito sem

necessidade de cortejos de horrores... Claro que os

professores de tal estrutura não poderiam ser

recrutados entre aqueles que não tivessem lecionado a

disciplina, digamos há mais de três anos, nem

permanecer nela, salvo casos absolutamente meritórios,

mais de três anos seguidos.

Outras razões ponderosas estão devidamente aduzidas no

comentário da colega Sara Raposo.

Desidério Murcho disse...

Penso que concordamos os três com a seguinte condicional:

Se os exames nacionais forem bons, devemos fazer exames nacionais.

Eu concordo, mas não acredito na antecedente. Penso que os exames nacionais, assim como os programas e as orientações e directrizes ministeriais, serão sempre feitos não por professores dedicados e estudiosos, como a Sara, mas antes pelos outros. E por isso o caldo fica sempre entornado.

Mas posso estar enganado. Na verdade, gostaria de estar enganado.

José Batista da Ascenção disse...

Pois.

E eu temo, temo muito, que esteja certo.

E, naturalmente, gostaria que não estivesse.

Em boa verdade, "habituei-me", por antecipação, a temer

tudo o que vem dos "inovadores" ministeriais. Sempre

que uma coisa estava mal, e parecia consensual que só

poderia melhorar, e que até era fácil (de) melhorar,

não foi assim...

Parece-me que (também) Maria Filomena Mónica tem razão.

Donde, estamos mal e mal vamos continuar.

Que fazer?

Desidério Murcho disse...

Cada professor genuinamente interessado e estudioso deve publicar livros, preparar aulas, fazer bons sites de apoio; com outros colegas igualmente interessados, deve publicar materiais de qualidade para o ensino e colher estímulo para fazer mais e melhor com eles. E deve ignorar tanto quanto possível os ofícios e directrizes e tolices que emanam das hierarquias que de "superior" só têm o nome.

José Batista da Ascenção disse...

São boas sugestões. Mas não é fácil.

Muitos continuam a trabalhar tanto quanto podem, e os

alunos, por vezes, colaboram, chegando mesmo a ser o

único estímulo. Porém, "ignorar tanto quanto possível

os ofícios e directrizes e tolices que emanam das

hierarquias" tem os seus riscos... a começar num

esforço tremendo com um desgaste violento, se for só

isso...

Mas há professores que insistem: um dia destes, numa

reunião de diretores de turma, um professor chamava

lixo às normas legais a que esse cargo está sujeito, e

traduzia as iniciais PCT (de projeto curricular de

turma) por "plano cheio de trampa"; e nestas "férias"

da Páscoa eu próprio redigi uns apontamentos para os

meus alunos, que mos haviam pedido, depois de outra

tentativa concretizada no primeiro período, mas alertei

os pais da minha direção de turma (que com os outros

não contacto...) para a ação antipedagógica que

realizei, tornando-me um "criminoso" transmissor de

conhecimentos, prejudicando eventualmente a

possibilidade de aqueles alunos descobrirem o saber por

eles mesmo, "construindo-os" com trabalho seu", segundo

a treta oficial. Felizmente fiquei com a impressão de

ter ganho o apoio de uns e de outros.

Mas é visível, em mim como na maioria dos meus colegas,

um sentimento de solidão e desamparo que permanece...

E trabalho numa escola "boa", genericamente reconhecida

como tal.

José Batista da Ascenção disse...

No último comentário que fiz, onde está escrito ..."por eles mesmo, construindo-os"... devia, obviamente, estar ..."por eles mesmos, construindo-o"...

Desidério Murcho disse...

O desamparo e a solidão resultam do isolacionismo que mesmo os melhores professores adoptam como regra de vida. A razão de ser disso é que na mentalidade centralista portuguesa só se reconhece a legitimidade -- na verdade, a própria existência -- de instituições oficiais ou reconhecidas oficialmente. Daí que nunca tenha ocorrido aos muitos professores competentes e dedicados por esse país fora organizarem-se em associações voluntárias, propositadamente sem qualquer reconhecimento oficial, só para se estimularem mutuamente e trabalharem melhor.

Eu próprio ajudei a fundar uma associação dessas, o Centro para o Ensino da Filosofia, na Sociedade Portuguesa de Filosofia, mas não funcionou porque sem o meu voluntarismo (que ainda por cima não sou nem nunca fui e é razoável pensar que nunca serei professor do ensino secundário) e sem o voluntarismo do professor Aires Almeida, os outros colegas pura e simplesmente preferem ficar isolados.

Este é um aspecto, caro José, em que não se pode deitar a água para o capote do Ministério: se os professores genuinamente comprometidos com o estudo e o ensino estão isolados é porque nada fazem para não estarem isolados; pior, quando alguém faz algo para que não fiquem isolados, não participam; ficam até desconfiados.

É muito difícil mudar mentalidades, e na mentalidade centralista portuguesa só se reconhece instituições que tenham o poder do estado; instituições genuinamente democráticas, voluntárias, abertas, feitas por nós mesmos, é um corpo estranho na mentalidade portuguesa. Por sua vez, isto contribui para que as instituições que têm o poder do estado sejam quase sempre dirigidas não pelas pessoas mais competentes e comprometidas com a sua profissão, mas pelas outras; e como são essas instituições que têm o poder, tudo o que fazem -- exames, programas, directrizes, regras -- não promovem, para dizer o mínimo, a excelência educativa.

Se com um ministro da educação como o Nuno Crato (uma das pessoas mais competentes e comprometidas que temos no país) as coisas não vão melhorar -- e não vão, basta ver as fragilidades científicas e pedagógicas dos exames nacionais -- não é por via de Ministério algum que irão melhorar. Esta é a minha opinião, que pode estar errada, mas tem pelo menos alguma probabilidade de não o estar.

José Batista da Ascenção disse...

Caro Desidério
Sei e sinto que são verdade as coisas que afirma. Vejo-as como variáveis muito importantes de uma equação complexa que é o ensino (peço desculpa aos matemáticos...). Mas afigura-se-me tão complexa tal equação que há outras variáveis, de características peculiares, que não sabemos bem definir nem em que membro da equação colocar... Creio que ninguém fará ideia de quantas são. E por isso receio que as escolas se possam tornar imensos galinheiros de ódio, antes de serem outra coisa qualquer...
Sabe, próximo da dobragem do século, mais coisa menos coisa, senti que devia oferecer-me para trabalhar na revisão dos programas que então se estava a pensar fazer. Fi-lo discretamente, por achar que era meu dever, e não me preocupei quando me agradeceram a disponibilidade e dispensaram os préstimos. Mais tarde, quando vi os projetos de programas, desde o básico até ao secundário, atei as mãos à cabeça e perguntei a mim próprio: como é possível!!! E viria a inciar uma correspondência extensa e repetida com o então Presidente da Associação de Professores de Biologia e Geologia, o meu querido amigo Aires Alexandre, homem de tal bondade e retidão, que nunca o mal lhe parece absolutamente mau. E foi tão forte e veemente a nossa troca de "cartas" que ele lhe chamou "prosas bárbaras". Eu horrorizado com o que se propunha, ele fazendo-me ver que aquelas propostas se fundamentavam nas ciências da educação e que a ciência era mais razoável do que eu. Lembro-me que escrevi então que o "boomerang" ia partir e que nos havia de cair em cima mais cedo do que tarde. Nada adiantei. Depois tentei a recentemente criada ordem dos biólogos, a que pertencia desde (praticamente) a criação da Associação Portuguesa de Biólogos. Tentei escrever para o seu boletim e pedi aos dirigentes da altura que procurassem travar a destruição do ensino da biologia ao nível do ensino básico e secundário que se "preparava". Debalde. E devolvi-lhes o meu cartão. Entretanto, há oito, dez anos, fui sempre perguntando a crianças do 2º e 3º ciclos, especialmente a algumas que sabia muito muito inteligentes, se gostavam de ciências da natureza. E nunca obtive nenhum sim enérgico e entusiasmado. Uma tristeza! Quem duvidar que experimente.
Repare, meu caro Desidério, que se tratava de associações de professores de uma dada área. Repare também na sua própria experiência, e nos resultados que deu...
Evoluímos para uma situação em que os professores estão sós porque estão sozinhos e se sentem sozinhos mesmo se acompanhados. E não apenas sozinhos mas também desconfiados como se precisassem de estar sempre a apalpar a navalha escondida no bolso. Por culpa deles? Sim, seguramente. Mas apenas deles? Aqui, tenho dúvidas...
Olhe, no passado sábado, um colega que estimo, talvez para me provocar, atirou-me: então, um dia destes ainda vamos ter saudades da Lurdes Rodrigues, este ministro não faz nada. Não levei a resposta comigo. Ali mesmo lhe disse que ninguém fará pelos professores a parte que compete aos professores. E que os professores não a estão a fazer, como nunca fizeram, provavelmente.
Confesso, tenho estima por Nuno Crato. Exultei quando o chamaram para o ministério. Dizem-me os meus amigos: está num horrível governo de direita. E eu respondo: horríveis foram os ministérios da educação dos governos que se intitularam de esquerda. Pouco me interessam esquerdas e direitas. Pelo menos das que temos tido. Interessam-me as pessoas. E não quero no ministério um indivíduo que se julgue um milagreiro. E menos quero professores que se dizem muito lutadores mas que, no fundo, esperam milagres, vindos de uma (só) pessoa.
Julgo até ver em Nuno Crato a inteligência de estar a dar a oportunidade aos professores de fazerem um "milagre", daqueles com muito sacrifício e maior esperança. Isto é, para mim, o homem está do nosso lado.
Como nunca nenhum ministro tinha estado.
Estarei a ver mal?
Desculpe o excesso. Agradeço-lhe ter dialogado comigo.
Por ter sentido menos a solidão. E não só.

Carlos Pires disse...

Desidério:

Por falta de tempo, vou só referir 2 aspetos:

- Se o Ministério da Educação acabar com os exames isso será feito por pessoas que não querem reduzir o centralismo e deixar os professores competentes em paz, mas sim por pessoas que detestam que haja avaliação e que querem substituir os exames pelos seus delírios (educações para a cidadania e coisas do género), pelo que vão continuar a atrapalhar e a controlar - e com coisas piores que provas mal feitas.

- É difícil imaginar uma pessoa melhor que o Nuno Crato para ministro da educação. No entanto, é fácil imaginar um ministro da educação melhor do que ele tem sido. Isso não é surpreendente e aposto que ele não está surpreendido: a crise económica e a necessidade de cortar nas despesas, o peso absurdo da máquina do ministério, o facto de muitos professores fazerem parte do problema e não da solução, o facto de muitos alunos e seus pais não terem consciência dos seus verdadeiros interesses e preferirem escolas e professores facilitistas (isto é poiticamente incorreto e não costuma ser dito, pois as pessoas parecem recear ser acusadas de serem antidemocráticas por dizer esse tipo de coisas...)

Por isso, em vez de defender uma espécie de estado-natureza na educação como tu pareces ter feito ("o melhor que hoje podemos fazer pela educação em Portugal é acabar com os exames nacionais e com toda a interferência do Ministério nas escolas"), acho melhor tentar fazer coisas que possam contribuir para melhorar um pouco as coisas. Por exemplo: criticar publicamente o teste intermédio e mostrando assim que é possível fazer melhor, propor alterações ao programa, e ...

Sara Raposo disse...

Desidério,
Respondendo às questões que colocaste: o que acontece é que as pessoas responsáveis pelas diretrizes e elaboração dos testes intermédios e exames não têm de prestar contas pelo que fazem, embora isso afete, diretamente, a vida dos professores e dos alunos. O que deveria acontecer é que, tal como os professores do secundário - que respondem perante os alunos, os encarregados de educação e os órgãos diretivos das escolas - estas pessoas (enquanto representantes de entidades ligadas à Filosofia) deveriam dar a cara pelo seu trabalho e prestar esclarecimentos. Porque não haveria de ser assim? O teu discurso não pressupõe esta possibilidade. Dizes que “exames e programas bem feitos é sonhar alto”? Mas porquê? Não será antes uma questão de coragem política e de afrontar, provavelmente, alguns interesses e “autoridades”, colocando em primeiro lugar a formação dos alunos do secundário, em vez de dar prioridade ao que é menos importante?
A tua ideia de dar plena liberdade aos professores e às escolas, para mim, não faz sentido e é até assustadora. Eu tenho visto o uso que algumas pessoas fazem da autonomia: depressa esquecem a imparcialidade, a exigência e a transparência, acabando, em muitos casos, por ceder aos interesses, ao poder e ao amiguismo. Não é porque sejam perversas, são apenas humanas. Pressupor que o bom funcionamento do ensino depende do facto de cada um usar bem a sua liberdade e não existir uma exigência exterior de prestar contas, é uma ideia que na prática não funciona. Isso viu-se, por exemplo, na avaliação dos professores e vê-se ainda quando uma disciplina não está sujeita a exame nacional (tende a haver uma inflação das notas e um menor empenhamento por parte dos professores e dos alunos). Eu penso que a avaliação externa, apesar de possuir imperfeições (como tudo na vida), tem mais aspetos positivos que negativos, pois globalmente conduz a uma melhoria da qualidade do desempenho dos alunos e professores. Além disso, sem um olhar exterior os professores estão muito mais prisioneiros das arbitrariedades de quem os avalia. Os exames são uma defesa para os bons professores e para os bons alunos. Pressupor que fazer um bom trabalho implica recetividade por parte dos outros professores e dos alunos é uma ideia errada, na realidade não é assim. Há uma minoria que reconhece a seriedade intelectual e o empenho, mas para a maioria dos alunos (mesmo os bons, que não são muitos) não faz grande diferença perceber ou não o que um professor explica nas aulas. O que mais importa é não trabalhar muito e conseguir uma boa nota no final do ano.

Sara Raposo disse...

O colega José tem razão ao falar de uma certa “solidão” dos professores que se envolvem no ensino e no estudo. Posso, infelizmente, apresentar-te muitos exemplos concretos (alguns deles relacionados com o “Dúvida Metódica”). Portanto, a mim parece-me, se excetuarmos uma certa dose de sorte, qualquer reconhecimento que dependa dos pares e das escolas pode ser deturpado e manipulado, por vezes, por pessoas que têm mais influência ou certos interesses. É, por isso, que são necessárias diretrizes de uma entidade exterior (o ministério ou outra com credibilidade científica e pedagógica) aplicáveis de forma idêntica a todas as escolas, professores e alunos, esta parece-me ser a única forma de avaliar, com mais justeza, o trabalho dos professores e dos alunos. E isto, ao contrário do que tu dizes, não tem haver com a “mentalidade centrista portuguesa”, tem sim a ver com a mentalidade do compadrio e da corrupção endémica que existe em Portugal – nas câmaras e em qualquer organismo público, por exemplo – onde a ética e a transparência são secundárias. A cultura da cunha é uma realidade, as escolas não são exceção, como eu costumo dizer aos meus alunos: vocês dizem que os políticos são todos corruptos, mas a questão é esta: se vocês tivessem oportunidade não fariam o mesmo? A maioria costuma responder-me: Claro que sim, nós não somos parvos!
Não é justo afirmares que os professores mais empenhados preferem ficar isolados. Essa possibilidade, dos professores do secundário se organizarem voluntariamente, seria viável se nos fossem dadas outras condições de trabalho e muito mais tempo para estudar. Por outro lado, parece-me que há uma certa lógica de grupo que acaba sempre por funcionar, mesmo entre os tais colegas empenhados. Mesmos nesses grupos não deixam de ter um maior peso as afinidades pessoais, intelectuais ou outras. É humano que assim seja, portanto esse apoio dos professores empenhados uns aos outros não parece ser tão simples como tu fazes parecer.
Por fim, julgo que, ao contrário do que afirmas, as coisas já melhoraram com o Nuno Crato. Introduziu-se, bem ou mal, uma certa ideia de exigência e de valorização da componente científica e pedagógica. Ora, se atendermos às ideias que vigoraram durante os governos socráticos – um certo delírio facilitista e uma vergonhosa manipulação dos resultados dos alunos – estamos bem melhor, pois pelo menos este discurso político deixou de nos assolar, diariamente, os ouvidos. Isso, a meu ver, já é uma grande melhoria.

Desidério Murcho disse...

Carlos, há algo que estás a ver muitíssimo mal. O que poderá dar-te a ti ou a mim o direito de impor aos nossos colegas o que nós consideramos melhor? Se eles não têm o direito de nos impor as suas concepções do ensino, então também nós não temos o direito de impor as nossas a eles.

Quanto à ideia de que, ao defender a completa libertação do ensino do jugo do Ministério da Educação estou a fazer o jogo dos que dominam o ensino em Portugal desde há décadas, tenho duas respostas. Primeiro, se o estou, estou-me nas tintas. Não vou mudar de ideias só porque superficialmente coincidem com o "inimigo". Segundo, não coincidem. Porque o pior que poderia acontecer ao "inimigo" seria tu e outros como tu terem plena liberdade para ensinar os seus alunos como pensam que estes devem ser ensinados. A minha previsão é que em menos de cinco anos a diferença seria de tal modo evidente que o ensino da carochinha passaria a ser visto como hoje vemos a numerologia: uma fantasia de pessoas pouco dotadas.

Desidério Murcho disse...

O que eu gostava que me explicasses é como raio justificas o uso do poder político para impores aos outros o que eu e tu pensamos que é correcto, mas os outros, maioritariamente, acham incorrecto. Se concordas que os professores que concebem o ensino como uma conversa fiada e um jogo de interesses não têm o direito de te impor essa concepção, como raio consegues justificar que tu tenhas o direito de lhes impor a tua e a minha concepção?

Não há volta a dar a isto, Sara. Tu não tens esse direito, tal como eles não o têm também. Cada qual que faça o que bem entender, respondendo apenas a pais e alunos. Nada mais. Qualquer outra ideia é insustentável e ditatorial.

Sara Raposo disse...

Desidério,
Não respondeste às várias questões concretas que te coloquei, nem consideraste as razões que apresentei nos dois comentários. Se tiveres resposta para as perguntas que fiz e me demonstrares que eu não tenho razão no que disse, talvez seja possível continuar a discussão.

Como tentei mostrar, penso que estás completamente enganado. As tuas ideias postas em prática seriam desastrosas e teriam consequências bem mais nefastas do que aquelas que agora vigoram. E isso não tem nada a ver com “a mentalidade centralista” ou “o medo da liberdade”, como eu procurei explicar no que escrevi anteriormente.

Dizes que as conceções do ensino valem todas o mesmo e por isso não podemos impor nada a ninguém. Isso seria só na Filosofia ou em todas as disciplinas?

Como se iria fazer quando os alunos se quisessem candidatar, por exemplo a curso, se cada um deles tivesse tido um currículo e sido ensinado de forma diferente? Como seria possível a igualdade de oportunidades?

Ao contrário do que pressupões no teu discurso, há uma forma de distinguir o bom ensino do mau: os resultados dos alunos obtidos em testes e exames corretamente elaborados.

Estou a corrigir várias turmas de testes e, por isso, tenho de ficar por aqui.

Desidério Murcho disse...

Sara, eu também penso que há maneiras de distinguir o bom do mau ensino. Só que pessoas diferentes têm diferentes ideias sobre o que é bom e mau ensino, e é irrelevante que algumas delas não tenham razão. Tenham ou não razão têm tanto direito de ver a sua concepção presente nos exames como tu ou eu. Ou pensas que não?

Além disso, como sabes, quase nenhum professor de filosofa quer exames. O que te faz pensar que o que tu e eu pensamos que deve ser feito tem prioridade sobre o que eles pensam?

Quanto à possibilidade de exames responsavelmente feitos, e de autores dos mesmos que tenham vontade de discutir publicamente, isso não acontecerá. No segundo caso porque o GAVE tem como política impedir os autores dos exames de darm a cara. A ideia é péssima, mas não vai mudar. Mas mesmo que mudasse, essas pessoas não estariam realmente interessadas numa discussão honesta e sincera e civilizada, porque vêm tudo em termos de quem ganha e quem perde pontos, quem tem e quem não tem o poder.

No primeiro caso, voltamos ao mesmo problema: o que tu e eu consideramos maus exames outros colegas consideram bons exames. Como deves ter lido, a nossa colega Fátima pensa que há conhecimento verdadeiro e falso, ou seja, desconhece o conceito filosófico elementar de factividade. Também não sabe o que em filosofia quer dizer "derivar". Só que ela tem exactamente as mesmas qualificações dadas pelo estado que tu e eu. Para quem defende a importância e centralizado do estado, como tu, como podes sem contradição achar que tu e eu temos o direito de fazer exames, mas ela não?

Ao defenderes os exames estás a pedir o impossível porque queres ao mesmo tempo bons exames. E isso não vais ter porque vais ter pessoas que não sabem o que é a factividade a fazê-los. Que essas pessoas obviamente desconheçam a bibliografia elementar é irrelevante porque o que eu e tu consideramos bibliografia elementar essas pessoas desprezam, considerando que o Delfim Santos, por ser português é muito mais relevante do que Platão ou Aristóteles. Uma vez mais, o que poderia justificar que eu lhes impusesse x ou y, quando afinal essas pessoas têm as mesmas qualificações estatais que eu?

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